Balbúrdia Constitucional - O Preço da CF/88

A revogação sistemática da Constituição Federal

18/05/2019 às 14:21
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Ao custo da morte dos sentidos.

O preço da Constituição de 1988 é a sua desconstituição, sem a necessidade de emendas constitucionais. A CF/88 está em desuso, seu sentido e seus preceitos são descartados como a casca de um(a) laranja. A CF/88 está revogada, dizem, porque, na prática, os três poderes estão unidos nessa missão. A isto se chama de Cesarismo de Estado: três césares corroendo as nomenclaturas constitucionais do Poder Político.
Na mesma onda de revogação constitucional, o artigo 207 da CF/88 (autonomia universitária), já eliminado pelo corte de mais de 30% dos recursos federais, agora simplesmente é enterrado em desrespeito total à soberania popular da comunidade acadêmica.
Basta-nos ver que um modo barato (apesar dos custos políticos de racionalidade sistêmica), dentre tantos exemplos, implica em vasculhar a vida de alunas e de alunos, professores e professoras. Na sequência, impõem-se a “nomeação” de reitores ou reitoras às universidades. Mais biônicos do que no vigor do famigerado AI-5. A diferença é que hoje nós temos centenas de Atos Inconstitucionais – lá, em 64, foram alguns Atos Institucionais.
O pior de tudo, todos sabem, é que isto é decidido por pessoas que nunca pisaram em qualquer campus universitário digno desse nome. São pessoas adestradas pela disciplina antidemocrática e anti-republicana do “não-pensar”, não-saber, não-produzir conhecimento, do “estou bem em ignorar qualquer coisa que não seja dinheiro”. Outros simplesmente acreditam em pós-verdade (?) ou na mentira inteira, ou nas antigas bravatas e cantilenas – só que agora na embalagem intitulada redes sociais.
 Quando se compara Game of Thrones  – seriado golpista – com nossa realidade moral e política, não é uma soma de avatares com devaneios; é a pura representação do demiurgo palaciano, da ação destrutiva da Política e da cidadania. Neste, e em tantos casos, “a coincidência é mera semelhança” e a consciência é mera dessemelhança.
Trata-se da replicação dos golpes à Constituição dos anos 1990, quando simplesmente se decretou em bico de pena que a Constituição não era programática e que não haveria urgência em abalar a miséria social. Lá, o mercado ria muito mais do que agora. Hoje, o mercado teme pela devassidão econômica.
Isso ocorre, mais uma vez, porque abandonamos a mínima noção da realidade: uns poucos ainda acreditam que a greve da educação, do dia 15 de maio de 2019, foi encenação. Mas, nós sabemos o porquê de falarem isso. Exatamente porque nunca entraram numa sala de aula decente e, obviamente, estavam tramando contra o povo neste mesmo dia 15, o Dia D, do desembarque do fascismo que hoje já é rastejante por pura incompetência e ridículo intelectual.
  Outra questão decorrente do nosso atual dilema moral, novamente, remete à educação. Afinal, existem políticas públicas que possam combater o assim chamado analfabetismo disfuncional já instalado? Gostaria, sinceramente, de ouvir especialistas em políticas públicas dirigidas à educação acerca de uma forma de atuarmos para minorar a gravidade e os efeitos desse anacrônico analfabetismo funcional. Efetivamente, estamos atolados no “pensamento mágico” (ou mentiroso) e ignoramos a “desmagificação”. Acreditamos em mitos bregas e assim recusamos qualquer desmistificação. Vivemos no Mundo da Lua, domados pela ignorância cavalar.
Este problema não é conceitual, muitas pessoas vivem em outra “vibe”, como se diz, em outra dimensão, bem lunáticas, num tipo de esquizofrenia coletiva que retroalimenta mitos devassos e fascistas. Vivemos em tempos de fake News, em que se acredita em contos de carochinhas, bestializados, embrutecidos, embotados, endividados pela adoração da ignorância.
Enfim, e sem dúvida, este é o maior risco à democracia e o maior escrutínio de favorecimento ao fascismo pós-moderno. Só que andamos milhares de léguas para trás, rumo ao fracasso, ao obscuro passado da alquimia e das bruxarias políticas. Sem eira, nem beira, o país corre sério risco de perder o alpendre da Casa Grande, agora de mudança para a Casa Branca.
Até mesmo a Casa Rosada, dos Hermanos calientes nas ruas, já nos faz inveja.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS
 

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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