Municípios do país todo usam a estratagema de alocar crianças, em creches, apenas quando as mães conseguem comprovar ou registar um vínculo laboral. Com esse subterfúgio, mães sem trabalho, num país com mais 14 milhões de desempregados e de desempregadas, ou não põem seus filhos em creche ou procuram empregos nas horas vagas. Com isso, o município – que deveria zelar pela integral formação da cidadania das crianças – exime-se de criar políticas públicas adequadas à educação. É como se dissesse, “ou come ou estuda”, e este é o malfeito, em total disparate ao texto constitucional da Carta Política. Pelo disposto na CF/88 é evidente este preâmbulo:
“Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria [...] IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade”.
O inciso V é fortalecedor da política pública a fim de que a criança não se reporte a um alojamento ou depósito, mas sim a ambiente acolhedor e fortalecedor de toda sua potencialidade: “V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um”.
O que, em seguida, é reforçado pela disposição legal que assegura a oferta de equipamentos e de serviços materiais com vistas a este desenvolvimento integral: “VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde”.
O que, obviamente, define este atendimento (“acesso ao ensino obrigatório e gratuito”) com a qualidade do “direito público subjetivo” (§ 1º). Por “direito público-subjetivo” entenda-se a obrigação de sua oferta pelo Poder Público, bem como sua garantia material e jurídica/formal, independentemente de como cada indivíduo possa ou consiga se “apropriar” da oferta/garantia do direito e, assim, apresente melhores ou piores resultados a partir do “direito consubstanciado”. Pelo atendimento do direito público-subjetivo não importa “como” a criança ou o jovem farão uso (gozo do direito), mas sim que a prestação político-jurídica seja efetiva e condizente; materialmente falando, que todas as crianças tenham um lugar em creche, como direito fundamental, e que sua permanência seja formadora de sua cidadania.
Por sua vez, (§ 2º) “o não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente”.
Portanto, é muito transparente que a educação de jovens e alocação de crianças é um dever público e, mais precisamente, trata-se de um direito público-subjetivo que somente se objetiva por meio de políticas públicas asseguradas pelo Poder Político.
A escola não é um depósito de jovens, pelo teor da CF/88, e nem a creche deve ser um “passar-o-tempo” para filhos e filhas das mães com subempregos e, efetivamente, jamais uma negação de direitos às mães desempregadas.
A creche é um direito da criança, e não da mãe. O que é fato, pois não existe formação integral com educação desintegrada e que se solidarize com a desigualdade. Por fim, com isto chegamos a uma dupla violação constitucional: não se aplica o Poder Público com isonomia, interrompendo-se a formação integral e socializadora da criança, um direito fundamental, e ainda causa danos às mães mais pobres, forçando-as a interromper a busca pelo emprego.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS
A CF/88 não é depositária de más intenções
E muito menos comporta o malfeito
A creche não é um depósito de crianças com mães pobres e desempregadas.
Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).
Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi
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