Emendatio e Mutatio Libeli como tese defensiva

20/05/2019 às 12:00
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O juiz, após apresentação dos memoriais, vai analisar todo o processo, ver todas as provas que foram produzidas, formar o seu convencimento e sentenciar nos autos. Todavia, pode ser que, ao analisar os autos, ele verifique que a conduta descrita na denúncia e a tipificação que o órgão do Ministério Público - ou queixa-crime e tipificação feita pelo advogado constituído - fez não são compatíveis, ou ainda, pode ser que o juiz perceba que fatos novos surgiram ao longo do processo, fatos que não estão descritos na denúncia e que vão influenciar a decisão a ser proferida.

O magistrado, ao sentenciar, está vinculado aos fatos descritos na denúncia, ele não pode julgar com base em nenhum fato ou prova que estiver fora, além da denúncia, tampouco pode julgar aquém do narrado pelo Ministério Público/defensor constituído nos autos.

A sentença, em nome do Princípio da Correlação, deve estar adstrita aos fatos descritos na denúncia ou queixa-crime.

Emendatio Libeli (artigo 383, Código de Processo Penal):

Quando o magistrado, ao final da instrução e analisando os fatos descritos na denúncia/queixa-crime, observa e verifica que a definição jurídica/tipificação/classificação é diversa dos fatos narrados, pode dar nova tipificação, ele pode dar nova definição jurídica, uma vez que perfeitamente possível, desde que não modifique a descrição dos fatos contidos na peça acusatória.

O princípio da correlação vincula o juiz, no momento de sentenciar, aos fatos narrados na peça acusatória, mas não vincula à definição jurídica que o autor apresenta, por isso é que pode emendar a denúncia/queixa-crime na sua sentença, dando nova classificação aos fatos, mas nunca modificando-os, já que está vinculado a eles.

O instituto da Emendatio Libeli é justamente a possibilidade de o juiz emendar a peça acusatória ao proferir sentença, dando uma nova tipificação aos fatos após analisá-los.  Lembrando que o magistrado pode emendar a peça acusatória, dando nova tipificação a ela, ainda que essa nova definição jurídica seja mais gravosa, com pena maior, por exemplo.

Uma observação a se fazer se dá em relação à aplicação do artigo 89 da Lei 9099/95. Apesar de estar previsto na Lei 9099/95, o benefício da suspensão condicional do processo pode ser aplicado a todos os crimes, desde que preenchidos os requisitos legais (pena mínima de até no máximo 01 ano, não estar sendo processado ou ter sido condenado por outro crime).

Quando presentes os requisitos legais, o autor já deve oferecer a proposta do SURSIS processual na própria peça acusatória. Mas e se houver a ocorrência da Emendatio Libeli na sentença? Se o magistrado der nova definição jurídica para o delito, e essa nova tipificação tiver previsão de uma pena mínima igual ou menor que 01 ano, como fazer?

Se o juiz sentenciar, aplicando o instituto da emendatio libeli e dando nova definição jurídica ao delito, não pode condenar o acusado pelo delito agora aplicado ao caso concreto, caso tenha essa novo delito pena mínima igual ou inferior a 01 ano, pois se assim o fizer, caberá recurso de apelação por parte da defesa, alegando-se a nulidade da decisão, pois o magistrado não seguiu o trâmite previsto no artigo 89 da Lei 9099/95.

Uma vez que emendada a peça acusatória e nova definição jurídica é dada, deve-se observar se agora é cabível a suspensão condicional do processo.

Essa possibilidade se dá em virtude da Súmula 337 do STJ, que diz ser cabível a suspensão condicional do processo na desclassificação do crime, e a emendatio libeli nada mais é que uma espécie de desclassificação. A aplicação é possível também na procedência parcial do pedido.

Já que possível, deve o magistrado dar vista dos autos à acusação, para que esta faça a proposta de suspensão condicional do processo. Se o réu aceita, suspende o processo e o juiz não profere sentença. Cumpridas as condições pelo prazo estipulado, extingue-se a punibilidade e nem reincidente o acusado será.

Em razão da desclassificação, pode ocorrer ainda a declinação da competência, previsto no artigo 383, §2º do Código de Processo Penal. Quando isto ocorrer, deve o juiz encaminhar os autos ao juízo competente, em razão da nova definição jurídica aplicada ao caso concreto.

Nesse caso, o juiz não sentencia, ele somente aplica o instituto da emendatio libeli, declina da competência e remete os autos para o juízo que agora passa a ser o competente.

Se a acusação apresenta denúncia ou queixa-crime e, ao longo da instrução descobre-se uma qualificadora, uma agravante, causa de aumento de pena, etc., não poderá o juiz considerar esses fatos mais gravosos se a acusação nada falar a respeito. O magistrado não pode alterar os fatos, ele é o destinatário dos fatos, não quem os alega.

A emendatio libeli, que nada mais é que uma espécie de desclassificação, deve ser arguida em sede de memoriais pelas partes, em sede de preliminar de apelação como nulidade ou até mesmo pelo juiz ao sentenciar.

Cabe emendatio libeli em sede recursal.

Mutatio Libeli (artigo 384 do Código de Processo Penal):

Somente se a peça acusatória for aditada e corrigida é que o juiz poderá sentenciar pela prática do delito descrito agora de forma mais gravosa, já que, neste momento, todos os fatos estão na mesma. Neste caso, estaremos diante da figura da Mutatio Libeli.

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Se o juiz sentenciar nesse sentido, modificando os fatos, sem que a acusação tenha se manifestado, a sentença será ilegal e caberá alegação de nulidade em preliminar de apelação.

A mutatio libeli dar-se-á quando, encerrada a instrução, surgirem novas provas ou novos fatos que não estavam descritos na denúncia. Ela repercute na modificação da definição jurídica da peça acusatória, seja na elementar do tipo ou em suas circunstâncias.

O que deve o juiz fazer nesse caso?

O juiz, antes de sentenciar, deve abrir vista à acusação para que esta adite a denúncia e inclua os novos fatos. Após, abrir vista para a defesa, para que o acusado se defenda dos novos fatos a ele imputados. Então deve o magistrado instruir novamente o processo e, somente após, analisar novamente os autos, formar o seu convencimento e sentenciar.

Não cabe mutatio libeli em sede recursal, sob pena de supressão de instância, bem como violação ao contraditório, como prevê a Súmula 453 do STF.

Lembrando que, o sursis processual, previsto no artigo 89 da Lei 9099/95, é distinto do instituto do sursis penal, previsto no artigo 77 do Código Penal.

Comparando ambos os institutos:

Emendatio Libeli é cabível tanto na ação penal privada como na ação penal pública. Já a Mutatio Libeli é cabível somente na ação penal pública.

Na Emendatio Libeli há a redefinição jurídica da conduta, sem alteração nos fatos, enquanto que na Mutatio Libeli há o surgimento de fato novo após a instrução, alterando os fatos narrados na denúncia.

Como tese de defesa, de suma importância é o tema.

Sobre a autora
Letícia Fernandes Domingos

Advogada. Policial Civil do Estado de Minas Gerais. Pós-graduanda em Direito Penal e Processual Penal. Amante da leitura e da escrita. Integrante do Núcleo de Advocacia Criminal do Canal Ciências Criminais. Membro da Associação dos Jovens Advogados de Minas Gerais.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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