O LIMITE DO POSSIVEL NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS

23/05/2019 às 17:30
Leia nesta página:

O ARTIGO APRESENTA COMENTÁRIOS SOBRE RECENTE DECISÃO DO STF ENVOLVENDO A QUESTÃO DO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS DIANTE DAS LIMITAÇÕES DO ERÁRIO.

O LIMITE DO POSSIVEL NO FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS

Rogério Tadeu Romano

O pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu o julgamento conjunto dos Recursos Extraordinários (REs) 566471 e 657718, analisados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF). Os recursos, que tiveram repercussão geral reconhecida, tratam do fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O único voto até aquele momento foi o do relator, ministro Marco Aurélio, que se manifestou no sentido de negar provimento aos dois recursos.

No caso do RE 566471, o Estado do Rio Grande do Norte se recusou a fornecer medicamento – citrato de sildenafila – para uma senhora idosa e carente, alegando que o alto custo e a ausência de previsão no programa estatal de dispensação de medicamentos seriam motivos suficientes para recusa. A idosa acionou a Justiça para pleitear que o estado fosse obrigado a fornecer o fármaco. A sentença de primeiro grau determinou a obrigação do fornecimento, decisão que foi confirmada pelo Tribunal de Justiça estadual.

Autor do recurso contra a decisão do TJ-RN, o procurador do Rio Grande do Norte disse que é preciso dar a máxima efetividade ao princípio da eficiência. Ele explicou que os medicamentos de alto custo têm uma política pública definida pelo Ministério da Saúde, que estabelece a relação de medicamentos a serem disponibilizados aos usuários. Essa relação contempla vários fármacos, dividindo-os por competências da União, de estados e de municípios. É essa divisão, segundo o procurador, que não vem sendo respeitada. Assim, o cidadão que precisa de um remédio que é de competência da União pode demandar o município, que pode ser obrigado a fornecer o medicamento, desorganizando as finanças do ente federado.

Outro caso pode ser apontado como ressaltou o Estado de São Paulo, em sua edição de 23 de maio do corrente ano:

“Em 2006, Érica Vitorino trabalhava como empregada doméstica quando a vida sofreu uma reviravolta com o diagnóstico de que Isacc Wagner, seu filho de 5 anos, era portador de Síndrome de Hunter. “Você não sabe para onde correr”, disse ela, ao se lembrar da luta para garantir o tratamento da doença causada pela deficiência da enzima iduronato-2-sulfatase (I2S).

Érica acionou a Justiça para obter o medicamento, que custava cerca de US$ 4 mil e não tinha registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Mesmo com decisão judicial favorável, bateu à porta da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo e teve de esperar nove meses para que o remédio chegasse em suas mãos e o tratamento fosse iniciado.

Atual coordenadora nacional da Associação dos Familiares, Amigos e Portadores de Doenças Graves (Afag), ela acompanhou o julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF), que impôs ontem restrições ao fornecimento de medicamentos que não tenham registro da Anvisa. “A decisão foi equilibrada. Os ministros tiveram o cuidado de olhar para as pessoas que têm doenças raras”, afirmou. Isacc morreu em 2014, aos 13 anos, em virtude de complicações da doença.”

Mais uma vez se vê diante de um grande problema: as dificuldades financeiras do Estado, muitos deles em estado de insolvência, e o direito a saúde e a vida, que são direitos indisponíveis e garantidos ao cidadão pela Constituição.

Aponto na matéria as lições de Andreas Joaquim Krell, quando disse que a Constituição confere ao legislador uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito social deve ser assegurado e que a eficácia dos direitos fundamentais sociais depende dos recursos públicos disponíveis. No entanto, a negação de qualquer tipo de obrigação a ser cumprida na base dos Direitos Fundamentais Sociais tem como consequência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos, de modo a permitir a intervenção do Judiciário em caso dessas omissões.

Mas há recursos públicos para financiamento desses programas sociais, em atendimento a direitos fundamentais traçados na Constituição, mas eles são finitos.

O certo é que não há discricionariedade na adoção de políticas públicas, pois a Constituição já determina sua realização.

A matéria voltou a julgamento e ficou assente que a solução passa pelo limite do possível.

Isso ê:  reconhece-se o direito fundamental à saúde, mas a ser atendido dentro dos limites orçamentários existentes.

A tese firmada no julgamento do RE 657718, com repercussão geral reconhecida, ressalva casos excepcionais e estabelece requisitos para o fornecimento nesses casos, como a existência de registro em agências estrangeiras de renome e a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.
 

O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, nesta quarta-feira (22), que o Estado não pode ser obrigado a fornecer medicamento experimental ou sem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), salvo em casos excepcionais. A decisão foi tomada, por maioria de votos, no julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 657718, com repercussão geral reconhecida, de relatoria do ministro Marco Aurélio.

Anoto, para tanto, o noticiário originário do STF, em seu site, no dia 22 de maio do corrente ano:

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“O julgamento que começou em 2016 e foi retomado, em sessão extraordinária na manhã desta quarta-feira (22), com o voto-vista do ministro Alexandre de Moraes, acompanhando a divergência aberta pelo ministro Luís Roberto Barroso no sentido do provimento parcial ao recurso. Em seu voto-vista, ele concluiu pela constitucionalidade do artigo 19-T da Lei 8.080/1990, que veda, em todas as esferas de gestão do SUS, o pagamento, o ressarcimento ou o reembolso de medicamento experimental ou de uso não autorizado pela Anvisa. “Não se trata de negar direito fundamental à saúde. Trata-se de analisar que a arrecadação estatal, o orçamento e a destinação à saúde pública são finitos”, assinalou.

Segundo o ministro, a excessiva judicialização da matéria não tem sido bem-sucedida. “Para cada liminar concedida, os valores são retirados do planejamento das políticas públicas destinadas a toda coletividade”, afirmou. Na sua avaliação, esse sopesamento é importante. “Senão, não teremos universalidade, mas seletividade, onde aqueles que obtêm uma decisão judicial acabam tendo preferência em relação a toda uma política pública planejada”.

Os ministros Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes acompanharam o entendimento divergente e ressaltaram que o Estado deve observar as situações excepcionais em que um medicamento sem registro pode ser fornecido.

O ministro Edson Fachin reajustou seu voto para também dar provimento parcial ao recurso, mas manteve entendimento de que o Estado tem o dever de fornecer o medicamento ao cidadão e que cabe ao próprio Poder Público fixar os parâmetros para que esse fornecimento seja garantido.”

Em linhas gerais, são apontadas as seguintes linhas a ser seguidas, sob pena de, em caso de descumprimento de decisão judicial, ser caso de ajuizamento de reclamação, ação constitucional que objetiva, dentre outras formas, a fazer respeitar decisão tomada pelo tribunal superior. 

Os ministros determinaram que, para concessão dos medicamentos sem registro na Anvisa, é obrigatório comprovar três requisitos:

- a existência um pedido de registro do medicamento no Brasil, em trâmite por mais de 365 dias e sem conclusão, para medicamentos comuns, e em trâmite por mais de 120 dias, para medicamentos de doenças raras;

- a existência e aprovação de registro deste medicamento em agências regulatórias de outros países, a fim de comprovar que, de fato, o medicamento já passou por algum tipo de avaliação e é utilizado em outros locais;

- a inexistência de um medicamento substituto devidamente registrado que possa trazer os mesmos efeitos na recuperação da saúde da pessoa enferma, o que pode ser atestado por laudo do médico responsável pelo tratamento.

Prevaleceu a posição defendida pelo ministro Luís Roberto Barroso de que o Estado somente pode ser obrigado a fornecer os medicamentos na hipótese de longa demora da Anvisa em apreciar o pedido de registro (o prazo varia de 120 dias a 365 dias, dependendo do tipo de remédio).

Isso quando preenchidos três requisitos: 1) a existência de solicitação de registro do medicamento no Brasil, salvo no caso de remédios feitos exclusivamente para doenças raras e ultrarraras; 2) a existência de registro da medicação em renomadas agências de regulação no exterior; e 3) a inexistência de substituto terapêutico com registro no Brasil.

“A regra é que é indispensável o registro da Anvisa. Mas em hipóteses excepcionais se permite que, caso a caso, eventualmente se chegue à conclusão diversa”, disse a ministra Rosa Weber.

Foi a fórmula encontrada pelo Supremo Tribunal Federal, observado o conflito entre dois princípios: o direito à saúde, o limite do possível.

Entre princípios, não há revogação de um pelo outro, mas a escolha do devido equilíbrio em face do problema enfrentado.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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