Uma greve invisível dos caminhoneiros boiadeiros na amazônia paraense

Algumas lições interessantes

29/05/2019 às 16:31
Leia nesta página:

Uma greve dos Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos que quase ninguém soube que aconteceu e que demonstra que algumas realidades cruciais são ignoradas nesta nossa imensa Região Amazônica

 

No dia 28/05/2019 (terça-feira), participei, na condição de assessor jurídico do SINDICAMPA - Sindicato dos Caminhoneiros Autônomos do Estado do Pará, de uma negociação estabelecida entre Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos e algumas das grandes empresas da indústria da carne local.

 

Os Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos, com atuação profissional na região do Município de Goianésia do Pará, como principais agentes transportadores de “boi vivo” destinado à exportação, iniciaram em 16/05/2019 (quinta-feira) uma forte paralisação em protesto às condições de trabalho que lhe são impostas pelo setores da pecuária e da indústria da carne:

 

O bloqueio no trevo de Goianésia do Pará, nas rodovias PA-150 e PA-263, vai para o terceiro dia consecutivo. A paralisação da rodovia só afeta, no entanto, os caminhoneiros que transportam gado.

A paralisação é feita por caminhoneiros boiadeiros autônomos. Eles cobram melhorias no valor dos fretes, manutenção das estradas e diminuição no valor do combustível.

Valor do frete

Atualmente o valor do frete é de R$ 2,20 por km, e os caminhoneiros querem o reajuste para R$ 3,00. Os principais clientes da categoria são grandes empresas de exportação de gado.

Os caminhoneiros bloquearam o trevo na manhã de quinta-feira (16). O trevo dar acesso aos municípios de Goianésia do Pará, Breu Branco, Tucuruí e Tailândia. (disponível em: https://portaltailandia.com/para/trevo-de-goianesia-do-para-continua-bloqueado-por-caminhoneiros-boiadeiros/)

 

Neste contexto o SINDICAMPA foi convidado a participar de uma reunião na qual estiveram representantes dos Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos e os representantes da indústria da carne, com a presença do SINDICARNE - Sindicato da Indústria da Carne e Derivados do Estado do Pará, ABEG - Associação Brasileira dos Exportadores de Gado, Mercúrio Alimentos S/A, Minerva S/A, Agroexport Trading e Agronegocios S/A.

 

Ficou evidenciado que a situação da exportação de carne, na modalidade “boi vivo”, encontrava-se em condição de total paralisia, com ameaça de iminente rompimento de contratos de exportação já estabelecidos, uma vez que se encontravam embarcações fundeadas nas cercanias do Porto de Vila do Conde, aguardando a chegada dos carregamentos de “boi vivo”, e, como já perdurava a paralisação por duas semanas, as referidas indústrias encontravam-se totalmente desabastecidas, seja para exportar, seja para o abate.

 

Por outro lado, como já referido no noticiário acima citado, uma das demandas dos Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos estava na defasagem do valor do frete, que se encontra abaixo do determinado na Tabela do Frete para cargas em geral, enquanto que a classe empresarial alegava que a carga específica relativa ao “boi vivo” ainda está pendente de regulamentação, e, por tal motivo, seria indevida a aplicação da Tabela do Frete publicada pela ANTT, pois afirmavam possuir “parecer jurídico” neste sentido.

 

Além do problema relacionado ao custo do frete, cujos valores são diferenciados conforme se trafega sobre estrada de asfalto ou sobre estrada de terra (piçarra), ainda foram expressadas demandas relativas às condições de trabalho na operação de transporte do “boi vivo” tais como a regulação da quantidade de gado transportado conforme o peso médio do gado, a regulação da responsabilidade a respeito de eventuais danos causados e/ou verificados no gado transportado, a padronização da documentação relativa à operação de frete, incluído aí a formalização junto aos criadores de gado das condições que devem ser atendidas para a efetivação do transporte de gado, entre outros assuntos.

 

A postura adotada pelo Presidente do SINDICAMPA, Sr. Eurico Tadeu, em conjunto com este assessor jurídico, foi no sentido de que se respeitasse a Tabela de Frete, na modalidade carga geral, e que os valores a serem ajustados atendessem este limite legal, pois a entidade sindical não coaduna com o descumprimento da lei, todavia, quando o representante do SINDICARNE agiu com pouca urbanidade e passou a esbravejar contra tal postura, o SINDICAMPA informou que abandonaria a negociação, e, após tais fatos um dos caminhoneiros participantes da reunião informou que a negociação não atendeu às demandas econômicas, mas que foi fechado um compromisso de suspender-se a greve para o prosseguimento da negociação, e, que algumas demandas não-econômicas foram provisoriamente atendidas.

 

E, assim, a partir de hoje, dia 29/05/2019, as atividade dos Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos retornaram, e, algumas lições ficaram para este escriba que vos fala por meio desta conversa impressa:

 

Primeira lição: os Caminhoneiros Autônomos possuem poder de pressão comercial que é capaz de impor elevadas perdas econômicas em setores que sistematicamente os desrespeitem, mas tal força não é exercida sem grande sacrifício pessoal de cada um dos caminhoneiros envolvidos;

 

Segunda lição: a imensidão do Brasil, e, também, a dimensão do Estado do Pará permite que uma greve que perdura por duas semanas, ao ponto de ameaçar as exportações de carne e o abastecimento local, seja um movimento desconhecido, invisível, o que demonstra o quanto é ignorada a existência da categoria dos caminhoneiros, em particular os Caminhoneiros Boiadeiros Autônomos que atuam no sentido de abastecer nossas mesas;

 

Terceira lição: o setor da indústria da carne do Estado do Pará é um grande ausente no grande jogo da discussão da Tabela do Frete, e, sob a pobre desculpa de que o setor não está regulamentado, perde a oportunidade única de ver uma modalidade transporte de carga especial de “boi vivo” ser regulada sem a sua participação, por pura e simples omissão e comodismo;

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Quarta lição: a necessidade de que os Caminhoneiros Autônomos prossigam exigindo o cumprimento da lei que impõe a observância da Tabela do Frete, uma vez que é uma classe empresarial e laboral ao mesmo tempo, cujo lucro destina-se à manutenção de suas famílias e de seus negócios sobre rodas, uma classe média esquecida e abandonada, cuja força eventualmente tem que ser demonstrada para impor respeito que lhe é devido.



 

Sobre o autor
Werner Nabiça Coêlho

Advogado, especialista em direito tributário pela UNAMA/IBET

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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