A (DES)VINCULAÇÃO DO CONTRIBUÍNTE AO REGIME SIMPLIFICADO DE TRIBUTAÇÃO.

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Esse artigo visa identificar e explicar a legislação tributária em relação aos micro e pequenos empresários e seu regime de contribuição.

 

RESUMO

O trabalho em tela visa identificar o vinculo entre as legislações tributária e empresarial, mais precisamente em relação aos microempresários e o regime de tributos uma vez que é notável uma confusão prática entre tais aspectos. Para tal objetivo, é indispensável a utilização de doutrinas, jurisprudência, leis e outros artigos a fim de demonstrar definições polissêmicas de um mesmo aspecto. E assim, criar para os leitores uma maior compreensão dos conceitos apresentados. E desse modo, poderá o leitor empregar os conhecimentos adquiridos visando aplicar o regime tributário que mais o facilite enquanto microempresário.

 

Palavras Chaves: Simples Nacional Tributário, Microempresário, Tributação Empresarial, Hermenêutica.

 

INTRODUÇÃO

Sendo o Micro e pequeno empresário, espécies de enquadramentos para definir o porte empresarial, o seu gestor como leigo na interpretação das normas jurídicas adquire um conhecimento que, por diversas vezes, não corresponde ao verdadeiro alcance da norma que foi previsto pelo legislador.

Por essa ótica, é fundamental a aplicação do método hermenêutico jurídico, a fim de buscar a exegese normativa e a possibilidade de aplicá-la de maneira que esteja condicionada não apenas às exigências jurídicas, mas também ao desejo de seu dirigente.

No entanto, o empresário ao invés de compreender o real alcance jurídico da Lei Complementar 123/2006, relaciona suas experiências pessoais às normas “impostas” às suas atividades empresariais que, em muitos casos não correspondem ao interesse do legislador ocasionando, por consequência, uma interpretação viciosa e restrita, ao invés de criar para o contribuinte diversas possiblidades de escolha.

 

REVISÃO DE LITERATURA

O atual código civil brasileiro define como empresário todos aqueles que possuem as características encontradas no artigo 966.

Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.

 

Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.

 

Sendo assim, o microempresário é aquele que além de possuir as características descritas pelo Código Civil, detém os conceitos presentes na Lei Complementar nº 123/2006.

Art. 3º Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:

I - No caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais);

II - No caso de empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais)

Considera também o sistema de tributação simplificada (simples nacional), previsto na Lei Complementar nº 123/06 e que abrange a participação de todos os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios), um regime de arrecadação, cobrança e fiscalização de tributos que podem ser aplicáveis às empresas desde que estas possuam uma receita bruta de no máximo R$ 4.800.000,0.  Este regime possui como objetivo principal facilitar tanto a arrecadação de tributos dos micro e pequenos empresários cuja definição encontra-se exposta anteriormente, como também sua capacidade de crescimento e desenvolvimento como empresa uma vez que prevê redução nas alíquotas pagas pelo contribuinte.

 

1.HERMENÊUTICA JURIDICA E A EXEGESE NORMATIVA

Primeiramente, para o entendimento desse artigo é de extrema relevância compreender o conceito da palavra hermenêutica.  Posto que para alcançar o verdadeiro estudo das normas jurídicas brasileiras, utiliza-se sempre esta como base a fim de auferir o melhor entendimento possível.

 Segundo Maximiliano (2011, p.1 apud ANDRADE, 2016, p.2) o sentido da palavra hermenêutica “é a teoria científica da arte de interpretar”, isto é, “de determinar o sentido e o alcance das expressões do Direito”

Completa Andrade (2016) que:

para interpretar e aplicar com acerto o Direito, enquadrando adequadamente o fato em uma norma, o autor salienta que é indispensável que o exegeta bem compreenda o preceito para determinar com precisão seu conteúdo e alcance. Essa missão se torna mais trabalhosa quando a lei é imperfeita, incompleta ou ultrapassada, o que reclama que o hermeneuta, empregando inteligentemente os métodos ou processos de interpretação, supere antinomias e promova a adequada colmatação de lacunas normativas, adaptando os preceitos às necessidades (p.3).

 

Além disso, para Paulo José Freire Teotônio “ o Direito, de uma forma geral, deve ter por base os acontecimentos, fatos e interações sociais, dentro de uma base geográfica e atendidas as peculiaridades de cada população.”

Concordamos com os autores acima e entendemos que a hermenêutica é elemento fundamental na criação de leis para que estas possuam aplicação prática.

 

1.2 MICROEMPRESÁRIO LEI 123/2006

 

No aspecto da Lei Complementar nº 123/06, que define o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, vê-se em suas primeiras disposições que o tratamento especial a estes empresários será estabelecido da seguinte forma:

Art. 1o  Esta Lei Complementar estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte no âmbito dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, especialmente no que se refere:

I - à apuração e recolhimento dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mediante regime único de arrecadação, inclusive obrigações acessórias;

II - ao cumprimento de obrigações trabalhistas e previdenciárias, inclusive obrigações acessórias;

III - ao acesso a crédito e ao mercado, inclusive quanto à preferência nas aquisições de bens e serviços pelos Poderes Públicos, à tecnologia, ao associativismo e às regras de inclusão. 

IV - ao cadastro nacional único de contribuintes a que se refere o inciso IV do parágrafo único do art. 146, in fine, da Constituição Federal

Em um rol taxativo e acima exposto, a lei determina como tratará de forma especial tais empresários.

1.3 SIMPLES NACIONAL E A LEI 123/2006

 

Adiante, no mesmo corpo legal, o legislador desenvolveu a conexão entre o microempresário e o simples nacional adentrando em aspectos constitutivos e sua abrangência; determina a lei que as micro e pequenas empresas que optarem por esse regime tributário deverão seguir certas qualificações.

 

As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional ficam dispensadas do pagamento das demais contribuições instituídas pela União, inclusive as contribuições para as entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical, de que trata o art. 240 da Constituição Federal, e demais entidades de serviço social autônomo

 

 

 

Ao utilizar a palavra “optantes” torna-se claro o entendimento de que  é possível os micro e pequenos empresários escolherem qual o regime mais favorável e, caso adotem o simples nacional, é necessário que preencham os requisitos impostos, além das restrições definidas no parágrafo subsequente.

 

 

2. PROBLEMA DE PESQUISA

 

É notável na legislação a possibilidade de uma falsa interpretação jurídica ao empresário leigo ao relacionar ambos com um vinculo obrigatório. Sendo assim, estes compreendem que, para que estejam de acordo com a jurisdição brasileira e possam desenvolver suas atividades sendo um micro ou pequenos empresários, obrigatoriamente devem seguir o regime tributário do Simples Nacional.

No entanto, é claramente errônea tal interpretação visto que este tipo de regime tributário é apenas uma das opções possíveis. Porém, devido ao fato de ambos os conceitos estarem expostos na mesma legislação, além da maneira como foi redigida, leva os empresários a esse engano quando   poderiam optar por outras formas de pagamento de impostos que possam ser mais benéficos para seu negócio.

No artigo a seguir, por exemplo, o legislador poderia ter optado por utilizar palavras que não criassem ambiguidade, pois é quase de maneira automática uma leitura que leva os leigos a crerem na obrigatoriedade de tal regime.

 

Art. 12.  Fica instituído o Regime Especial Unificado de Arrecadação de Tributos e Contribuições devidos pelas Microempresas e Empresas de Pequeno Porte - Simples Nacional.

 

A fim de enfatizar a confusão legal tratada neste artigo, a Receita Federal  indica que 12,7 milhões de empresas são optantes do Simples Nacional em 2018, mas apenas 6,4 milhões de empresas no Brasil são representadas por micro e pequenas empresas (SEBRAE, 2018).

É notória a capacidade de não se enquadrar em micro e pequena empresa quanto a forma empresarial e, ainda sim, ser optante do simples nacional, e vice-versa.

Em momento algum a lei complementar determina as hipóteses cabíveis para se enquadrar no Simples Nacional. Nela está apenas descrito, de maneira taxativa, as proibições, ou seja, aqueles que de nenhuma forma poderão utilizar esse planejamento tributário. Estão as limitações expostas a seguir:

I - que explore atividade de prestação cumulativa e contínua de serviços de assessoria creditícia, gestão de crédito, seleção e riscos, administração de contas a pagar e a receber, gerenciamento de ativos (asset management), compras de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços (factoring);

II - que tenha sócio domiciliado no exterior;

III - de cujo capital participe entidade da administração pública, direta ou indireta, federal, estadual ou municipal;

IV - (REVOGADO)

V - que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa;

VI - que preste serviço de transporte intermunicipal e interestadual de passageiros, exceto quando na modalidade fluvial ou quando possuir características de transporte urbano ou metropolitano ou realizar-se sob fretamento contínuo em área metropolitana para o transporte de estudantes ou trabalhadores

VII - que seja geradora, transmissora, distribuidora ou comercializadora de energia elétrica;

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VIII - que exerça atividade de importação ou fabricação de automóveis e motocicletas;

IX - que exerça atividade de importação de combustíveis;

X - que exerça atividade de produção ou venda no atacado de: 

a) cigarros, cigarrilhas, charutos, filtros para cigarros, armas de fogo, munições e pólvoras, explosivos e detonantes;

b) bebidas não alcoólicas a seguir descritas

2 - refrigerantes, inclusive águas saborizadas gaseificadas;

3 - preparações compostas, não alcoólicas (extratos concentrados ou sabores concentrados), para elaboração de bebida refrigerante, com capacidade de diluição de até 10 (dez) partes da bebida para cada parte do concentrado;

4 - cervejas sem álcool;

c) bebidas alcoólicas, exceto aquelas produzidas ou vendidas no atacado por:                         

1. micro e pequenas cervejarias;                       

2. micro e pequenas vinícolas

3. produtores de licores

4. micro e pequenas destilarias

XII - que realize cessão ou locação de mão-de-obra;

XIV - que se dedique ao loteamento e à incorporação de imóveis.

XV - que realize atividade de locação de imóveis próprios, exceto quando se referir a prestação de serviços tributados pelo ISS.

XVI - com ausência de inscrição ou com irregularidade em cadastro fiscal federal, municipal ou estadual, quando exigível.

Nota-se nestes incisos que o legislador descreveu de maneira inequívoca e de fácil compreensão todas as hipóteses em que se exclui o simples nacional como regime de tributação.

 

Outrossim, utilizando-se da hermenêutica conceituada por Maximiliano e de forma a enfatizar a não obrigatoriedade de enquadramento em tal regime tem- se o parágrafo 2º do artigo 17, o qual utiliza o verbo “poderá” a vista que ao utilizá-lo declara ser esta uma possibilidade:

 

§ 2o  Também poderá optar pelo Simples Nacional a microempresa ou empresa de pequeno porte que se dedique à prestação de outros serviços que não tenham sido objeto de vedação expressa neste artigo, desde que não incorra em nenhuma das hipóteses de vedação previstas nesta Lei Complementar. (grifo nosso)

Confirmando, portanto, a nossa posição em relação ao exposto.

 

CONCLUSÃO

É visível, portanto, o vínculo oriundo das legislações que regem o âmbito societário e tributário e a complicação gerada entre os empresários em relação à hermenêutica do texto legal devido à forma como foram redigidas pelo legislador e o fato de estarem enquadradas na mesma lei.  Deveria o poder constituinte derivado brasileiro tecer as leis com a consciência de que esta servirá de base para toda a sociedade brasileira, a fim de colaborar com a interpretação legal, pois são notórias diversas complicações em diferentes âmbitos forenses.

Outrosim, é mister do legislador ao esculpir as leis ser cauteloso e utilizar da hermenêutica a fim de produzir legislações de fácil entendimento aos leigos  para que haja um real alcance normativo, evitando interpretações falaciosas como o ocorrido com a lei deste artigo cientifico.

            Por fim, conforme discorre Teotônio (2006) há um descaso por parte do legislador em produzir normas funcionais para a sociedade como um todo e não somente para uma minoria privilegiada.

Portanto, enquanto inexistir interesse do poder publico na reforma das normas com objetivo de ampliar sua aplicação e excluir vícios de interpretação, continuarão existindo contradições legislativas.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

A.    ANDRADE, Flávio.  A hermenêutica jurídica segundo Carlos Maximiliano, Brasília, v.18 n.9, 2016. Disponível em: <https://bdjur.stj.jus.br/jspui/bitstream/2011/107711/hermeneutica_juridica_segundo_andrade.pdf> Acesso em: 2 de abril de 2019

 

B.     BRASIL. Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006.. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/LCP/Lcp123.htm>. Acesso em: 02 abr. 2019.

 

C.     Receita Federal. Simples Nacional. Disponível em: <http://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/documentos/pagina.aspx?id=3>. Acesso em: 02 abr. 2019.

 

D.    Sebrae. Estudo de Mercado: Pequenos negócios em números. Disponível em: <http://www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/ufs/sp/sebraeaz/pequenos-negocios-em-numeros,12e8794363447510VgnVCM1000004c00210aRCRD>. Acesso em: 02 abr. 2019.

 

E.     Receita Federal. Estatísticas. Disponível em: <http://www8.receita.fazenda.gov.br/simplesnacional/arrecadacao/estatisticasarrecadacao.aspx>. Acesso em: 02 abr. 2019.

 

F.      TEOTONIO, Paulo José. O Confronto dos Principios de Direito com as Normas Derivadas do Sistema Global de Mercado. 2006, p.260.

 

Sobre os autores
Larissa Herrera

Acadêmica de Direito da Universidade de RIbeirão Preto - UNAERP. Ex- estagiária do escritório AJM advogados - Ribeirão Preto, estágiaria de férias em GoLiza Startup - São Paulo e também no escritório Trench Rossi Watanabe - São Paulo.

Paulo José Freire Teotônio

Graduado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP - turma de 1990), Pós-graduado (especialização) pela Faculdade de Direito Municipal de Franca. Mestre pela Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP-SP). Foi Coordenador dos Cursos de Direito das Faculdades Unificadas de Barretos (UNIFEB) e do Instituto Municipal de Ensino de Bebedouro (IMESB-VC). Atualmente, é Promotor de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo, na Comarca de Ribeirão Preto, atuando junto ao Jecrim, ministrando aulas no Curso de Direito das Faculdades ESTÁCIO-UNISEB e UNAERP.

Gabriel Vinicius de Souza

Acadêmico de Direito da Universidade de Ribeirão Preto (UNAERP). Orientador de Iniciação Científica. Pesquisador. Vice-Presidente do Centro Acadêmico 1º de Setembro Laudo de Camargo - CALAUD. Exestagiário da Câmara Municipal. Ex-estagiário do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. Estagiário no Cartório da 1ª Vara de Execuções Criminais do Tribunal de Justiça, na comarca de Ribeirão Preto - SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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