Inicialmente, cumpre-se observar que a livre concorrência faz parte da atividade empresarial, esta apresenta-se como um fator importante para o crescimento da economia de mercado bem como o princípio basilar da ordem econômica e financeira no país.
A concorrência praticada corretamente, beneficia não somente o consumidor, que tende a adquirir produtos e serviços por preços mais baratos, como o empresário, que poderá maximizar a oferta de bens e serviços.
O princípio que norteia a livre concorrência vem esculpido no art. 170, inciso IV, da Constituição Federal de 1988 que baseou-se na livre iniciativa como pilar essencial da ordem econômica e financeira, sem o qual a atividade empresarial não alcançaria seus objetivos maiores, como a obtenção de lucros e a captação de clientela.
A liberdade de explanar seus negócios é fundamental para qualquer particular para exercer qualquer atividade, com exceção aos casos que são vedados por Lei para a caracterização da concorrência, sobretudo porque é a partir dela que surgem diversos produtores ou prestadores de serviços interessados em praticar igual atividade, com o objetivo de garantir para sociedade a possibilidade de escolha do melhor produto, preço, condições de pagamento.
Os seguintes fatores melhores identificam o sistema de concorrência:
- A necessidade que os concorrentes estejam disputando o mercado em momentos temporais paralelos.
- Que a competição se funde no mesmo bem ou serviço.
- A identidade de mercado seja mais abrangente que a expressão identidade territorial, baseado na globalização, que permite a competição entre territórios longínquos, como, por exemplo, o comércio eletrônico.
Através do princípio da livre concorrência é dada liberdade aos empresários para adentrarem na economia no setor ou ramo de indústria ou comércio que melhor lhe aprouverem, competindo com os demais. No entanto, é necessário haver certas restrições que são impostas pelo Estado, inclusive para que se mantenha a lealdade empresarial sob pena de caracterização da concorrência desleal ou de infração à ordem econômica.
O fator primordial da concorrência é alcançar a clientela, o objetivo imediato do empresário em competição é simplesmente o de cativar consumidores, através de excelentes recursos de publicidade, melhoria de qualidade e redução do preço, de modo que leve ao consumidor final a direcionar suas opções no sentido de adquirirem o produto ou serviço que ele, e não outro empresário fornece. De modo geral, na concorrência, os empresários objetivam, de modo claro e indisfarçado, infligir perdas a seus concorrentes, porque é assim que poderão obter ganhos.
Neste sentido, sabido elucidar a diferenciação entre a concorrência leal da concorrência desleal, uma vez que ambas têm em comum a sua finalidade, vez que pretendem angariar os clientes alheios. A concorrência por si só não é capaz de tornar o ato ilegal, devendo restar demonstrado a má intenção do competidor que objetiva desviar a clientela utilizando meios artificiosos.
Em ambas as modalidades de concorrência, o empresário tem o intuito de prejudicar concorrentes, retirando-lhes, total ou parcialmente, fatias do mercado ‘clientela” que haviam conquistado.
A intencionalidade de causar dano a outro empresário é elemento presente tanto na concorrência lícita como na ilícita, são os meios empregados para a realização dessa finalidade que as distinguem, que podem ser meios idôneos e inidôneos de ganhar consumidores, em detrimento dos concorrentes, assim, pela análise dos recursos utilizados pelo empresário, que se poderá identificar a deslealdade competitiva.
Nesta análise, o ato será considerado como desleal não pelo resultado alcançado por ele, porém no meio que foi empregado para alcançar o fim maior da atividade comercial, que são os clientes, ou seja, se dentro das práticas concorrenciais o competidor utilizou-se de má-fé, veiculou publicidade negativa do concorrente, utilizou indevidamente das criações intelectuais.
A concorrência desleal traduz-se, portanto, em um desvio de conduta moral, com violação dos princípios da honestidade comercial, da lealdade, dos bons costumes e da boa fé, e não está presente no simples alcance dos consumidores, mas sim na maneira como se busca esse fim.
Como forma de estabelecer um norte para a concorrência desleal a legislação pátria tipificou os atos como ilícitos através da Lei 9.279/96, no art. 195 e incisos. Para fins penais o rol elencado no citado artigo é taxativo, no entanto outros atos também poderão ser rotulados como desleais, mesmo não sendo caracterizados como crime, ou seja, o mesmo rol poderá ter fim exemplificativo ao tratar de concorrência desleal pura.
Estes atos podem não se reputarem crimes e não se sujeitarem a pena; mas são delituais do ponto de vista do Direito Comercial, são atos ilícitos que criam obrigação de indenizar perdas e danos. Existem atos desleais mencionados em lei passíveis de repressão criminal, bem como atos não enumerados no dispositivo, oriundos das práticas comerciais, que causarão danos ao estabelecimento empresarial e que poderão ser discutidos em sede de cognição, pela prestação jurisdicional contenciosa através da busca pelo ressarcimento das perdas e danos, a teor do que pondera o art. 209 da Lei de propriedade industrial.
Nesta esteira, diante desta análise, em sentença do Processo 027/1.13.0016164-7, da comarca de Santa Maria, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu ganho de causa a uma indústria de plásticos que comprovou que uma concorrente, fabricante de forros de PVC, estava utilizando um modelo de utilidade patenteado em seus produtos sem permissão.
O colegiado acolheu integralmente os fundamentos da sentença, por entender que terceiros precisam de autorização para produzir, usar ou vender produtos patenteados, como prevê o artigo 42 da Lei 9.279/96, inclusive determinando reparação material, por entender que a conduta da ré restringiu a livre concorrência de forma desleal, excedendo manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelos bons costumes.
Para o relator da apelação, desembargador Ney Wiedemann Neto, o fato de a ré possuir licença do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi) para explorar determinado produto em seu aspecto visual não impossibilita a violação de uma patente de modelo de utilidade que recaia sobre o aspecto funcional do produto — o caso dos autos.
"Ademais, a utilização indevida, pela ré, de modelo de utilidade devidamente patenteado pela autora presume que a parte ré desviou clientela; isto é, teve um proveito econômico parasitário, em detrimento da autora. Vale dizer, a atividade culposa e ilícita da ré presume que a autora deixou de lucrar; isto é, sofreu dano material, traduzido, na espécie, nos lucros cessantes", complementou Wiedemann no acórdão.
Ação indenizatória
A indústria de plásticos, com sede em Tapejara, ajuizou ação de obrigação de fazer cumulada com pedido de indenização contra a fabricante de forros de PVC, sediada em Santa Maria. Afirmou que a ré vem utilizando em sua linha de produção o modelo de utilidade conhecido como “disposição construtiva em elementos de encaixe traseiro para peça de união de rodaforro”, tecnologia registrada no Inpi em novembro de 2012.
A comercialização de produto copiado, com as mesmas características do original patenteado, alegou a autora, vem lhe causando prejuízos financeiros. Por isso, pediu reparação por danos morais e materiais.
Na contestação, a ré afirmou que utiliza desenho industrial denominado “configuração aplicada em peça de arremate para canto de roda-teto”, registrado no Inpi por uma microempresária e devidamente licenciado para uso. Logo, não se poderia falar em crime de contrafação. Pediu a improcedência da ação e a condenação da parte autora por litigância de má-fé, pois as alegações objetivam denegrir a sua imagem no mercado, disse.
Sentença parcialmente procedente
Em julgamento de mérito, a 3ª Vara Cível da Comarca de Santa Maria deu parcial procedência à ação indenizatória, reconhecendo apenas o dano material. O julgador viu ‘‘inequívoco nexo de causalidade’’ entre a conduta da ré e o prejuízo sofrido pela autora, por uso de patente de modelo de utilidade sem autorização, configurando a contrafação. Logo, em face da conduta ilícita, há dever de reparação, como sinalizam os artigos 187 de 927 do Código Civil.
Na fundamentação da sentença, o juiz Michel Martins Arjona fez várias referências ao laudo do perito. Ao responder a um dos quesitos, observou o julgador, o perito foi enfático ao afirmar que a parte demandada não podia produzir nem comercializar o Desenho Industrial 7003054-5 (“configuração aplicada em peça de arremate para canto de roda-teto”) sem autorização da demandante. Ao fazê-los, cometeu infração ao artigo 42 da LPI.
Segundo o perito, o uso de um modelo de utilidade patenteado, considerando que este pode ter inúmeros desenhos — todos de peças que se destinem à mesma finalidade, com a mesma configuração construtiva —, está subordinado à licença prévia concedida pelo detentor da patente do modelo original. Qualquer desenho registrado por terceiro sem a devida licença infringe os direitos dessa patente.
No caso, ponderou o julgador, a microempresária não poderia ter autorizado o uso do Desenho Industrial 7003054-5 como patente, pois ela só conseguiu no Inpi o registro de "aparência ou aspecto do objeto" (fl. 197). "Assim, embora não se desconheça que a Sra. [...] tenha, equivocadamente, concedido, por meio de contrato, a exploração da patente, não afasta a responsabilidade da demandada quanto à comercialização de produto sem a autorização prévia e expressa da detentora da Carta Patente de Modelo de Utilidade."
Assim, o juízo determinou que a ré pare de utilizar, explorar ou comercializar produtos que reproduzam as características essenciais da Carta de Patente de Modelo de Utilidade 8801651-0 (“disposição construtiva em elementos de encaixe traseiro para peça de união de rodaforro”). E também a condenou ao pagamento de lucros cessantes sobre o lucro líquido obtido com a comercialização do produto contrafeito, a ser apurado em fase de liquidação de sentença.
Por fim, diante do exposto apresentado, como advogado empresarial e cível, compreendo que a concorrência precisa ter limites bem definidos para que não reste configurado, tanto a infração, a ordem econômica quanto a própria concorrência indevida, ou desleal. É fundamental identificar quando a concorrência se torna ilícita e quais os requisitos dão ensejo à sua configuração, bem como definir as proteções jurídicas atribuídas ao concorrente lesado.
A concorrência desleal se perfaz por uma conduta indevida de concorrente que pretende por meios ilícitos conquistar maior número de clientes e com isso afeta e causa prejuízo não somente aos direitos de outro empresário como também aos direitos dos consumidores que dependem dos produtos e/ou serviços colocados à sua disposição no mercado e são com isso, induzidos ao erro em decorrência das práticas turbadoras.
A Lei de Propriedade Industrial tipifica diversas condutas com crimes de concorrência desleal e uma vez configurados geram ao empresário lesado o direito de ver reparado os danos sofridos, também na esfera civil. Contudo, não são apenas as condutas tipificadas como crime que ocasionam danos e configuram concorrência desleal sancionável na esfera civil, devendo no caso concreto ser avaliado se houve os atos de confusão entre produtos ou estabelecimento, denigração do concorrente, desrespeito a cláusula contratual de não-reestabelecimento ou concorrência parasitária.
Assim sendo, o empresário precisa sempre se proteger contra os atos ilícitos perpetrados por competidores desleais, e quando alcançado por atos de concorrência desleal deve procurar juridicamente a abstenção destes atos, buscando as medidas jurídicas cabíveis colocadas a sua disposição, em especial na esfera civil, pois além de essencial para ver reparado seus próprios prejuízos é importante para a economia do país, pois espera-se que permaneça no mercado empresas que sejam criativas, que fabriquem e comercializem produtos de boa qualidade, e não empresas que crescem em virtude de atos ilícitos que prejudicam seus concorrentes.