Liberdade Econômica - Parte 2

19/05/2019 às 22:23
Leia nesta página:

Esse é um artigo parte de uma série de outros que analisarão a MP 881/2019 e seus reflexos e inovações de forma crítca

Liberdade Econômica (MP 881/2019) – Lei do Bem? – Parte 2

 

Como já dito no artigo anterior, em 30 de abril de 2019  foi editada a Medida Provisória nº 881, que institui a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, na tentativa desesperada  de gerar novos empregos e movimentar a economia:

 

Art. 1º “Fica instituída a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, que estabelece normas de proteção à livre iniciativa e ao livre exercício de atividade econômica e disposições sobre a atuação do Estado como agente normativo e regulador”.

 

Outra inovação da MP 881 diz respeito a chamada teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Em outras palavras: comprovado que os administradores da sociedade agiram de forma fraudulenta de forma a gerar benefício direto ou indireto com o uso da pessoa jurídica, podem ter o patrimônio próprio atingido por dívidas contraídas em nome da sociedade.  

 

O art. 50 do Código Civil, passa a vigorar com as seguintes alterações:

 

“Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

 

 

Antes do advento do MP 881, o art. 50 do Código Civil não exigia a comprovação do efetivo benefício dos administradores ou sócios com a utilização indevida do nome da sociedade. Não basta a comprovação dos requisitos do desvio de finalidade ou confusão patrimonial, o acréscimo de patrimonial dos administradores ou sócios é requisito indispensável (benefício direto ou indireto).

A MP, em tese, pôs fim a dúvida do que seria o chamado “desvio de finalidade”. O § 1º do art. 50 do Código Civil, diz que:

 

§ 1º Para fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização dolosa da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

 

Entendo que toda sociedade quando constituída tem uma finalidade, um objetivo lícito. Qualquer ato que se desvie dessa finalidade para prejudicar credores, beneficiar indevidamente a própria sociedade, prejudicar sócios, em especial os minoritários, enquadra-se no conceito de desvio de finalidade.

O §5º, inserido pela MP 881, no art. 50 do Código Civil, de forma acertada prevê que não há desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica, ou seja, a alteração quantitativa (aumento ou supressão de atividades do objeto social) ou qualitativa (mudança do objeto social) da atividade social.

Já o conceito de confusão patrimonial é mais fácil, pois acontece quando não mais se pode distinguir o patrimônio da sociedade do patrimônio de seus sócios. Em termos práticos:

  1. os credores da sociedade, comprovada a confusão patrimonial, podem pleitear a aplicação da teoria, com objetivo de alcançar o patrimônio pessoal dos sócios para satisfação de seus créditos;
  2. os credores pessoais dos sócios, comprovada a confusão patrimonial, podem pleitear a aplicação da teoria, com objetivo de alcançar o patrimônio pessoal da sociedade para satisfação de seus créditos.

 

A confusão patrimonial implica em verdadeira fraude, que viola o princípio da autonomia patrimonial. Tanto a sociedade como os sócios misturam os patrimônios para dificultarem sua individualização. O § 2º do art. 50 do Código Civil, diz que:

 .

§ 2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I - cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II - transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante; e

III - outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

 

Por fim, no que tange a formação de grupos econômicos, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica somente poderá ser aplicada comprovada que a criação do grupo teve por finalidade a fraude. O art. 50 do Código Civil, com a inserção §4º deixa claro que a simples existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput do art. 50 (confusão patrimonial e desvio de finalidade) não autoriza a aplicação da teoria desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

Como dito no final do artigo anterior: Por hora vamos esperar e ter esperança que vai dar certo, afinal, somos brasileiros!

 

 

 

 

 

Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

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