A CF/88 é uma Carta de Direitos

É instituidora da “cidadania em concerto”.

25/05/2019 às 19:19
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E é promotora do ato pedagógico mais nobre da democracia.

Quando o jurista tem dúvidas, normalmente, ele consulta o famoso “pai dos burros”. Só que, via de regra, não é um dicionário, mas sim outro jurista que tenha teses e doutrinas quase-inquestionáveis. Portanto, para definir logo de início a CF/88 como Carta Política, faz-se uso aqui de um desses magos do Direito Constitucional – José Afonso descreve desse modo o que é uma Constituição:
“A constituição do Estado, considerada sua lei fundamental, seria, então, a organização dos seus elementos essenciais: um sistema de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que regula a forma do Estado, a forma de seu governo, o modo de aquisição e o exercício do poder, o estabelecimento dos seus órgãos, os limites de sua ação, os direitos fundamentais do homem e as respectivas garantias. Em síntese, a constituição é o conjunto de normas que organiza os elementos constitutivos do Estado” (2003, p. 37/38).
Desse reconhecimento, aplicado à CF/88, decorrem vários ensinamentos – vejamos por partes: 1) A Constituição é a Lei Fundamental (assim definida desde, 1949, na Alemanha pós-nazismo); 2) Trata-se de um sistema próprio de normas, destinado a estipular e regular o Poder Político; 3) No nosso caso, são normas escritas (porque a Constituição é positivada, escrita) que estabelecem um conjunto orgânico de direitos fundamentais; 4) Esses mesmos direitos fundamentais atuam como limitadores do Poder de Estado, no que se convencionou chamar de “liberdades negativas”; 5) Ou seja, nega-se a liberdade ao poder para agir de qualquer modo, sem escrutínio legal (Princípio da Legalidade); 6) Diz-se como o Estado deve agir, definindo-se a forma da governança, seus limites e obrigações, além das garantias constitucionais que a “cidadania em concerto” pode/deve utilizar a fim de obstaculizar ações estatais de cunho autocrático; 7) Por fim, “o modo de aquisição e o exercício do poder” (soberania popular) nos conduz ao modelo do Estado Democrático de Direito.
Como se vê, aplicando-se o conceito jurídico generalista de Constituição (de José Afonso da Silva) ao caso específico e emblemático da nossa Constituição Federal de 1988, abre-se a possibilidade de a encetarmos de acordo com um rígido sistema de direitos e de limitações institucionais, ao mesmo tempo em que se descortina outro rol de direitos e de garantias a fim de que a cidadania não apenas seja preservada, mas estimulada a “fazer-se política”.
Este é o “momento constitucional” em que tanto se retém o Poder Político da possibilidade de agir seguindo algum impulso ou refluxo democrático (fascismo), quanto se impõe um fluxo à soberania popular a fim de se garantir a inclusão da cidadania no interior dos próprios mecanismos de ação/decisão institucionais. Isto é, o sujeito de direitos, o indivíduo anônimo, o “animal político” é incitado a não só se ocupar dos assuntos da política cotidiana, mas, sobretudo, a tomar posse (apropriar-se) dos meandros da Política.
Ao assim agir, especialmente fazendo-se uso da descentralização e da desconcentração do poder, o cidadão ganha musculatura democrática (nos vários conselhos de cidadania, por exemplo) e, como “cidadão ativo”, participa do revigoramento do Princípio Democrático. Além de aí atuar como “educador que se educa por meio do direito”. Pedagogicamente, a Carta Política de 1988 ensina, estimula e protege a inserção da cidadania na seara e nas hostes do poder decisório. Esta “liberdade de ensinar e de aprender” o “fazer-se política” também é o que conceitua o Ato Pedagógico existente no exercício do direito democrático – e que é o cerne, o Objeto Positivo, da CF/88 no viés da Carta Política. O que, por fim, nos auxilia a compreender como se define e consubstancia a “cidadania em concerto”.

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SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 21ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2003.
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Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

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