Com a conscientização dos cidadãos brasileiros, devido aos escândalos e desvios feitos pela classe política, minimizando os direitos sociais da população, com a alegação de que o orçamento está reduzido, e não há possibilidade de atendimento a todos os anseios da sociedade, justificando pelo que chamam de reserva do possível. A Constituição Federal em seu artigo 6º, prevê os direitos sociais, e se tais direitos não estão sendo atendidos, poderia haver o controle do Judiciário, mas o Judiciário adentrando ao mérito do ato administrativo, o juiz não tem função administrativa e poderia invadir a chamada conveniência e oportunidade somente permitida ao executivo que é o detentor do orçamento público. Para isso a discricionaridade é prevista em lei.
Várias ações são ajuizadas por cidadãos buscando direitos não concedidos pela gestor público, tais como medicamentos e tratamentos de saúde, muitas vezes de valores exorbitantes, valores estes não previstos no orçamento da Administração Pública, o que faria com que o gestor público fosse penalizado se aprovasse, por não cumprir com o orçamento público já aprovado e estaria cometendo uma improbidade administrativa.
Percebe-se que existem muitas ações judiciais julgadas procedentes, concedendo direitos negados pela Administração Pública por exemplo:
O direito à saúde é prerrogativa constitucional indisponível, não podendo o Estado se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. Esse é o entendimento da Suprema Corte, senão vejamos: 'AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO À SAÚDE. MEDICAMENTO DE BAIXO CUSTO. FORNECIMENTO PELO PODER PÚBLICO. SOLIDARIEDADE DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que, apesar do caráter meramente programático atribuído ao art. 196 da Constituição Federal, o Estado não pode se eximir do dever de propiciar os meios necessários ao gozo do direito à saúde dos cidadãos. O fornecimento gratuito de tratamentos e medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes é obrigação solidária de todos os entes federativos, podendo ser pleiteado de qualquer deles, União, Estados, Distrito Federal ou Municípios. Agravo regimental a que se nega provimento.' (AI 822882 AgR, Relator(a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 10/06/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-151 DIVULG 05-08-2014 PUBLIC 06-08-2014). (grifos no original). (Acórdão 1069285, maioria, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 1ª Câmara Cível, data de julgamento: 23/1/2018).[1]
Há o surgimento de um movimento chamado ativismo judicial, onde judicialmente conseguiria-se concretizar os direitos sociais do cidadão. Mas a questão suscita dúvidas jurisprudenciais e doutrinárias, pode o juiz que não foi eleito pelo povo implementar políticas sociais, afinal são os representantes políticos escolhidos pela população que teria essa função.
Com as várias decisões tomadas nos Tribunais Superiores e portanto criando jurisprudências, o Judiciário está se tornando coautor das políticas públicas e sociais, isto está infringindo a independência dos poderes, ou está respeitando a aplicação do sistema de freios e contrapesos, muito importante num regime democrático. Quando o Legislativo e o Executivo não implementam políticas sociais necessárias deve o Judiciário exercer esse controle?
Há variadas decisões judiciais impondo obrigações à Administração pública como fornecimento de medicamentos, tratamentos de saúde, criação de vagas em creches e escolas, portanto interferindo em políticas públicas, e interferindo na discricionaridade dos gestores públicos, fazendo surgir uma tênue linha entre a independência dos poderes e o bem estar da população, o Judiciário é também um poder do Estado e estaria colaborando com o bem estar da sociedade, fazendo sua função de distribuir justiça, deste modo até mesmo uma justiça social.
O que na verdade se percebe claramente é que a Constituição Federal tentou coibir os abusos por parte de qualquer dos poderes, tentando evitar que o Executivo e o Legislativo pratique ilegalidades por ação ou omissão se escondendo sobre a discricionariedade, bem como para evitar que o Judiciário intervisse em qualquer ato dos outros poderes sem que fosse provocado, prevendo em seu artigo 2º que os poderes devem ser independentes e harmônicos entre si.
O cidadão tem todo o direito de exigir seus direitos e é através de um funcional e eficaz sistema de controle interno e externo dos atos administrativos que esses direitos vão ser garantidos. Há a necessidade dos agentes públicos e da Administração Pública se informar, organizar e se modernizar para prestar um serviço público eficiente capaz de suprir a necessidade da população.
Verifica-se que todo e qualquer ato administrativo emitido pela Administração que cause lesão ou ameaça à direito é passível de apreciação pelo Poder Judiciário. Na discussão doutrinária e jurisprudencial não há qualquer dúvida quanto ao controle jurisdicional dos atos administrativos vinculados, afinal tais atos não permitem comportamento diferente do agente público.
Se restou incontroverso o amplo controle jurisdicional sobre os atos vinculados, não há unanimidade quanto ao controle judicial sobre os atos discricionários, ficando definido por boa parte dos doutrinadores, que há impossibilidade de controle pelo judiciário por parte destes atos, pois o julgador, ao mandar cancelar algo autorizado por lei ao agente público, de acordo com sua subjetividade, estaria infringindo a necessária independência entre os poderes. No entanto percebeu que a discricionariedade permitido ao gestor público pode servir como uma autorização para atos ilegais.
Surgiu então uma nova corrente doutrinária e jurisprudencial, alegando a possibilidade do Judiciário exercer o seu controle sobre o mérito, invalidando ato que mesmo discricionário lesava direitos, ou até mesmo obrigar a Administração Pública a fornecer direitos à população que foram negados com a justificativa da reserva de direito ou falta de orçamento. Surgiram decisões de juízes de primeiro grau e de instâncias superiores, atendendo o clamor da sociedade pela eficiência do poder público. Muitas vezes a discricionaridade acabou servindo de desculpa, de artifício para que os gestores públicos se abstivessem de garantir as condições mínimas para a população, para que pudessem ter uma vida com um mínimo de dignidade, alegando outras necessidades e construindo obras faraônicas em que claramente procuraram se locupletar pela corrupção, tentando limitar o controle do Poder Judiciário dizendo estavam fazendo tudo dentro da legalidade fazendo uso negativo da discricionaridade garantida constitucionalmente.
Verifica-se portanto que o Poder Judiciário ultrapassou a análise somente do aspecto da legalidade e está fazendo uso de princípios como a moralidade, finalidade pública e eficiência, ou mesmo do preceito da igualdade ou dos princípios do direito como a proporcionalidade e a razoabilidade para julgar os atos praticados pela Administração Pública.
Apesar do observado, a discricionariedade deve ser mantida aos agentes públicos, pois é importante ferramenta para a governabilidade e consecução do bem social, no entanto verifica-se que o Poder Judiciário tornou-se o principal guardião em relação aos incompetentes ou mesmo desonestos administradores públicos que valem-se da discricionariedade para seus fins particulares.
Portanto se a sociedade não se organizar seja através de conselhos ou associações, para fazer o controle da Administração Pública haverá o risco do Judiciário se tornar um superpoder e acabe jurisdicionando, legislando e administrando, fazendo surgir uma espécie de ditadura da toga.
Concluindo-se, verifica-se que o debate a respeito do controle judicial dos atos administrativos está longe de encerrar-se, principalmente a respeito da discricionaridade permitida aos gestores públicos e a intromissão do Poder Judiciário. De um lado está o princípio da separação dos poderes e do outro a proteção dos direitos individuais e sociais da população garantidos pela Constituição Federal. Se os direitos não são garantidos pelo Executivo e Legislativo, o cidadão se socorre do Judiciário, que não pode se furtar de resolver os conflitos suscitados.
1. TJ/DF Acórdão 1069285, maioria, Relator: ROBSON BARBOSA DE AZEVEDO, 1ª Câmara Cível, data de julgamento: 23/1/2018). Disponivel em: <https://www.tjdft.jus.br/consultas/consultas-processos-fisicos/jurisprudencia/jurisprudencia-em-foco/jurisprudencia-em-detalhes/saude-publica/fornecimento-de-medicamento-de-alto-custo-2013-dever-do-estado>. Acesso em 12 mai. 2019.