tribunais (v.g. Tribunal Federal de Recursos[4]), culminando no entendimento de que somente a corte máxima poderia instituí-la. A Constituição Federal de 1988 trouxe previsão expressa da reclamação para o Supremo Tribunal Federal no art. 102, inc. I, l, mas também para o Superior Tribunal de Justiça, no art. 105, inc. I, f; ambas para preservação de competência e garantia da autoridade de suas decisões. A Lei 8.038/90 regulamentou o procedimento no âmbito desses tribunais. Com respaldo no art. 164 da Constituição Federal a Lei 8.457/92 regulamentou a reclamação junto ao Superior Tribunal Militar (art. 6°, inc. I, f), para preservar a integridade de sua competência e assegurar a autoridade de seus julgados. Anotamos que a reclamação no âmbito militar já encontrava respaldo no Decreto-lei n° 1.002, de 21 de outubro de 1969 (arts. 584 a 587). Em matéria eleitoral, têm-se entendido que a Lei 4.737, de 15 de julho de 1965, foi recepcionada com natureza de Lei Complementar (v. Resolução n° 14.150 de 23.08.94), o que, por força do art. 121 da CF, teria assegurado competência legislativa processual ao Tribunal Superior Eleitoral, superando o aparente óbice do art. 22, I, que reserva à União Federal a competência privativa para legislar sobre processo. O art. 15, V do Regimento Interno do TSE, com redação da Resolução n° 19.305, acabou estabelecendo que “A reclamação é cabível para preservar a competência do Tribunal ou garantir a autoridade de suas decisões.”, restando válida e eficaz a medida naquela casa.[5] A jurisprudência também acenou para a possibilidade do Tribunal Superior do Trabalho, por meio do art. 113 c/c 111-A, §1° da Constituição Federal, estipular a reclamação. Alguns doutrinadores[6] - todavia - chegaram a dizer que “inexiste” previsão da medida no âmbito do TST. Ocorre que em 27 de novembro de 2002 o Regimento Interno do TST consagrou a reclamação, prescrevendo, no art. 194, “Julgada procedente ... o Tribunal Pleno cassará a deliberação afrontosa à decisão do Tribunal Superior do Trabalho e determinará medida adequada à preservação da sua competência.” Interessante notar que o RITST[7] vai ainda mais longe, definindo critérios para a averiguação do descumprimento. Em relação aos tribunais ordinários, estaduais ou federais, delineou-se o seguinte quadro: os Tribunais de Justiça de São Paulo[8] e da Bahia[9], por exemplo, mantém reprodução simétrica da reclamação para o descumprimento ou preservação de competência. O Tribunal de Justiça do Paraná[10] não prevê a reclamação no regimento interno e sequer a admite de modo fungível, quando vencido o prazo da Correição Parcial. Nos parece que a posição do tribunal paranaense é a mais acertada. Persistindo a possibilidade da medida correicional, de índole administrativa, e até que se edite lei federal a respeito, não há como compatibilizar o art. 22, inc. I da CF, para conceber a existência de “reclamações” estaduais nos moldes de autêntica “ação judicial”. Sem embargo a tais considerações, concordamos com Leonardo Lins MORATO, quando diz “há que se ponderar, em regime de exceção, acerca da possibilidade do cabimento da reclamação perante os Tribunais de Justiça dos Estados, quando se tratar da competência e das decisões destes órgãos relativas ao controle normativo abstrato de normas estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual (art. 125, §2°, da CF). Aqui, ao que parece, a situação é peculiar.” [11] De fato, na hipótese não haveria conflito com o art. 22, I, porque a reclamação constitui mero desdobramento da representação de inconstitucionalidade proposta pelo Procurador-Geral de Justiça. No âmbito federal, o Regimento Interno do TRF4ª prescreve a Correição Parcial para os erros de procedimento, abusos ou paralisação injustificada dos feitos, dilatação abusiva dos prazos por parte dos Desembargadores de Turma ou dos Juízes de primeiro grau, quando, para o caso, não haja recurso previsto em lei (art. 171). Quanto à reclamação, todavia, o RI silencia, embora faça menção de representação do Presidente perante o Ministério Público Federal (art.51), noticiando eventual desobediência da ordem emanada ou desacato[12] ao Tribunal ou aos seus Desembargadores Federais. No Regimento Interno do TRF3ª há previsão de reclamação na ordem de classificação dos feitos (art. 63, XII). O art. 33, inc. II prevê a competência do relator para “determinar as autoridades judiciárias de instância inferior, sujeitas a sua jurisdição e as autoridades administrativas, providências referentes ao andamento e a instrução do processo, bem como a execução de seus despachos, salvo se o ato for da competência do Plenário, da Seção, da Turma, ou de seus Presidentes.” Anotamos que a Emenda Constitucional n°45/2004 acrescentou uma nova hipótese de reclamação, por meio do art. 103-A, §3°: trata-se do descumprimento de súmula vinculante editada pelo Supremo Tribunal Federal, assunto que desenvolveremos mais adiante. 3 Natureza jurídica Primeiramente, cumpre fixar alguns conceitos da processualística. O vocábulo processo descende do latim procedere, “seguir adiante” ou “marcha em curso”, o que, por longa data incitou debates da doutrina sobre a distinção para o termo procedimento. Na lição de Luiz Rodrigues WAMBIER “processo é conceito de cunho finalístico, teleológico, que se consubstancia numa relação jurídica de direito público, traduzida num método de que se servem as partes para buscar a solução do direito para os conflitos de interesses (especificamente [...] para aquela parcela do conflito levada a juízo, ou seja, para a lide).”[13] A classificação dos processos leva em conta o tipo de resultado pretendido pela parte. No processo de conhecimento, a parte realiza a afirmação do direito, demonstrando a pretensão de vê-lo reconhecido em juízo com ampla produção probatória. WAMBIER ainda pondera que “diz-se processo de conhecimento porque, nessa modalidade de processo, o juiz realiza ampla cognição, analisando todos os fatos alegados pelas partes, aos quais deverá conhecer e ponderar para formar sua convicção e sobre eles aplicar o direito (dizer o direito – jurisdictio) decidindo, através de sentença de mérito, pela procedência ou pela improcedência do pedido formulado pelo autor.”[14] O processo de execução busca atuar concretamente no mundo dos fatos, fazendo cumprir o mandamento da sentença proferida. Para as dívidas em dinheiro, objeta excutir bens do devedor, passíveis de alienação ou adjudicação. A partir da Lei 11.232/2005 o processo de execução viu-se restrito aos débitos oriundos de títulos executivos extrajudiciais (art. 585). Para as execuções de sentenças, o processo diz-se sincrético, pois num mesmo caderno processual contempla ambas as funções – cognitiva e executiva. Há ainda o processo cautelar, voltado para a garantia de eficácia do processo principal (de execução ou de conhecimento), mediante técnicas de arresto, seqüestro ou depósito, entre outras. O procedimento refere-se ao método de concatenação dos atos processuais. Também chamado de rito, trata do arquétipo formal estabelecido em lei, para melhor atender a natureza do litígio em curso. A prova da distinção entre processo e procedimento vê-se encartada no fato de que, para um único processo podem haver diversos tipos de procedimento. O Código de Processo Civil (Lei 5.869/73) regula três espécies de procedimento: o sumário (art.275/281), o ordinário (art. 282/ss) e os especiais (art. 890/ss). Também são procedimentos especiais o do Mandado de Segurança (Lei 1.533/51), o da Ação Discriminatória de Terras Devolutas da União (Lei 6.383/76), o da Ação Civil Pública (Lei 7.347/85), o do Habeas Data (Lei 9.507/97) e o da Ação Popular (Lei 4.717/65), entre outros. Para MORATO, “a reclamação é medida de natureza contenciosa, constituindo-se a partir de uma lide a ser dirimida pelas Cortes competentes, por meio do exercício da jurisdição, em um processo legal (due process of law), na busca da pacificação social.”[15] Concordamos com a afirmação da inequívoca natureza processual da reclamação, pois envolve duas ou mais partes interessadas em torno de um litígio. Ademais, segue o rito ou procedimento especial delineado na Lei 8.038/90. A seqüência de atos processuais assemelha-se muito à do Mandado de Segurança, pelo que: i. exige prova documental pré-constituída (art.13); ii. possibilita a concessão de liminar (art. 14, inc. II); iii. exige a intervenção do Ministério Público Federal, na pessoa do Procurador-Geral da República (art. 16) e; iv. a decisão de mérito possui natureza nitidamente mandamental (arts. 17 e 18). Também merece registro o debate dos processualistas sobre a reclamação ser um mero exercício do direito de petição ou autêntica ação judicial. Atribui-se a Enrico Tullio LIEBMAN[16] o desenvolvimento da teoria da ação, segundo a qual existe um direito público abstrato de requerer a tutela jurisdicional do Estado, autônomo do direito material pleiteado. É o raciocínio que explica o fenômeno da sentença de improcedência, em que há direito de ação exercido, inobstante a ausência de direito material da parte sucumbente. O Código de Processo Civil adotou expressamente a teoria da ação no art. 301, §2°. Os partidários da idéia de que a Reclamação Constitucional é uma ação se apóiam no fundamento de que ela congrega os três elementos que lhe são característicos: partes, pedido e causa de pedir[17]. Também se distanciaria de outros institutos (administrativos) porque a decisão nela proferida adquire a imutabilidade da coisa julgada[18]. Esta polêmica foi evidenciada no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.212-1/CE, quando o STF, na linha de entendimento da Ministra Ellen GRACIE, assentou que “a reclamação não seria uma ação ou um recurso, isto é, não seria uma medida de natureza processual, mas antes um instrumento decorrente do direito de petição, pelo qual se poderia postular perante o próprio órgão que proferiu uma decisão o seu exato e integral cumprimento.”[19] Para José Afonso da SILVA, “este direito vinha lidado ao direito de representação. Este não foi repetido. É que o constituinte deve ter raciocinado, e com razão, que a representação pode ser veiculada pela petição, de sorte que a legislação que regulamenta aquela permanece em vigor [...] Nota-se também que ele se reveste de dois aspectos: pode ser uma queixa, uma reclamação, e então aparece como um recurso não contencioso (não jurisdicional) formulado perante as autoridades representativas [...] O direito de petição cabe a qualquer pessoa. Pode ser, pois, utilizado por pessoa física ou por pessoa jurídica; por indivíduo ou por grupos de indivíduos; por nacionais ou por estrangeiros.”[20] Na mesma linha, Alexandre de MORAES: “O direito de petição possui eficácia constitucional, obrigando as autoridades públicas endereçadas ao recebimento, ao exame e, se necessário for, à resposta em prazo razoável, sob pena de configurar-se violação do direito líquido e certo do peticionário, sanável por intermédio de mandado de segurança. Note-se que, apesar da impossibilidade de obrigar-se o Poder Público competente a adição de medidas para sanar eventuais ilegalidades ou abusos de poder, haverá possibilidade, posterior, de responsabilizar o servidor público omisso, civil, administrativa e penalmente.”[21] Evidentemente, o contexto em que a decisão do supremo foi prolatada não pode ser ignorado: a ADIN buscava declarar a inconstitucionalidade de um dispositivo da Constituição Estadual do Ceará, que criou reclamação específica para o Tribunal de Justiça respectivo, nos exatos moldes da reclamação prevista na Constituição Federal. Para evitar a vulneração do art. 22, I, sem desprestigiar a existência de uma medida saneadora do descumprimento da decisão do tribunal estadual, é que a ilustre Ministra decidiu pela improcedência da ação, sendo acompanhada pelo então Ministro Nelson Jobim. Inobstante o decisum, somos da opinião de que a natureza jurídica da Reclamação Constitucional é mesmo a de uma ação judicial. De acordo com o Ministro Gilmar Ferreira MENDES, “a posição dominante parece ser aquela que atribui à reclamação natureza de ação propriamente dita [...] Tal entendimento justifica-se pelo fato de, por meio da reclamação, se possível a provocação da jurisdição e a formulação de pedido de natureza jurisdicional, além conter em seu bojo uma lide a ser resolvida, decorrente do conflito entre aqueles que persistem na invasão de competência ou no desrespeito das decisões do Supremo Tribunal Federal e, por outro lado, aqueles que pretendem ver preservada a competência e a eficácia das decisões exaradas pela Corte.”[22] 4 Procedimento A petição inicial da Reclamação Constitucional deverá obedecer ao art. 282 do Código de Processo Civil, devendo ser instruída com toda a documentação pertinente à verificação da usurpação de competência do tribunal, do desacato ou decisão exorbitante de seu julgado ou ainda, da violação do enunciado de súmula vinculante. Nesta última hipótese a peça deverá acompanhar cópia do Recurso Administrativo previamente protocolado junto à administração pública, se houver (art. 64-B da Lei 9.784/99). Será endereçada ao Presidente do tribunal e distribuída a um Ministro Relator sorteado, conforme dicção do art. 13 da Lei 8.038/90. No STF o julgamento final competirá ao Plenário (art.6°, I, g, RISTF), no STJ à Corte Especial (art. 11, X, RISTJ). Em ambos haverá prioridade de julgamento (art. 145, VIII RISTF e art. 173, IV RISTJ), e se o relator estiver licenciado por mais de 30 (trinta) dias, proceder-se-á a redistribuição da reclamação, desde que haja requerimento do interessado (art.68 RISTF e 72, I RISTJ). A reclamação no STF está sujeita ao preparo perante a Secretaria, no prazo de 10 (dez) dias (art. 59 RISTF), salvo nas hipóteses de isenção, e.g., quando proposta a ação pelo Procurador-Geral da República (art.61, §1°, II). No STJ não eram devidas custas nos processos de sua competência originária (art. 112 RISTJ), mas a Lei 11.636/07 impôs o recolhimento para todos os feitos (art.5°), incluída a Reclamação (Anexo Tabela B, XVI), ficando isentos somente os Habeas Data, Habeas Corpus, Recursos em Habeas Corpus e demais processos criminais, exceto ações privadas (art. 7°), bem como as demandas com benefício de assistência judiciária gratuita deferida em instância ordinária (art. 13, par.único). Após a conclusão, o relator requisitará informações da autoridade reclamada no prazo de 10 (dez) dias (art. 14, I da Lei 8.038/90), ou em 48 horas, no caso de reclamação perante o Superior Tribunal Militar (art. 586, §1° do Código de Processo Penal Militar). O relator também poderá determinar a suspensão do processo ou do ato impugnado (inc. II) e, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, avocar os autos (art. 158 RISTF). Da decisão final proferida na reclamação caberão Embargos de Declaração (art. 535 CPC) ou Agravo Regimental. No STJ ainda é possível o manejo do Recurso Extraordinário. Não cabem Embargos de Divergência, já que a decisão decorre do Pleno ou do Órgão especial, nem Embargos Infringentes, conforme Súmula n° 368 do STF. Da decisão liminar do relator, eventualmente concessiva, caberá Agravo Regimental (art. 317 RISTF). O Ministério Público, nas reclamações que não houver formulado, terá vista do processo, por 5 (cinco) dias, após o decurso do prazo para informações (art. 160 RISTF, 190 RISTJ e 16 da Lei 8.038/90). 5 Legitimidade ad causam Houve um período em que a legitimidade ativa da Reclamação Constitucional estava restrita aos legitimados para a propositura da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN). Hoje, prevalece o entendimento de que “todos aqueles que forem atingidos por decisões contrárias ao entendimento firmado pelo STF no julgamento de mérito proferido em ação direta de inconstitucionalidade sejam considerados parte legítima para a propositura da reclamação.”[23] Os arts. 13 e 15 da Lei 8.038/90 prevêem que “caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público”, e que “qualquer interessado poderá impugnar o pedido do Reclamante”. Nota-se que a definição legal de parte interessada é ampla, cabendo à doutrina uma tentativa de delimitação do conceito, sob pena de sobrecarregar – e mesmo inviabilizar – o trabalho das cortes superiores. Para Leonardo Lins MORATO é “necessário aferir, primeiramente, se se trata de um mero interesse (econômico ou moral, como preceituava o Código de Processo Civil de 1939), ou do interesse jurídico, porque somente este último encontra proteção em nosso sistema, a autorizar o exercício da tutela jurisdicional. [...] Em sendo jurídico o interesse, há que se fazer-se uma distinção entre o interesse processual, que é interesse de agir, e o interesse substancial. Sim, porque aquele constitui uma condição da ação, tutelado pela lei processual, enquanto este diz respeito ao núcleo de um direito subjetivo material, protegido pela lei substantiva.”[24] Leciona Humberto Theodoro Júnior, que o interesse de agir refere-se a “necessidade de obter através do processo a proteção ao interesse substancial. Entende-se, dessa maneira, que há interesse processual se a parte sofrer um prejuízo, não propondo a demanda, e daí resulta que, para evitar esse prejuízo, necessita exatamente da intervenção dos órgãos jurisdicionais.”[25] Conclui MORATO: “parte interessada em propor reclamação é aquele que, em virtude de um desacato ou de uma usurpação, se encontra numa posição favorável a satisfação de uma necessidade de garantir a autoridade de uma determinada decisão desacatada ou de preservar uma dada norma de competência usurpada.”[26] Mais recentemente, o problema da legitimidade na reclamação assumiu contornos preocupantes, por duas razões: a já mencionada nova hipótese de reclamação para o cumprimento das súmulas vinculantes, por força da Emenda Constitucional n° 45/2004 e; a tendência marcante do Supremo Tribunal Federal vir adotar a teoria da transcendência dos fundamentos de suas decisões, em controle difuso e concentrado de constitucionalidade. André Ramos TAVARES afirma que “A reclamação constitucional, conforme mais recente entendimento do STF para o controle abstrato em relação ao controle concreto em curso, pode ser proposta por qualquer interessado [...] prejudicado concretamente por uma decisão judicial (ou administrativa, no caso da reclamação constitucional por descumprimento) que viole decisão vinculante do STF ... Este elemento (abertura da legitimidade ativa da reclamação, já operada anteriormente e reforçada pelo regime da súmula vinculante), somado à possibilidade de descumprimento da súmula vinculante por qualquer órgão judicial ou administrativo, causa a preocupação numérica com o volume que esse ‘novo trabalho’ pode representar para o STF em termos de um acesso mais imediato a esse Tribunal supremo.”[27] Para um detalhamento maior da teoria da transcendência, remetemos o leitor ao tópico n° 7. Por hora, insta consignar que, no pólo ativo, figurará a parte prejudicada por decisão contrária à decisão do STF ou STJ: i. proferida no mesmo processo subjetivo, jungida à parte dispositiva do Acórdão em Recurso Extraordinário (RExt) ou Recurso Especial (REsp), e desde que anterior ao trânsito em julgado (Súmula n° 734 do STF) ou; ii. proferida em processo objetivo de controle de constitucionalidade, relacionada aos termos do dispositivo (e fundamentos) do Acórdão, em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN), Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADECON) ou Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF). 6 Intervenção de terceiros Parte é aquele que pede ou aquele contra quem se pede a prestação da tutela jurisdicional. Terceiro é o que não pede ou contra quem não se pede em juízo, mas que é ou pode vir a ser atingido de fato pela sentença. Com efeito, é possível que outras partes, além daquelas que instauram regularmente o litígio, sejam legitimadas para atuar na causa. A Lei 8.038/90 prevê de modo abrangente que qualquer interessado poderá impugnar o pedido do reclamante (art. 15). Na reclamação é admitida tanto a assistência litisconsorcial, p.e.x., na lide em que terceiro integrou a relação jurídica posta originalmente porque fatalmente sofreria os efeitos da coisa julgada, quanto a assistência simples, no caso de alguém que podia ser atingido reflexamente pela decisão (evicção) e foi assistente na lide. 7 Efeitos transcendentes das decisões do Supremo Tribunal Federal Muito se têm comentado sobre a tendência de aproximação hermenêutica dos controles difuso e concentrado de constitucionalidade, como medida de racionalização dos trabalhos realizados pelo Supremo Tribunal Federal. No epicentro do debate, figura a teoria da transcendência dos motivos determinantes. De plano, convém debruçar sobre o conceito jurídico de transcendência, adiantando que não há uniformidade de tratamento doutrinário. André Ramos TAVARES, por exemplo, emprega o termo para definir a obrigatoriedade da administração pública em “respeitar os termos da decisão proferida em reclamação anterior específica em todos os demais casos futuros que sejam semelhantes (o que é típico de processos objetivos).”[28] O autor refere-se ao art. 9° da Lei da Súmula Vinculante (Lei 11.417/06), que introduziu no processo administrativo (Lei 9.784/99) o art. 64-B, pelo qual a autoridade prolatora do recurso administrativo e o órgão competente para o julgamento “deverão adequaras futuras decisões administrativas em casos semelhantes ...”. Não nos parece adequado o emprego do termo transcendência para designar conteúdo semântico suficientemente acobertado pelo conceito de efeito vinculante. O instrumento da reclamação no caso concreto busca a (re) afirmação do efeito vinculante de súmula (vinculante) ou de decisão proferida em processo objetivo com efeitos vinculantes (ADPF, ADIN e ADECON), tão e somente. A menção expressa do “efeito vinculante para as futuras decisões administrativas” já denota o aspecto prospectivo que caracteriza o instituto da vinculação. A transcendência pode ser melhor designada como efeito que transcende às partes da lide originária (no incidente de edição de súmula vinculante da Lei 11.417, ADIN, ADECON ou ADPF), atingindo partes diversas, em outras demandas em curso. A polêmica do efeito transcendente pode ser convenientemente ilustrada no julgamento da Reclamação n° 4.335-5 ACRE, ajuizada pela Defensoria Pública da União Federal contra o juízo da Vara de Execuções Penais de Rio Branco. Os defensores afirmaram que o juiz, ao indeferir o pedido de progressão de regime para condenados por crimes hediondos, desobedeceu a decisão do STF no Habeas Corpus n° 82.959, que considerou inconstitucional a proibição da progressão descrita no art. 2°, §1°, da Lei 8.072/1990 (Lei dos Crimes Hediondos). O juiz da execução escorou-se na competência privativa do Senado Federal para, nos termos do art. 52, X da CF, suspender a execução, no todo em parte, de lei declarada inconstitucional pelo STF. Sem referida resolução - entendeu o magistrado - não haveria eficácia contra todos (erga omnes) nem efeito vinculante, senão entre as partes que, na hipótese, não eram as mesmas. É assim que a jurisdição constitucional foi lecionada nas faculdades de direito, até bem pouco tempo, lembrando que a eficácia geral é atributo das leis produzidas no parlamento, quando, regularmente promulgadas passam a valer para todos, indistintamente. Ocorre que o Min. Relator Gilmar Ferreira MENDES deferiu a liminar naquela reclamação, para afastar a vedação da progressão de regime até o julgamento final da ação, aduzindo, em síntese: i. que o STF é o único órgão competente para modular os efeitos das decisões por ele proferidas, tanto em controle concentrado como difuso; ii. que a resolução senatorial é um instrumento de publicidade, de “mera justificativa histórica”. Lembramos que a decisão paradigma articulada foi proferida em Habeas Corpus, portanto, no controle difuso de constitucionalidade. A resolução do Senado foi introduzida no ordenamento brasileiro a partir da Constituição de 1934, tendo sido reproduzida no art. 52, X da Carta Magna de 1988. A indagação que o Ministro MENDES propõe é: se o STF pode suspender (inclusive liminarmente) a eficácia de leis ou atos normativos, com eficácia geral, em sede de controle concentrado, porque haveria de submeter a decisão proferida em controle difuso ao Senado, para que então houvesse a atribuição de tal efeito? Ressalta, ainda, que “o instituto da suspensão da execução da lei pelo Senado mostra-se inadequado para assegurar eficácia geral ou efeito vinculante às decisões do Supremo Tribunal Federal que não declaram a inconstitucionalidade de lei, limitando-se a fixar a orientação constitucionalmente adequada ou correta. Isso se verifica quando o Supremo Tribunal Federal afirma que dada disposição há de ser interpretada desta ou daquela forma, superando, assim, entendimento adotado pelos tribunais ordinários ou pela própria Administração. A decisão do Supremo Tribunal Federal não tem efeito vinculante, valendo nos estritos termos da relação processual subjetiva. Como não se cuida de declaração de inconstitucionalidade de lei, não há cogitar aqui de qualquer intervenção do Senado, restando o tema aberto para inúmeras controvérsias.”[29] Do trecho narrado constata-se que a interpretação conforme e a declaração de inconstitucionalidade parcial sem redução de texto foram técnicas invocadas para, a pretexto da impossibilidade de modulação de eficácia, sustentar inutilidade da resolução do Senado Federal. É evidente que o desenvolvimento da hermenêutica e a paulatina segregação de antigas linhas interpretativas em muito contribuem para o estreitamento do papel do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade. Nunca é demais consignar que nem mesmo a submissão ao Pleno pelo Relator têm sido exigida quando há pronunciamento pretérito sobre a matéria versada.[30] A eficácia geral e o efeito vinculante representam importantes instrumento resgatadores da atribuição precípua do STF, a guarda em abstrato da Constituição. Contudo, na mesma medida em que organizam a uniformização da jurisprudência, podem alargar - paradoxalmente - o âmbito processual de aplicação da Reclamação Constitucional, como meio de adequação ao stare decisis. Há ainda um outro aspecto controvertido na transcendência, que precisa ser enfrentado pela Corte. Trata-se da possibilidade de - não apenas a parte dispositiva do Acórdão - mas os fundamentos jurídicos da decisão emanarem efeitos vinculantes aos poderes judiciário e executivo. Assim é que – aceito tal critério - a pronúncia de inconstitucionalidade de lei que crie determinado tributo estadual em São Paulo, por exemplo, redundará na possibilidade de contribuintes de outros estados insurgirem-se contra leis de seus respectivos estados com fato gerador semelhante, pela via direta da Reclamação e sem caracterizar supressão de instância. Nos parece que tal linha interpretativa redundaria no caos. O “Caso Sardenberg”, da Reclamação n° 2.138, esboçou uma primeira orientação do Pretório Excelso sobre o tema. Na referida reclamação foi vitoriosa a tese de que os agentes políticos não estão sujeitos às sanções decorrentes de atos de improbidade administrativa, nos termos da Lei 8.429/92. Estariam submetidos apenas à responsabilidade política, ou seja, o processo de impeachment, porque as ADINs n°s 2707-2 e 2860-0, julgadas procedentes, declararam a inconstitucionalidade dos §§1° e 2° do art. 84 do Código de Processo Penal, com redação da Lei 10.628/02. Até aí tudo bem: a reclamação simplesmente reconheceu os efeitos vinculantes e a eficácia contra todos do Acórdão proferido em controle concentrado. Ocorre que três prefeitos do Pará ajuizaram reclamações requerendo a “extensão” (leia-se transcendência) dos fundamentos da Rcl. 2.138 aos seus casos concretos. A Ministra Ellen Gracie exarou voto vencedor, no sentido de que como os prefeitos não figuravam como partes naquele julgamento, a decisão não vale para eles. Em outras palavras, não haveria efeito transcendente – sequer – emanado do controle concentrado de constitucionalidade. Com efeito, anota MORATO, “a posição majoritária do Supremo Tribunal Federal foi evoluindo no sentido de que, em caso de descumprimento de decisão proferida em processo de controle concentrado de constitucionalidade, a reclamação somente seria cabível por quem tivesse sido parte do processo.”[31] Sabemos, todavia, da existência de inúmeros julgados divergentes, dentro do próprio STF, sustentando a transcendência de efeitos dos pronunciamentos de inconstitucionalidade, tanto oriundos do controle concentrado quanto do difuso, notadamente em matéria de execução penal, prisão processual e recepção de legislação infra-constitucional anterior à carta política vigente. Já manifestamos nosso apreço pelo acatamento irretorquível das decisões proferidas em controle concentrado, até porque, a nosso entender, tanto o efeito vinculante quanto a eficácia erga omnes, imanentes a tais pronunciamentos por si só já conduzem a tal conclusão. Os juízes e tribunais ordinários estão obrigados a julgar do mesmo modo. Já em relação a transcendência dos pronunciamentos exarados em controle difuso para outros processos subjetivos, não nos parece suficiente superar a ressalva de ordem logística, é dizer, da multiplicação das reclamações (também presente na transcendência do controle concentrado). Há inconstitucionalidade por incompetência do STF para legislar. Ainda que se reconheça o esforço legítimo de reconduzir a qualidade e quantidade dos pronunciamentos, não se pode esquecer que os mecanismos de controle concentrado já denotam exceções dentro de um sistema de controle de constitucionalidade eminentemente subjetivo, que descende do sistema norte-americano (Marburry versus Marshall - 1803), cujo vértice só poderia ser alterado legitimamente pelo Poder Legislativo. Uma última observação sobre o art. 9° da Lei 9.784, de 29 de janeiro de 1999, que passou a vigorar acrescido dos arts. 64-A, e 64-B (negritei): “Acolhida pelo Supremo Tribunal Federal a reclamação fundada em violação de enunciado da súmula vinculante dar-se-á ciência à autoridade prolatora e ao órgão competente para o julgamento do recurso, que deverão adequar as futuras decisões administrativas em casos semelhantes sob pena de responsabilização pessoal nas esferas cível, administrativa e penal.” Pensamos que, se “autoridade prolatora” refere-se ao Poder Judiciário e “órgão competente” ao Poder Executivo, pecou a lei ao deixar de mencionar a vinculação das futuras decisões judiciais, referindo-se apenas às “futuras decisões administrativas”. É que o Poder Judiciário (exceto o Supremo Tribunal Federal) também ficará vinculado à decisão proferida na reclamação fundada em aplicação ou interpretação de súmula vinculante. Assim, por analogia, se determinado caso concreto se enquadrar na hipótese decidida na reclamação, deverá ser julgado pelo juiz monocrático ou tribunal do mesmo modo. 8 Hipóteses de aplicação 8.1 Garantia da autoridade da decisão ou por descumprimento ou desacato. O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça são usualmente chamados de Cortes de Superposição, porque suas decisões de mérito prevalecem em confronto com Acórdãos dos tribunais inferiores, e mesmo sobre as decisões das cortes superiores quando a decisão divergir do entendimento sobre interpretação direta da Constituição ou interpretação de lei federal. Cândido Rangel DINAMARCO dedicou interessante estudo da questão: “As decisões dos tribunais de superosição operam em face dos juizes e tribunais locais, um fenômeno que se qualifica como preclusão, consistente em impedi-los de voltar a decidir sobre o que já haja sido anteriormente decidido. Ainda quando se trate de matéria ordinariamente insuscetível de precluir, cabendo ao juiz o poder-dever de voltar a ela sempre que haja pertinência e mesmo que já se tenha pronunciado a respeito (incompetência absoluta, condições da ação etc.: CPC, art. 267, §3°), essa liberdade de atuação deixa de existir se sobre ela já houver um pronunciamento superior sobre o tema.”[32] Deste modo, para além das preclusões lógica, temporal e consumativa, opera sobre o processo a preclusão hierárquica, que consiste na impossibilidade da questão decidida pelo STF ou STJ ser reavaliada quando os autos retornam à origem para a execução do julgado ou cumprimento de sentença. Se o juiz monocrático, ou mesmo o tribunal de origem, não acatar a parte dispositiva do Acórdão prolatado pelo STF ou STJ, caberá a Reclamação Constitucional para a preservação da autoridade de suas decisões, conforme preceituam o art. 102, I, l e 105, I, f da Constituição Federal. A doutrina diferencia desacato de desacerto. Neste último, haverá possibilidade de um recurso previsto na lei processual, e não da reclamação. O STF frequentemente expôs o entendimento de que a possibilidade de recurso exclui a hipótese de reclamação. Daí Moniz de ARAGÂO ter dito que “no estudo do cabimento da reclamação sobressai seu caráter supletivo, sendo de todo insustentável a pretensão de atribuir à Reclamação uma extensão tal que ela pudesse concorrer, superando-os com todos os demais instrumentos de ação que a lei oferece aos interessados.”[33] Mas MORATO esclarece:“entender que sempre fosse cabível um recurso seria descabida a reclamação seria o mesmo que dizer que a reclamação teria a sua natureza jurídica e finalidades igualadas às da medida processual cabível, no caso, um recurso e, com isso, ao incidir o princípio da unirrecorribilidade (unicidade), com base no qual há apenas um recurso para cada situação, não seria cabível a reclamatória, mas sim o recurso previsto [...] Sendo a reclamação uma ação, mais precisamente um writ, pode ela ser ajuizada contra um ato também passível de um recurso” Essa divergência surge num período em que muitos enxergavam na reclamação a natureza jurídica de um recurso. Alguns tribunais insistem em reconhecer um vínculo de dependência entre o recurso e a reclamação propostas contra a mesma decisão, de modo que o cabimento da segunda estaria condicionado ao que se passou com o recurso próprio. O argumento é o de que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo recursal nem substitutivo da ação rescisória. No Tribunal de Justiça do Paraná, por exemplo, é corrente observar o emprego de “Reclamação” quando transcorrido in albis o prazo da Correição Parcial. Evidentemente, tal entendimento merece sérias ressalvas, pois como observa MORATO, “para atender ao pedido mediato, pode acontecer de a Corte competente decidir de um modo que poderia ter sido decidido em sede recursal, sob pena de não corrigir a situação ilegal de desacato ou de usurpação.” A recorribilidade da decisão não afasta o cabimento da reclamação e a hipótese de usurpação de competência é exemplo claro disso, pois nela persiste, além da violação do dispositivo constitucional de forma direta, a invasão da competência. Ademais, a Lei 11.417/2006 assentou expressamente que a reclamação pode ser ajuizada “sem prejuízo dos recursos cabíveis”, de modo que não mais se sustentam os posicionamentos que deixam de apreciar a reclamação com base na existência de recurso concomitante ou mesmo trânsito em julgado[34], posto que a reclamação é ação (originária portanto) e não recurso. O descumprimento pressupõe ainda a identidade, não apenas de causas, partes e pedido, mas também da causa de pedir. A reclamação contra a decisão de habeas corpus escorada em nova sentença de pronúncia ilustra bem a questão, ao que a nova pronúncia alicerça-se em novos fundamentos. A identidade da causa de pedir é frequentemente utilizada para indeferir a reclamação, haja vista que a divergência de fundamentos entre a decisão anteriormente prolatada pela corte superior e a decisão nova, proferida com outros fundamentos, não configura o desacato. A existência de fato novo ou lei nova incidente sobre o fato prejudica a análise da reclamação, ficando a desobediência restrita ao que já foi decidido. A demora no cumprimento das decisões das cortes superiores também dá ensejo a reclamação por desacato (Recl. 50/63 STJ). 8.2 Usurpação de competência. A competência do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça é absoluta, não sendo, portanto, suscetível de prorrogação por vontade das partes ou do magistrado. Qualquer pronunciamento inferior que infrinja as atribuições das duas cortes estará maculado de vício insanável. A doutrina define usurpação como o agir como se estivesse autorizado, ou ainda, o exercício da jurisdição invadindo a esfera de atuação pertencente à outra autoridade. Nelson NERY JÙNIOR cita o célebre caso do Conflito de Competência ajuizado e conhecido pelo STJ, quando deveria ter sido julgado pelo STF (RTJ 105/451). O STF já declarou a usurpação em casos de Habeas Corpus impetrado com o mesmo objeto de habeas anterior no STJ, já que o procedimento correto seria impetrá-lo endereçado à última instância.[35] Outra questão interessante refere-se à Reclamação Constitucional fundada em usurpação da competência, quando há admissão por Tribunal de Justiça, de ADIn contra lei municipal tributária em face da Constituição Estadual, já que o TJ é incompetente para pronunciar a inconstitucionalidade da tributação municipal, em face da Constituição Federal. O célebre Ministro Moreira Alves dedicou importante estudo a respeito, concluíndo pelo descabimento da reclamação na hipótese de normas de reprodução obrigatória, porque inobstante repetirem comando da Constituição Federal, possuem eficácia jurídica própria, devendo ser respeitadas e podendo ser objeto de argüição de constitucionalidade pelo órgão estadual.[36] O supremo têm entendido caracterizada a usurpação de competência de seu Presidente, quando ocorre a suspensão de segurança em Agravo Regimental interposto contra liminar concedida por Ministro ou Desembargador, em matéria constitucional.[37] Os pedidos de suspensão de segurança dirigidos ao Presidente do STF geralmente são convertidos ou recebidos como se reclamação fossem.[38] O STJ, tanto quanto, têm enxergado a usurpação de competência de seu Presidente quanto o Tribunal de Justiça aprecia recurso contra liminar concessiva de segurança em matéria de interpretação de lei federal, ressalvado o caso de competência originária dos tribunais inferiores.[39] Noutro viés, tanto o STJ quanto o STF sedimentaram o entendimento de que o destrancamento de Recurso Extraordinário ou Recurso Especial não pode ser objeto de Reclamação, quanto ao juízo de admissibilidade recursal, devendo a questão ser suscitada via Agravo de Instrumento do art. 144 do CPC. Finalmente, pode-se afirmar que não há necessidade de que haja processo judicial em trâmite para o cabimento da reclamação por usurpação de competência. A instauração de inquérito para investigação de autoridade com foro privilegiado perante o STF ou STJ o denuncia.[40] 8.3 Respeito à súmula vinculante ou dúvida decorrente de sua interpretação A adoção da súmula vinculante foi alvo de intensa polêmica. A reforma do judiciário, preconizada na Emenda Constitucional n° 45/04, acabou por erigir o instituto em nosso ordenamento, à seguinte redação: “Art. 103-A, §3°. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre a matéria constitucional, aprovar súmula vinculante que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.” Poucos doutrinadores nacionais conseguiram compreender a extensão exata da expressão “efeito vinculante”, diferenciando-a, por exemplo, da eficácia erga omnes. Para MORATO, significa dizer que “uma vez aprovada e em vigor uma súmula vinculante, todas as autoridades judiciais e administrativas estão vinculadas a decidir de acordo com essa súmula.”[41] Em verdade, o efeito vinculante já se encontrava inserido no art. 28 da Lei 9.868/99 (ADIN e ADECON) e no art. 10, §3° da Lei 9.882/99 (ADPF). Para Gilmar Ferreira MENDES, “seriam alcançadas, pelo efeito vinculante, situações idênticas àquelas consideradas pelo STF em decisão anterior. Com isso, a súmula, em seu efeito vinculante, assumiria ‘caráter transcendente’, não sendo possível de ser reconduzida aos institutos da coisa julgada e da força de lei.”[42] Na visão de MENDES, a eficácia erga omnes equipara a parte dispositiva da decisão à força de lei, enquanto o efeito vinculante transcende não apenas a parte dispositiva, mas também os motivos determinantes da decisão, como já explicado no tópico 7 deste artigo. Todos os órgãos do Poder Executivo e do Poder Judiciário ficam jungidos à eficácia prospectiva da decisão de efeito vinculante, exceto o próprio Supremo Tribunal Federal. Também o Poder Legislativo escapa da obrigatoriedade, ao que pode editar “nova lei com conteúdo exatamente idêntico ao de anterior lei que havia sido objeto de súmula que lhe atrelava, v.g., a nota de inconstitucionalidade, ou lhe atribuía (a súmula) eficácia diversa da constante na nova previsão legal (numa interpretação conforme, v.g.).”[43] Pois bem. O desrespeito à súmula vinculante ou dúvida decorrente de sua interpretação (art. 7° da Lei 11.417/06) gera direito subjetivo à Reclamação Constitucional, podendo redundar na anulação do ato administrativo ou cassação da decisão judicial reclamada, com determinação para que outra seja proferida em seu lugar, com ou sem aplicação da súmula (art. 103-A, §3°, CF). Na hipótese de aplicação inadequada da súmula o STF não poderá apreciar matéria que não toque sua competência originária (art. 102, I, CF), sob pena de supressão de instância. Vale dizer que a reclamação permanece incabível para impor o cumprimento de jurisprudência ou súmula sem efeito vinculante, pois é vedado ao STF decidir questão que não tenha percorrido todas as instâncias ordinárias. O ataque em abstrato da súmula vinculante, ou seja, no intuito de removê-la do ordenamento jurídico, não será objeto da reclamação, mas de incidente específico promovido nos termos da Lei 11.417/06. O Supremo Tribunal Federal já editou diversas súmulas vinculantes, que podem ser acessadas na internet, pelo link 8.4 Respeito ao efeito vinculante de decisão proferida em controle concentrado de constitucionalidade Neste ponto, retomamos o que havíamos dito sobre a adoção da teoria da transcendência por parte de alguns Ministros do Supremo Tribunal Federal. É que, se não apenas a parte dispositiva, mas também os fundamentos das decisões proferidas pela Côrte vinculam a administração pública e o poder judiciário, a reclamação evidentemente poderá ser manejada para equacionar decisões proferidas em processos subjetivos às decisões externadas em ADIN’s, ADC’s e ADPF’s. A Emenda Constitucional n° 03, de 17 de março de 1993 alterou a redação do art. 102 da Constituição Federal, imprimindo efeito vinculante às decisões definitivas de mérito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações declaratórias de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal. A Emenda Constitucional n° 45, de 30 de dezembro de 2004, ampliou o efeito vinculante para as ações diretas de inconstitucionalidade. Ordinariamente, o controle concentrado de constitucionalidade é exercido por meio da ação direta de inconstitucionalidade (ADIN) e da ação declaratória de constitucionalidade (ADC). Ambas são processos ditos objetivos, porque para sua instauração, não há necessidade de interesses jurídicos específicos (e subjetivos), próprios ou alheios. Inexiste lide no sentido tradicional, enquanto interesse juridicamente qualificado por uma pretensão resistida. Em face das peculiaridades dos processos objetivos, o autor nem mesmo pode requerer a desistência da ação (art. 5° da Lei 9.868/99), por conta do interesse jurídico público atrelado à fiscalização dos atos normativos em face da Constituição Federal. A jurisprudência do STF relativizou, todavia, a objetividade desses processos, quando criou a chamada pertinência temática, entendendo-a como requisito ligado ao interesse específico da classe ou categoria em relação à lei ou ato normativo de que se alega a inconstitucionalidade. Bem. A questão que se põe é se, considerando a eficácia erga omnes e o efeito vinculante das decisões proferidas em controle concentrado, haveria a possibilidade de impetração da Reclamação Constitucional para fazer valer tais pronunciamentos em processos subjetivos, de partes diversas das originalmente figurantes no processo objetivo. Externamos nossas razões e opinião favorável no tópico 7, de modo que nos resta anotar o julgamento do Agravo Regimental n° 2143 na Reclamação 1.880-6/SP, quando, antes de se aposentar, o Ministro Maurício Corrêa proferiu voto precioso, no sentido de garantir a eficácia vinculante pela via da reclamação, fazendo cumprir a decisão de processo objetivo, “sob pena de tornar-se inócuo o controle de constitucionalidade realizado.” [1] RECLAMAÇÃO. In, Houaiss, Antônio e; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2007. p. 2401. [2]Disponível em: <http://www.wikiiuspedia.com.br/article.php?story=20080218154659217&mode=print> e <http://en.wikipedia.org/wiki/McCulloch_v._Maryland> Acesso em: 01 abr. 2009. [3] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ªed. São Paulo: Saraiva, 2008. §2°, p. 1293. [4] Representação n° 1.092. Acórdão publicado no DJ19.12.1984. [5] V.g. Ac, n° 359, de 16.12.2004, rel. Min. Peçanha Martins. [6] MORATO, Leonardo Lins. Reclamação: e sua aplicação para o respeito da súmula vinculante. São Paulo: RT, 2007. p. 76. [7] Art. 190. A reclamação é a medida destinada à preservação da competência do Tribunal ou à garantia da autoridade de suas decisões, quer sejam proferidas pelo Pleno, quer pelos órgãos fracionários. §1° Não desafia a autoridade da decisão a que for proferida em relação processual distinta daquela que se pretenda ver preservada. §2° Estão legitimados para a reclamação a parte interessada ou o Ministério Público do Trabalho. §3° Compete ao Pleno processar e julgar a reclamação. §4° Oficiará no feito o Ministério Público do Trabalho, como custos legis, salvo se figurar como reclamante. [8] Arts. 659 a 666 do RITJSP. [9] Art. 59, XXVII, j, do RITJBA. [10] Correição Parcial n° 0409360-5/05 e Agravo Regimental n° 0283712-5/01. [11] Op.cit. p. 79. [12] Sempre que houver menção ao termo desacato, estar-se-á tomando-o como sinônimo de descumprimento ou desrespeito, sem relação com o termo empregado no tipo penal correspondente. [13] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso Avançado de Processo Civil. Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento. 7.ed. São Paulo: RT, 2005, v. 1. p.162. [14] Op.cit.p.116. [15] Op.Cit. p. 116. [16] LIEBMAN, Enrico Tullio. Manual de Direito Processual Civil (trad.). 3ed. São Paulo: Malheiros, 2003. [17] WAMBIER, Luiz Rodrigues. Ação e Elementos Identificadores das Ações. In: ____ . Curso Avançado de Processo Civil. 7.ed. ver. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 128-130. [18] Com o esgotamento dos recursos, dá-se o fenômeno da coisa julgada, que representa a imutabilidade do dispositivo da sentença perante o processo. [19] DJ 14.11.2003. [20] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 13. ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p.442. [21] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 22. ed. São Paulo: Atlas, 2007. p.176. [22] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ed. São Paulo: Saraiva, 2008. p. 92. [23] Informativo STF n° 289 (AgR – questão de ordem n° 1.880-SP Rel. Min. Maurício Corrêa; 6.11.2002). [24] Op.cit. p.30. [25] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – Vol. I, 22ed. Rio de Janeiro, Forense, 1997. p. 55-57. [26] Idem. [27] TAVARES, André Ramos. Nova Lei da Súmula: Estudos e Comentários à Lei 11.417, de 19.12.2006. 2.ed. São Paulo: Método, 2007. p. 83. [28] Op.cit. P. 99. [29] Op. Cit. P. 1083. [30] V.g. Agravo Regimental em Agravo de Instrumento n° 168.149. Rel. Min. Marco Aurélio Mello. DJ de 4-8-1995; Rcl 2.363, Rel. Min. Gilmar Ferreira Mendes. DJ 01.04.2005. [31] Op.cit.p.208. Ver Rcls n°s 707-7/97, 711-4/98, 1.626-9/00, 2.143-2/02, [32] DINAMARCO, Cândido Rangel. A reclamação no processo civil brasileiro. In: Nery Jr., Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coord.). Aspectos polêmicos e atuais dos recursos e de outros meios de impugnação às decisões judiciais. São Paulo: RT, 2002. v. 6. p. 104. [33] MONIZ DE ARAGÃO, Egas Dirceu. A correição parcial. Curitiba: Imprensa da Universidade Federal do Paraná, 1969. p. 107-110. [34] Na Rcl. 356-9 (DJ 15.05.1992) o STF enalteceu o fato de ter havido trânsito em julgado de acórdão proferido pelo TST que julgou agravo de despacho denegatório de recurso extraordinário e, com base em tal fato, entendeu por desconhecer da reclamação. [35] Recl. 529/SP. DJ 07.06.1996. [36] MOREIRA ALVES, José Carlos. A jurisdição constitucional estadual e as normas constitucionais federais reproduzidas nas constituições dos Estados-membros. In: MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo: estudos em homenagem a Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002. p. 19-35. [37] RTJ 114/448. [38] Rcl. 1718. DJ 06.04.2001. p.71. [39] Ver art. 4° da Lei 4.348/64 a art. 25 da Lei 8.038/90. [40] STJ, Rcl. 1127, DJ 09.09.2002. [41] Op. Cit. P. 225. [42] Op.cit. P. 337. [43] TAVARES, André Ramos. Op.Cit. P. 40
Trata-se de artigo que sintetiza monografia apresentada como requisito de titulação de pós-graduação em Direito Público, sob coordenação do Dr. Néviton Guedes, ainda sob a vigência do CPC/73.
Advogado da Fundação Estatal de Saúde de Curitiba, inscrito na OAB/PR sob o n.º 42.250, pós-graduado em Direito Público, do Trabalho e Previdenciário, autor de Direito Imigratório (Juruá 4ª ed., 2014), articulista de revistas e sites especializados.
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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