A LÍNGUA QUE SE FALA VERSUS A LÍNGUA QUE SE ENSINA EM SALA DE AULA
Paulo César Borges da Silva¹
Rosa Maria de Andrade Pontes²
RESUMO
Este artigo visa apresentar a grande facilidade encontrada nos indivíduos falantes de se comunicarem por meio da língua falada. Indivíduos estes de todas as classes sociais, faixas etárias, diversas escolaridades, alfabetizados ou não, mas que se entende coma linguagem que falam no cotidiano. Na língua que se ensina em sala de aula há um conjunto de restrições que se apresentarão no decorrer deste artigo. Mas que a sua utilização para a vida destes indivíduos é mínima, com relação ao seu uso no cotidiano. A metodologia utilizada foi à pesquisa qualitativa, realizada em comunidades religiosas. Também se trabalhou com o auxílio de trabalhos científicos, internet e livros publicados. Conclui-se que em relação à língua falada, fala-se conforme influências externas, que são captadas através dos sentidos. A língua ensinada em sala de aula é um caminho árduo a ser percorrido com continuação e dedicação.
Palavras-chave: Linguagem oral. Contemporaneidade. Gramática. Ensino do português em sala de aula. Comunicação.
1. Introdução
Após diversas observações sobre a língua falada e a língua que se ensina em sala de aula, 0verifica-se que a primeira é muito complexa, dinâmica, repleta de variantes e a cada dia a linguagem falada é modificada pelo espaço e pelo decorrer temporal. O indivíduo linguístico utiliza a língua falada que a ensinada nas escolas.
Constata-se que a maioria da população não se polícia ao falar, mesmo aqueles indivíduos que tiveram contato com a gramática. Esta pesquisa indicará um confronto entre a linguagem utilizada no nosso cotidiano e a linguagem dispensada nas salas de aula, mas especificamente nas ministradas em Língua Portuguesa.
Quando se utiliza à linguagem correta ou não, podem-se acarretar problemas, dificuldades, soluções, superações diante de avaliações, diálogos formais e informais produzidos pelo falante linguístico. O homem não é produto do meio físico onde nasce ou cresce, mas, sim, da historicidade linguística.
Demonstra-se que nem sempre indivíduos recheados de normas gramaticais e dominadores da linguagem padrão são escolhidos para exercerem uma determinada função somente pelo seu vocabulário extenso e culto.
Existem pessoas que detém o mínimo de vocábulos, mas a sua expressividade é pública e notória, não necessitando de normas gramaticais para exercer funções que careçam de discernimento e comunicação.
Comunicação do dia a dia e comunicação culta, ou seja, fala-se cotidianamente sem nos preocuparmos com regras gramaticais e fala-se o que professores de português ensinam em sala de aula. A língua que se ensina em sala de aula de Língua Portuguesa é a linguagem padrão. E a língua que se fala dentro das residências, nas esquinas, nos bares, nas reuniões religiosas, nos palanques políticos, nas praças, nos mais variados tipos de regionalismos, nas feiras públicas de frutas, verduras e alimentos, na comunidade carcerária, nas favelas, nas novelas, nos filmes, entre as crianças, jovens e velhos, nas pequenas e grandes cidades que se localizam na zona rural ou urbana, nas comunidades ribeirinhas, nas comunidades que vivem isoladas por circunstâncias geográficas, físicas e delimitadas pelo espaço, pelas comunidades indígenas, por todos os grupos linguísticos existentes em nosso país e por você, não é considerada padrão. Com vocês povo brasileiro, verdadeiros detentores da linguagem falada e ensinada nas escolas, está facultado à palavra. Fala-se o que se aprende na escola e aprende-se o que se fala fora dela. Existe a linguagem considerada errada e a linguagem considerada correta.
Na mídia existe a influência direta e indireta exercida na propagada pelos meios de comunicação entre os indivíduos linguísticos. Imitam-se os apresentadores no seu linguajar de comunicadores atrás de audiência e sua maneira de falar é observada pelo público infantil. Os programas humorísticos ensinam o falar certo e o errado.
Na internet, cada vez mais as palavras diminuem de tamanho e a linguagem escrita sofrendo influências na sua estrutura.
Na música os compositores influenciam diretamente a massa linguística.
Não se pode desprezar a convivência, as relações íntimas, a familiaridade, o trato diário.
Se houve comunicação entre os indivíduos falantes, comprovar-se-á no decorrer deste trabalho.
A metodologia utilizada baseou-se em audições de ministrações religiosos nos templos de igrejas evangélicas.
Mas na contemporaneidade existe uma tendência exaltando a linguagem gramatical em detrimento da oral.
2. A língua falada é mais acessível não havendo barreiras de comunicação
A linguagem falada é considerada mais pobre e acessível, e a linguagem que se ensina em sala de aula é considerada a correta. Para os gramáticos tradicionais a língua escrita estaria sobreposta à língua falada. “Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) a população recenseada e estimada no ano de 2007 era aproximadamente de 183 987 291 milhões de pessoas”. E dentro deste universo o número de analfabetos é bastante expressivo.
Segundo o site: portal.mec.gov.br, acessado em 5 de junho de 2010, diz que:
O MEC realiza, desde 2003, o Programa Brasil Alfabetizado (PBA), voltado para a alfabetização de jovens, adultos e idosos. “O programa é uma porta de acesso à cidadania e o despertar do interesse pela elevação da escolaridade.” O Brasil Alfabetizado é desenvolvido em todo o território nacional, com o atendimento prioritário a 1.928 municípios que apresentam taxa de analfabetismo igual ou superior a 25%. Desse total, 90% localizam-se na região Nordeste. Esses municípios recebem apoio técnico na implementação das ações do programa, visando garantir a continuidade dos estudos aos alfabetizandos.
Se o percentual de vinte e cinco por cento (25%) da taxa de analfabetismo podendo ser igual ou superior é em todo o Brasil e se noventa por cento desta taxa esta situada na região nordeste, isto é, que nem toda a população brasileira sabe escrever, mas se comunicam pela língua falada, sem a necessidade da língua que aprenderam em sala de aula.
Isto demonstra que não há obstáculos para a linguagem falada. Enquanto, a língua que se ensina em sala de aula exige cognição, disponibilidade de tempo, renúncias. É um investimento subjetivo em longo prazo e continuado, infinito e filosófico, ou seja, nem todas as pessoas terão a rica oportunidade de aprender a escrever.
Alguns fatores estão intrinsecamente ligados ao processo de exclusão dos não alfabetizados. Geograficamente algumas pessoas estão isoladas do acesso ao mínimo da linguagem ensinada nas escolas. As populações ribeirinhas, indígenas mais isolados e com pouca comunicação e contato físico com o homem civilizado e etc. Economicamente algumas crianças em idade escolar são obrigadas a trabalharem em tempo integral, para complementar a renda familiar, e com isto a fila de analfabetos vai engrossando.
Os programas sociais e as políticas públicas do governo especificamente o “Fome Zero”, influenciam direta e indiretamente na vida escolar dos alfabetizandos. A nossa Constituição Federal do Brasil, Art. 1°, inciso III fala a respeito dos Princípios Fundamentais: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: a dignidade da pessoa". Uma das razões para se ter um estado mínimo de educação e com ela a alfabetização, é ter um estado mínimo de dignidade do ser humano.
O artigo 3° do texto constitucional diz:
Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: 1-construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional e erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
O artigo 6° dos Direitos Sócias do texto constitucional diz que: “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”
Quando o legislador através do Poder Constituinte Originário criou o texto constitucional, e inseriu nas constituições normas que regeriam a vida jurídica da nação, certamente as intenções eram muito louváveis, Mas, o abismo entre o que está escrito na legislação e na eficácia da norma é gritante.
Segundo Bagno:
As próprias mensagens enviadas pelo governo são dirigidas à massa em norma culta, o que dificulta sua compreensão pouco habilitada ao reconhecimento das formas de prestigio da língua, excluindo-os, inclusive do acesso das “benesses” públicas. E isto fica evidenciado, também, na própria Constituição que, apesar de igualar todos perante a lei, não os iguá-la quanto a sua legibilidade, constituindo essa mais uma pista da necessidade não de a Constituição ser escrita em língua não-padrão, mas a de que todos os brasileiros tenham o mesmo acesso à norma culta que têm as classes privilegiadas economicamente.
Comentário de Teófilo Leite Beviláqua
Segundo Bagno o alto grau de variabilidade e diversidade linguística no Brasil tem como uma de suas causas a injustiça social, geradora de um abismo linguístico entre a norma-padrão e não-padrão (presente na maioria dos brasileiros). Comentário de Teófilo Leite Beviláqua – Mito n° 1 2.
Como o estado diz através da constituição que tem como princípio fundamental, a dignidade do ser humano. Para se ter dignidade espera-se que o estado ofereça condições mínimas para sobreviver. Para se ter acesso à educação, ou a alfabetização o individuo ter que ter acesso ao menos à alimentação. Mas, isso não acontece na prática. Para o indivíduo aprender a linguagem ensinada nas escolas, tem que ter o mínimo que necessite para sobreviver. É preciso ter os nutrientes adequados, mínimos e necessários para se desenvolver o intelecto humano. E isso se consegue através de uma boa alimentação. E desde a gestação deve-se ter uma alimentação adequada, inclusive a gestante, que repassará os nutrientes para o feto.
Bagno afirma que o preconceito linguístico se baseia na crença de que só existe uma única língua portuguesa digna deste nome e que seria ensinada nas escolas explicadas nas gramáticas e catalogadas nos dicionários.
O processo de ensino-aprendizagem não é somente um fato isolado, mas um conjunto de fatores que levarão o indivíduo a aprender à linguagem ensinada nas escolas. Verifica-se que as barreiras da língua ensinada em sala de aula são ocasionadas por vários motivos como a evasão escolar, a repetência, a desmotivação, a falta de merenda escolar. Alguns alunos saem da sala de aula e do convívio escolar. Alguns voltam outros não. E quando voltam já perderam o rumo do ensino-aprendizagem. Não basta ser somente alfabetizado, ou mal alfabetizado.
Segundo Bagno:
Em terceiro lugar, vem o mito: "Português é muito difícil, uma consequência do segundo. O autor o desmente facilmente, alegando que qualquer criança de três a quatro anos de idade já é uma falante competente de sua língua materna, tendo internalizado a gramática de sua língua, e precisando do estudo (escrita e leitura) apenas para dominar particularidades desta estrutura básica. Trata-se de uma consequência do segundo mito no sentido de que se o brasileiro acha difícil aprender estas particularidades, é porque o ensino insiste em voltar-se para a norma de Portugal, desconsiderando o uso brasileiro do português.
Segundo Bagno 2003, 69 – quando discute o conceito de norma culta e ainda afirma que essa norma: “está estreitamente ligada à escola, ao ensino formal”.
A língua ensinada cm sala de aula exige tempo, dedicação, programas escolares, prática, produção textual, leituras cotidianas, incentivos e motivações, acessos a bibliotecas, livros com preços acessíveis, programas do governo para incentivo a leitura e escrita, concursos literários realizados pelas instituições de ensino da rede pública e particular, seminários de leitura e escrita, bienal de livros, fóruns de leitura e escrita, divulgação de novos escritores no mercado.
Segundo Cagliari, 1997:
Enquanto a leitura exige exercício do cérebro e concentração por longas horas. Isso pouco agrada ou desagrada às crianças e jovens que estão acostumados à rapidez de mudança de imagens e sons das telas da televisão ou dos monitores de computador.
Os brasileiros não têm o hábito da leitura, e por isso, a língua ensinada em sala de aula é prejudicada. Ainda tem a questão de ler e não entender, ou seja, interpretar o que está se lendo é uma dificuldade muito comum. Não se entende o que está escrito nas bulas de remédios, nos manuais de instruções. Existe ainda a linguagem técnica, judiciária, legislativa, executiva, culta, padrão, religiosa, de grupos étnicos, de grupos sociais, de grupos específicos que às vezes não se entende por não se fazer parte ou por não ter-se contato com este tipo de falante linguístico. E estes tipos de linguagem não são ensinados em sala de aula.
As barreiras são de dimensões enormes para ter acesso à sala de aula, e quando se tem não se aprende linguagens específicas, pois não são ensinadas em sala de aula. Uma delas é a falta de vagas na rede de ensino público, como também, a falta de condição financeira para se ter acesso à rede de ensino particular. Tudo passa e repassa pelo crivo da condição financeira da população. Onde o país em que se vive é considerado um país rico, mas os brasileiros são pobres. A falta de acesso à linguagem que ensina em sala de aula esbarra sempre nas condições econômicas da população.
Existem pessoas graduadas, mas que não escrevem segundo as normas gramaticais e não falam como pessoas que passaram por uma instituição de nível superior. O que aconteceu no decorrer da vida escolar destas pessoas que se formaram? Que não falam conforme o nível de escolaridade que alcançaram e são detentoras de uma escrita precária e não gramatical que aprendeu em sala de aula. A falha está no aluno, no professor, na instituição de ensino e no sistema de educação brasileira, pois, não se fala o que se ensina na escola.
Bagno, 2003, afirma que:
Uma transformação significativa no processo de ensino da língua será o estabelecimento de uma possível gramática do português brasileiro, a ser produzida pelos pesquisadores engajados na investigação criteriosa de nossa realidade linguística, trabalho esse que vem sendo desenvolvido há mais de trinta anos.
Fala-se o que se aprende desde bebês, isto é, através da empiricidade. É através dos sentidos, da experiência, da convivência de mundo, da convivência familiar que se toma conhecimento ou ciência da vida. Observam-se tudo, guarda-se na memória, através da capacidade imitam-se tudo. A nossa mente é um banco de dados ambulante. Aprende-se a falar outra língua, mesmo sem saber escrevê-la. Canta-se em língua estrangeira, mas não se sabem escrever ou ler. Não se sabe o que significa, porém, fala-se ou canta-se mesmo que erroneamente.
A barreira da língua falada existe, mas é de mais fácil assimilação que a língua que ensinam em sala de aula.
2.1 – Não dispomos de um modelo único de língua padrão
A Língua Portuguesa como todas as outras vem se formando ao decorrer do tempo. A nossa língua é oriunda da língua latina. Mas, também o português que se fala, não é puro Fala-se uma língua que nem se quer é nossa. Não existe a língua brasileira. Não se fala brasilês. Se assim, pode-se denominar. E a construção desta língua sofreu ao decorrer da história, diversas influências internas e externas.
Internamente a linguagem nativa que existia na colônia portuguesa era a linguagem indígena. Externamente sofre-se a interferência do próprio português europeu e com a vinda dos negros africanos foi adicionada nova linguagem à nossa. A nossa língua é miscigenada linguisticamente. A língua portuguesa falada no Brasil é uma variante da Língua Portuguesa falada em Portugal, ás junções destas trés línguas basilarmente formaram a língua portuguesa falada no Brasil.
Mas, atualmente se sofrem outras influências como a da língua americana principalmente, a francesa, a italiana, e o espanhol. Os estudiosos da língua portuguesa, mas intitulados nos dias de hoje como linguísticos, devido ao cognitivo não ser igual, esses autores, ou gramáticos, ou linguísticos não confeccionaram um modelo unificado que representasse a língua portuguesa padrão. E que todos seguissem como parâmetro. Não se dispõem de uma referência nacional.
Bagno (1999) compara:
Em relação a língua portuguesa falada no Brasil, considera-se que os alunos não sabem falar direito. A maioria não sabe falar a língua padrão que é a língua normatizada conforme as regras gramaticais de autores portugueses que também foram seguidos por autores brasileiros. A maioria dos alunos sabe falar o português brasileiro conforme as variedades regionais, sociais e culturais do Brasil. O país é grande em território e rico em variedade cultural, uma variedade da língua não para, as normas impostas tendem fazer a língua uniformizar, como uma poça de água.
Apontam-se como uma das barreiras para a não confecção deste modelo, as dimensões continentais do território brasileiro. A barreira geográfica. O regionalismo. O neologismo. O estrangeirismo. E a constante dinamicidade e vivacidade que a língua sofre naturalmente.
2.2 – A gramática em sala de aula
Segundo Mary Neiva Surdi da Luz, como se ensina português no ensino médio, site acessado em 23 de maio de 2010: www.filosofia.org.br/soletras/13/03.htm, diz o seguinte comentário: “Em relação ao estudo da gramática, os alunos foram questionados sobre sua importância e 42% (quarenta e dois por cento) dos alunos consideram o estudo da gramática necessário. Nessa perspectiva torna-se conveniente o que é gramática”.
Sabe-se que estudar a gramática tem a sua importância, pois, não se pode subestimar nada que venha acrescentar conhecimento a nossa cognição. Segundo Chomsky (apud MAROTE & FERRO, 1994: 93) diz que: “a gramática reflete o comportamento do falante que, a partir de uma experiência de língua, finita e acidental, consegue produzir ou compreender um número infinito de novas frases”.
De acordo com Britto e D' Angelis (2003, p.01):
A linguística moderna, já demonstrou que não há línguas melhores ou piores, nem variedade linguística que não tenha gramática articulada e consistente. No entanto, para muitos alunos que frequentam escolas públicas, advindos, principalmente, das camadas populares, raramente a língua ensinada corresponde à variedade empregada por esses alunos. A língua escolar padrão parece uma língua estranha, quando não uma língua estrangeira. A fala desses alunos é constantemente corrigida, reprimida e, às vezes, até ridicularizada, principalmente pelos próprios colegas.
Para esses alunos a gramática está num patamar muito elevado e para eles, não
conseguirão aprender a norma culta, pois, o linguajar do cotidiano é mais usado e mais fácil. Não necessitando da utilização da norma-padrão para se comunicar. No entanto, esses alunos falam como ouvem, e talvez não falem como são ensinados, ou seja, pela gramática.
Deve-se ter claro que não é papel da escola substituir uma fala por outra julgada, social e não linguisticamente, como a mais adequada. “Expressar-se oralmente é algo que requer confiança em si. Isso se conquista em ambientes favoráveis à manifestação do que se pensa, do que de sente, do que se é” (PCN, 1997: 47).
Em outras palavras você é aquilo que fala, isto é, é a sua subjetividade, o que você pensa, sente e expressa para fora.
2.3 – Os gramáticos divergem em alguns pontos do ensino da língua padrão
Rosa Virginia Mattos e Silva (2004, p. 140-146) pergunta:
O que falamos no Brasil? Língua portuguesa ou língua brasileira? Costumo dizer que, enquanto a nossa Constituição legislar no sentido de que a língua do Brasil é a língua portuguesa, será a língua portuguesa e não a língua brasileira, a língua do Brasil. Nação com território e estado definidos, no Brasil a língua oficial, de estado e majoritária é a língua portuguesa, por força da lei. Mas uma coisa é a lei, outra coisa é a realidade linguística brasileira. O hoje designado português brasileiro difere, e muito, sobretudo nos seus usos falados, do português europeu: possui aspectos fonéticos próprios, como, por exemplo, a realização das vogais pretônicas e também as postônicas; aspectos prosódicos ou supras segmentais que, de imediato, distinguem um brasileiro de um português; aspectos sintáticos, amplamente estudados por sociolinguistas e gerativistas, sobressaindo-se, nessa sintaxe, a colocação dos pronomes clíticos, e o sistema pronominal em geral; aspectos discursivos, ainda pouco estudados, que caracterizam modos de dizer próprios aos brasileiros e não aos portugueses. Para não falar das diferenças lexicais.
Deve-se enfatizar que o povo é brasileiro, mas a língua é portuguesa, isto é, ainda se tem traços colonialistas de Portugal. Pelo menos na nomenclatura, pois, na língua falada, difere-se e muito da língua portuguesa falada em Portugal.
Luft (1985, p. 45) diz que:
Aprende-se a nomenclatura gramatical e não a organização da língua a partir dos elementos gramaticais. Nesta perspectiva, negligencia-se o fato que todos os falantes, mesmo os não escolarizados “sabem tudo o que precisam para falar em seu nível de comunicação. Apenas não conhecem os termos técnicos, os nomes daquilo que sabem”.
Fala-se com entendimento. O emissor e o receptor trocam palavras e se comunicam no seu patamar de pensamento, mesmo sem conhecerem as normas gramaticais.
Para Spencer e Luft (1985, p. 52) dizem que:
Contudo, dominar a língua não significa falar estruturalmente, mas, sim, falar utilizando os recursos que a própria língua oferece, adequando o discurso ao interlocutor, dando clareza à expressão das ideias e é óbvio que não será pelo domínio da gramática padrão que se dominará a língua, pois “um menino não aprende a língua materna pela definição do adjetivo, substantivo, pronome, como não aprendemos a respirar estudando gravuras de pulmões”.
É um processo natural, pois, imitamos tudo. Se a nossa convivência for entre pessoas de certo nível de escolaridade, captamos o modo de falar e só repetimos o que ouvimos.
Segundo Luft (1985, p. 23):
Sempre que alguém fala, segue as regras de uma gramática, pois não se criam regras para construir expressões. Neste sentido, gramática designa as regras que individuo de fato aprendeu e utiliza. Esse conhecimento é inconsciente, constituindo o que se pode chamar de gramática natural da fala, sendo esta, flexível e variável, já que toda a língua em uso é viva e "e só línguas mortas são retratáveis num corpus fechado de regras.
A gramática é uma guia a ser seguido para aqueles que se enveredaram por ela, e com ela tenham afinidade. Mas para a maioria da população a gramática utilizada é aquela construída no dia a dia, ou seja, através da língua falada, que não para de se modificar.
Para Sírio Possenti, pelo site www.comciencia.br/reportagens/linguagem/ling02.htm, acessado em 6 de junho de 2010, diz que:
O ensino da língua portuguesa apresenta dois equívocos: um de natureza político-cultural e outro de natureza cognitiva. O primeiro é quando se diz que é injusto que se imponha a um grupo social os valores de outro grupo. O equívoco, segundo Possenti, é o de não perceber que os menos favorecidos socialmente só têm a ganhar com o domínio de outra forma de falar e de escrever. Desde que se aceite que a mesma língua pode servir mais de uma ideologia, a mais de uma função, o que parece hoje evidente. O segundo equívoco, conforme escreve em seu livro, “e imaginar que cada falante ou grupo de falantes só pode aprender e falar um dialeto (ou uma língua). Todas as evidências vão no sentido contrário”.
Nota-se que atualmente se tem esta concepção no cenário linguístico brasileiro, mas a língua falada no Brasil te sua própria identidade. A nossa língua é totalmente diferente da falada em Portugal, e no próprio Brasil em algumas regiões, a língua falada também é pronunciada de maneira diferente. Sem falar no estrangeirismo e no neologismo. A língua não para, e a cada dia ela se transforma.
Para Luft (1985, p. 72): “A função da escola é ajudar a aumentar a “capacidade comunicativa” dos alunos e afirma que a “escola deveria cuidar primariamente da fala dos”. alunos, único meio de comunicação que a imensa maioria deles terá pela vida toda”.
Entrevista concedida a Revista Nova Escola, Edicão 20Z, Novembro de 2007, pelo suiço Bernard Schneuwly:
Pergunta Nova Escola: Por que há um peso maior em ortografia e gramática?
Responde Schneuwly: Porque é mais fácil dar aulas sobre esses dois temas. Existem livros didáticos e dicionários disponíveis. No entanto, muitos educadores não sabem o que fazer no momento de trabalhar leitura e escrita. Eles precisam de material para isso.
Pergunta Nova Escola: Nas aulas eles devem ser ensinados antes dos escritos?
Responde Schneuwly: Eles podem ser vistos ao mesmo tempo. A escola não ensina a falar. E os brasileiros, particularmente, se expressam muito bem. As crianças daqui são fantásticas! O que precisamos é prepará-las para situações formais, como um debate, uma exposição para um grupo. Para nós, pode começar ao mesmo tempo, porque a escrita ajuda a oralidade e vice-versa.
A fala precisa ser trabalhada, e é através da gramática que essa fala encontrará suporte para uma oralidade que se adéque aos mais diversos tipos de situação, que exijam o uso de um linguajar mais formal.
Para Luiz Carlos de Assis Rocha em seu Livro Gramática: Nunca Mais, ano 2007, edição 1:
Há uma concepção generalizada entre as pessoas, quer se trate de professores de Português, quer se trate de cidadãos comuns de que somente é possível aprender o idioma materno com o auxílio da gramática. Este livro vem desmitificar concepção. De maneira clara e objetiva, o autor defende a eliminação do estudo da gramática na escola, mas não se limita a uma postura inconsequente simples supressão dessa prática pedagógica. Apoiada em argumentos de ordem pragmática, cultural e social, esta obra propõe um método prático e objetivo, que desenvolva as diversas competências linguísticas dos alunos, principalmente o domínio da língua padrão, sem o estudo da gramática.
Atualmente deve-se ensinar o aluno para a vida, e não para a gramática. Deve-se mesclar o conhecimento gramatical com o conhecimento empírico, ou seja, valer-se da contemporaneidade e dos registros e convenções já sedimentadas, sobre as normas postas como parâmetro.
Segundo Luiz Carlos de Assis Rocha que língua ensinar na escola, site: [email protected], acessado em 6 de junho de 2010, que diz:
Em meio à crise reinante no ensino de Português, uma pergunta paira sobre as cabeças dos professores: que tipo de língua deve ser ensinado no ensino básico? Existe a velha questão a respeito da norma culta: tradicionalmente é esse tipo de linguagem que deve ser ensinado na escola. Parece haver, porém, uma nova ordem envolvendo a questão. Com a liberação dos costumes, com os estudos variacionistas e com a valorização da linguagem que o aluno traz de casa, estaria fora de moda exigir o aprendizado da língua padrão na escola? Parece haver um equívoco de alguns linguistas, que defendem que o português usado no dia a dia é o que deve ser levado às escolas. Quais são as razões que levam o professor a adotar uma ou outra posição? No caso de se optar pelo ensino da norma culta, como fica a questão da gramática tradicional? É possível ensinar português, mesmo a norma-padrão, sem o estudo da gramática? O autor acredita que sim, e é isso que se pretende mostrar no presente curso.
Não se deve desprezar a norma culta, pois, pelo contrário, a fonte de saber gramatical deve ter sua serventia conservada e tida como um farol em meio à escuridão da língua. Uma luz para alumiar os novos navegantes da língua, pelo mar imenso do desconhecimento linguístico. Em meio ao novo cenário linguístico que estamos presenciando de mudanças culturais, política, social e etc. A língua portuguesa nunca mais será a mesma.
Alguns exemplos como na música, neste trecho interpretado pelo cantor de música sertaneja, Sérgio Reis, "nesta casa tem goteiras, pinga em mim". Sabe-se que pela norma gramatical, o correto seria: nesta casa há goteiras. Mas, na música existe esta liberdade com as palavras e o povo não reclama, se a construção gramatical apresenta erro.
Outro exemplo seria a seguinte expressão usada dominicalmente pelo apresentador Fausto Silva, "se vira nos trinta", pela norma seria: vire-se nos trinta. No comércio é muito comum a expressão: entregamos a domicilio, o correto seria: entregamos em domicílio. Estes exemplos foram observados de conversas informais: nós não pode votar, o correto seria: nós não podemos votar, eles eram muito crianças, o correto seria: eles eram crianças; para todos os parlamentares decidir, o correto seria: para todos os parlamentares decidirem; duas questão de tela, o correto seria: duas questões de tela.
3. Metodologia
A Metodologia utilizada foi a pesquisa qualitativa através de audições realizadas no templo da Igreja Evangélica da Assembleia de Deus na cidade de Itapajé-CE, situada na Praça Assembleia de Deus, s/n, Centro, Itapajé-CE, ocorridas na data de 6 de junho de 2010. Foram observadas palestras de três pastores, onde suas identidades foram mantidas no anonimato. O palestrante “A” proferiu a seguinte frase: " a obra de Deus é feita se nós quiser ", o palestrante “B” proferiu a seguinte frase: "…irmãos, nós tem que agradar a Deus…" e o palestrante “C” proferiu a seguinte frase: " nós tem que fazer um projeto de evangelização…".
4. Análise dos dados
Observou-se na fala dos palestrantes que os mesmos não tiveram contato com as normas gramaticais em seus discursos. Desprovidos de concordância verbal, ou seja, onde o verbo concorda com o sujeito em número e pessoa, e desprovidos também de concordância no plural com os pronomes do caso reto. Os palestrantes iniciam as frases no plural, mas não finalizam com o mesmo.
É muito comum na maioria dos indivíduos falantes não perceberem erros gramaticais nas suas próprias falas, quando estão conversando em rodas de amigos. Mas os diálogos são entendidos pelos membros da roda. Entende-se tudo que se fala. Existe comunicação mesmo com falhas gramaticais. Na linguagem falada, segundo a Sociolinguística havendo comunicação, entendimento entre os falantes, não ocorre erros na referida linguagem.
Sugere-se que indivíduos com esse tipo de problema na linguagem falada, procurassem corrigir este tipo de falha em sua linguagem, procurando um profissional da área, isto é, um professor de Língua Portuguesa, cursos de oratória, estudos de conjugação verbal e estudos de como realizar o plural de frases, pesquisas na internet e etc.
5. Considerações Finais
Pela observação em campo, detectaram-se duas ocorrências bastante comuns. A primeira apontou que o indivíduo falante não concorda em número, ou seja, inicia a frase no plural e finaliza no singular. E a segunda verificou-se que o indivíduo não realiza a concordância verbal em relação ao uso correto dos pronomes pessoais do caso reto, como nos exemplos a seguir: nós vai ao mercado, e ai nós pega o carro, deixa que nós come e etc.
Sabe-se que a través da sociolinguística estes erros gramaticais, não são erros, para a língua falada. Pois houve comunicação e entendimento entre os falantes. A gramática tem sim o seu papel na formação cognitiva do indivíduo, mas a língua falada ainda é dominante entre os indivíduos.
Primeiro aprende-se a falar, depois a escrever, e logo após estes processos vem o ensino da gramática.
A linguagem falada existia desde os primórdios da humanidade, somente depois, a língua falada foi transportada como objeto de estudo para a sala de aula pelos gramáticos.
A língua que se fala no cotidiano e a língua que se ensina em sala de aula, qual delas você prefere?
6. Referências
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BRASIL, Ministério da Educação e do Desporto. Parâmetros Curriculares Nacionais-língua portuguesa. Brasília (DF): MEC/SEF, 1997.
BRITTO, Luiz Percival Leme & D'ANGELIS, Wilmar da Rocha. Gramática de preconceitos
CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e Linguística. São Paulo: Scipione, 1997.
DO BRASIL, Constituição Federal, arts. 1°, inciso III, 3°, 6°, Vade Mecum Acadêmico de Direito / Anne Joyce Angher, organização. - 8. ed. - São Paulo : Rideel, 2009. - (Coleção de Leis Rideel).
ESCOLA, Revista Nova, Ediçcão 207, Novembro de 2007.
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MAROTE, João T. & FERRO, Gláucia. Didática da língua portuguesa. São Paulo: Ática, 1994.
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