A CF/88 não “discrimina para agravar”

Tem idade pra ser “jovem”? 35 é o máximo?

24/05/2019 às 20:05
Leia nesta página:

Lembro-me de um conto de distopia da adolescência.

A CF/88 fez uma opção preferencial pela cidadania. Isto se chama isonomia equilibrada com equidade: “tratar os iguais, igualmente; os desiguais, desigualmente”. Na prática, é para isto que servem as políticas afirmativas, para afirmar a inclusão dos discriminados, excluídos, vilipendiados em direitos. Outra nomenclatura, no tocante aos direitos humanos, é “discriminação positiva” e, juridicamente, recebe o apelido de “discrímen”. De toda forma, é uma válvula jurídica do Processo Civilizatório para equilibrar os pratos da Justiça Social: põem-se peso e ônus nos mais fortes e bônus e um vetor ascendente no caminho dos mais fracos ou enfraquecidos socialmente.
 Isto é o que prega a Constituição Federal de 1988, desde o preâmbulo e o artigo 5º, além dos capítulos sobre Saúde (art. 196), Previdência Social (art. 201), Assistência Social (art. 203), Educação (art. 205), Cultura (art. 215), Meio Ambiente (225), da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso (art. 226), Índios (art. 231) – aqui deveriam corrigir, em emenda constitucional, para “indígenas”.
 Especificamente, este é o caso da proteção constitucional ao idoso, bem como sua promoção, inclusão e respeito: “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”. No que seria acompanhado do próprio Estatuto do idoso.
 Assim, se a universidade (UFSCAR - Edital SRInter nº 14/2019) lança edital sobre evento internacional, destinado a “jovens pesquisadores”, limitando-se à “idade máxima” de 35 anos, comete equívocos e discriminações gratuitas: da mera suposição de que acima de 35 não se é mais jovem, à evidente interrupção do fluxo constitucional previsto no artigo 230 da Carta Política. Por falar em universidade, em que atos monocráticos têm guarida essa afirmativa, qual a base científica que sustenta esse recorte em 35 anos? Por que, no “reino do saber”, atropela-se a Constituição como se fosse uma folha de papel suja e descartada?
 Quando se fixa em 35 anos, talvez até com aporte de tribunais, diz-se que se corta “o além disso” por suposta convenção social. Neste caso, é preciso lembrar que o racismo também é comovente convenção social. Comumente, convenções sociais são discriminatórias – impositivas de desigualdades – e, certamente, essa de 35 anos para se definir quem é jovem, ainda mais num país atrasado como este, em que jovens chegam tardiamente aos estudos, é ferimento mortal à intenção maior da Carta Política.
 O problema, desconfiamos, é que não lemos a CF/88 – nem no início, a exemplo dos objetivos da própria Carta Política: “Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
 Além desse aqui: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, “sem distinção de qualquer natureza”, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (grifo nosso).
 Então, seguindo o que me perguntam: como assim? Aliás, conheço "jovens" bem velhos na cabeça empoeirada.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS
 

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos