1. INTRODUÇÃO
Em todo o mundo se observou, nas últimas décadas, a massificação das relações jurídicas negociais em razão da consolidação da economia globalizada e do capitalismo de mercado. Esse fenômeno, de um lado, concorreu para o desenvolvimento de técnicas de produção de bens de consumo em série e, de outro, para o aumento exponencial das relações contratuais em que o consumidor atua diretamente.
Observe-se que um dos principais vetores desse processo foi a ampliação e facilitação do acesso ao crédito, instrumentalizado, no maior das vezes, por contratos de mútuo ou financiamento ao consumidor.
Ocorre que esse incremento no volume de negócios jurídicos financeiros trouxe consigo uma das questões judiciais de maior participação no fenômeno da repetitividade de processos em todo o território nacional: cuida-se das chamadas “ações revisionais de contrato bancário”.
Tais ações buscam, em síntese, a atuação do Poder Judiciário no controle das cláusulas contratuais reputadas ilegais ou que configurem abuso de direito por parte dos agentes financeiros, a fim de que sejam conformadas com o ordenamento pátrio, em especial com os princípios que formam a matriz axiológica do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.072/90) e do Código Civil (Lei nº 10.406/2002).
Destaca-se, nesse contexto, que um dos pontos de maior relevância jurídica apresentada aos operadores do direito foi a necessidade de compreensão e delimitação de elemento negocial especialmente intrincado nos contratos de crédito objeto das ações revisionais: os juros remuneratórios.
Justamente em razão dessa relevância, o Superior Tribunal de Justiça, no ano de 2008, procedeu ao julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, observando o procedimento dos recursos repetitivos estabelecido pelo art. 543-C, do Código de Processo Civil, oportunidade em que foram assentadas importantes orientações jurisprudenciais relativas às ações revisionais de contrato, sendo objeto desse estudo, em particular, as definições relativas a fixação das taxas de juros remuneratórios.
Tal julgamento, ao fixar os parâmetros jurisprudenciais básicos quanto a questão dos juros remuneratórios, apresentou-se como importante marco na jurisprudência dos demais tribunais pátrios, merecendo especial consideração a alteração promovida junto ao Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
2. OS JUROS REMUNERATÓRIOS NOS CONTRATOS DE MÚTUO
Conforme determina o art. 586 do Código Civil, o contrato de mútuo é aquele em que ocorre “o empréstimo de coisas fungíveis e o mutuário é obrigado a restituir ao mutuante o que dele recebeu em coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. De se ressaltar que “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros”, na linha do que dispõe o art. 591 do Diploma Civil, primeira parte.
Para PLÁCIDO E SILVA, mútuo: “Derivado do latim mutuus, de mutuari (emprestar ou dar por empréstimo); é, na linguagem técnico-jurídica, empregado para designar o contrato de empréstimo oneroso, em distinção ao comodato, que é o empréstimo gratuito. É definido como o contrato real, pela qual umas das parte entrega à outra coisa fungível, isto é, coisa que possa ser substituída por outra da mesma espécie, da mesma qualidade e na mesma quantidade, assumindo essa outra parte a obrigação tão logo se finde o prazo, que se estabeleceu no contrato, de dar ao contratante que lhe entregou inicialmente, outro tanto em qualidade e quantidade se assim se tiver estipulado.” BEVILÁQUA, assim define o contrato de mútuo: “O contrato pelo qual alguém transfere a propriedade de coisa fungível à outrem, que se obriga a lhe pagar coisa do mesmo gênero, qualidade e quantidade”. Acrescenta RIZZARDO: “Embora, por natureza, o mútuo tenha surgido como gratuito, a regra, hoje, é que seja oneroso”, seguindo MONTEIRO: “Constituem os juros o proveito retirado do empréstimo do capital, ou a renda do dinheiro, como o aluguel é o preço correspondente da coisa locada no contrato de aluguel.”.
Observe-se, ainda, conforme lições de FARIAS e ROSENVALD, que “são elementos essenciais do contrato de mútuo: (i) a efetiva entrega da coisa mutuada; (ii) a fungibilidade e consuntibilidade do bem; e (iii), ainda, a garantia de restituição da coisa emprestada”.
Já no que se refere ao contrato de mútuo feneratício, denominação dada aos contratos em em que há empréstimo de dinheiro, merece especial consideração a posição jurisprudencial relativa à parte final do art. 591 do Código Civil, que determina: “Destinando-se o mútuo a fins econômicos, presumem-se devidos juros, os quais, sob pena de redução, não poderão exceder a taxa a que se refere o art. 406, permitida a capitalização anual”.
Explica COELHO que “A remuneração pelo empréstimo de coisa fungível denomina-se juros. Eles são pagos, normalmente, em dinheiro, mesmo quando o objeto do contrato é coisa fungível diversa. Os juros remuneratórios são convencionais porque resultam de contratos entre mutuante e mutuário, independentemente dos fins do mútuo (malgrado presumidos pela lei no mútuo de fins econômicos)”.
Destaque-se que o art. 406 do Código Civil, segundo orientação doutrinária e jurisprudencial consolidada, remete o intérprete ao art. 161, §1º da Lei nº 5.172 de 1966 – Código Tributário Nacinal, que estabelece que “Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês”.
Sobre o tema, interessante observar o Enunciado nº 20 da II Jornada de Direito Civil - CJF:
“Art. 406: a taxa de juros moratórios a que se refere o art. 406 é a do art. 161, § 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% (um por cento) ao mês. A utilização da taxa SELIC como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do art. 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o art. 192, § 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% (doze por cento) ao ano”.
Como se pode observar, segundo a literalidade do art. 591 do Código Civil, os contratos de mútuo feneratício possuem como limite de fixação da taxas dos juros remuneratórios àquele estabelecido pelo Código Tributário Nacional, a saber, de 12% ao ano.
Ocorre que tal previsão legal sempre gerou perplexidade na doutrina e na jurisprudência, razão pela qual, em 27 de maio de 2009, o STJ editou o Verbete Sumular nº 382, pelo qual restou fixado que “A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade”. Com a edição do verbete, a propósito, restou assente que os juros remuneratórios dos contratos de mútuo não estão sujeitos às regras estabelecidas no Decreto nº 22.626 de 1933 – comumente denominado Lei da Usura.
Nesse sentido, inclusive, já havia o Supremo Tribunal Federal editado o Verbete Sumular nº 596, no sentido de que “As disposições do Decreto nº 22.626/33 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional”.
Outro ponto relevante para a compreensão dos limites para a fixação das taxas de juros remuneratórios nos contratos de mútuo feneratício é a observação da jurisprudência do STJ no que se refere à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor no âmbito relações negocias de índole bancária.
Note-se que, após alguma recalcitrância, a jurisprudência superior se inclinou para a possibilidade de aplicação do CDC aos contratos bancários, mormente quando perfeitamente caracterizada a presença dos sujeitos polarizadores de relações de consumo, na linha conceitual dos artigos 2º e 3º, caput, e §2º, da Lei nº 8.072 de 1990. Nesse quadro, merece destaque também a edição do Verbete Sumular de nº 297 pelo STJ, disparando que “O Código de Defesa do Consumidor é aplicável as instituições financeiras”.
Diante desse quadro, surge, então, a necessidade de conformação dos juros remuneratórios à regra esposada no art. 39, inciso V, e art. 51, inciso IV, ambos do Código de Defesa do Consumidor, nos seguintes termos:
“Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: I - (…); II - (…); III - (…); IV - (…); V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva; (...)”
“Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que: I - (…); II - (…); III - (…); IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade (...);
Conforme se pode observar, a conjugação das orientações jurisprudenciais consolidadas nos Verbetes Sumulares nº 297 e 382 do Superior Tribunal de Justiça determinou a necessidade de equalização de dois vetores aparentemente contrapostos, pois, se de um lado, os juros remuneratórios não deveriam se sujeitar à limitação legal do art. 591, combinado com art. 406, ambos do Código Civil, de outro, a remuneração do capital emprestado, materializada na fixação dos juros remuneratórios, não poderia configurar a exposição do consumidor à desvantagem exagerada, pena de malferimento dos princípios protetivos do Direito Consumerista.
Tal situação, como se pode antever, criou verdadeira oscilação doutrinária e jurisprudencial, mormente porque fomentou relativa insegurança jurídica no que se refere compreensão dos limites axiológicos contidos nas normas versadas pelos artigos 39, inciso V, e artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, especificamente no que pertine aos conceitos “vantagem excessiva” e “desvantagem exagerada”.
Segundo NUNES, a propósito, “a onerosidade excessiva para o consumidor está ligada ao princípio da equivalência contratual”, e que “Ela há que ser aferida no caso concreto. Pode acontecer de, no ato do fechamento do pacto, a cláusula não ser abusiva, mas, posteriormente, em razão de fatos supervenientes, vir a tornar-se excessivamente onerosa”.
Acrescenta ALMEIDA que “qualquer obrigação capaz de ofender os princípios do Código de Defesa do Consumidor será considerada uma vantagem manifestamente exagerada” e que, a par disso, “a Lei n. 8.078/90 considera manifestamente exagerada a obrigação que restringir direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal sorte a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual”.
Não se pode descurar, a propósito, que a adequada compreensão dos referidos conceitos legais extrapola a simples análise semântica ou técnica (econômico-financeira) da expressão.
A problemática repousou, em essência, na necessidade de composição de dois fundamentos consagrados expressamente pela Constituição Federal: a liberdade contratual, inerente ao Princípio da Livre Concorrência, e a Proteção do Consumidor, para a qual deve concorrer o controle judicial no âmbito do Direito Contratual – art. 170, incisos IV e V da Constituição Federal de 1988.
Diante desse quadro, e muito embora a questão tenha matriz constitucional, como destacado, coube ao Superior Tribunal de Justiça, no exercício da precípua missão de uniformização da jurisprudência pátria, estabelecer um novo parâmetro jurisprudencial objetivo para aferição dos limites de fixação dos juros remuneratórios nos contratos de mútuo feneratício permeados pelas normas do Direito Consumerista.
Tal mister restou cumprido, de modo concreto, em 28 de outubro de 2008, com o julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, que teve a relatoria da Ministra NANCY ANDRIGHI.
3. O RECURSO ESPECIAL Nº 1.061.530/RS
Conforme anteriormente assinalado, em 28 de outubro de 2008, o Superior Tribunal de Justiça, cumprindo com a missão precípua consagrada no art. 105, inciso III, alínea 'c', da Constituição Federal, e valendo-se do procedimento estabelecido pelo art. 543-C do Código de Processo Civil, procedeu ao julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, no qual restou analisada, dentre outras, a intrincada questão relativa à possibilidade de limitação das taxas de juros remuneratórios fixadas em contratos mútuo em que haja incidência do Código de Defesa do Consumidor.
Restaram debatidas pela Corte Especial, naquela oportunidade, questões então bastante controvertidas na jurisprudência pátria, as quais, após proferido o julgamento, ensejaram a redação de cinco “Orientações” representativas de jurisprudência paradigmática, as quais trataram especificamente dos seguintes temas: Orientação 1 – Juros Remuneratórios; Orientação 2 – Configuração da Mora; Orientação 3 – Juros Moratórios; Orientação 4 – Inscrição/Manutenção em Cadastros de Inadimplentes; e 5 – Disposições de Ofício.
Note-se a redação da primeira Orientação jurisprudencial:
ORIENTAÇÃO 1 - JUROS REMUNERATÓRIOS:
a) As instituições financeiras não se sujeitam à limitação dos juros remuneratórios estipulada na Lei de Usura (Decreto 22.626/33), Súmula 596/STF;
b) A estipulação de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano, por si só, não indica abusividade;
c) São inaplicáveis aos juros remuneratórios dos contratos de mútuo bancário as disposições do art. 591 c/c o art. 406 do CC/02;
d) É admitida a revisão das taxas de juros remuneratórios em situações excepcionais, desde que caracterizada a relação de consumo e que a abusividade (capaz de colocar o consumidor em desvantagem exagerada - art. 51, §1º, do CDC) fique cabalmente demonstrada, ante às peculiaridades do julgamento em concreto.
Observe-se, de imediato, que as três primeiras alíneas consolidaram entendimentos jurisprudenciais já anteriormente pacificados, conforme já destacado.
Entretanto, especial relevância pode ser observada na orientação versada na alínea “d”, eis que, de um lado, foi estabelecida, definitivamente, a possibilidade de intervenção judicial na liberdade contratual, quando acionado para tanto o Poder Judiciário e, de outro, restou consubstanciado efetivo critério jurídico para a verificação das hipóteses de limitação ou redução dos juros remuneratórios estabelecidos em contratos de mútuo em que figure o consumidor como contratante.
Autorizou-se, definitivamente, pois, a revisão dos juros remuneratórios que configurem abusividade. Dito de outra forma, tornou-se incontroversa a viabilidade de limitação das taxas de juros que importem desvantagem exagerada ao consumidor, aplicando-se o art. 39, inciso V, da Lei Consumerista às referidas cláusulas contratuais.
A par disso, e sem se descurar da importância que a orientação jurisprudencial teve no cenário jurídico, pode-se claramente notar que a premissa assentada ainda assim se apresentou relativamente vaga e imprecisa para a equalização de situações concretas. Com efeito, apesar de estabelecida a aplicabilidade dos critérios fulcrados na situações de “abusividade” e “vantagem exagerada”, entendeu necessária a Corte Superior a fixação de parâmetro mais objetivo para a verificação de incidência limitação judicial.
Nesse ponto, interessante observar que não se olvidou a Senhora Ministra Relatora Nancy Adrighi de recorrer a importantes julgados antes proferidos pela Corte, nos quais restaram utilizadas, como parâmetro de aferição das taxas contratuais de juros remuneratórios levadas à apreciação judicial, as Taxas Médias de Juros praticas ela Instituições componentes do Sistema Financeiros Nacional, divulgadas mensalmente pelo Banco Central do Brasil.
Observe-se, a propósito, a ementa de dois dos julgados citados pela Ministra, os quais ilustraram a jurisprudência anterior da Corte no que pertine à utilização das taxas médias como parâmetro de aferição de eventual abusividade:
“DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 407.097/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/03/2003, DJ 29/09/2003, p. 142)”
“DIREITO COMERCIAL. EMPRÉSTIMO BANCÁRIO. JUROS REMUNERATÓRIOS. Os negócios bancários estão sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor, inclusive quanto aos juros remuneratórios; a abusividade destes, todavia, só pode ser declarada, caso a caso, à vista de taxa que comprovadamente discrepe, de modo substancial, da média do mercado na praça do empréstimo, salvo se justificada pelo risco da operação. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 420.111/RS, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro ARI PARGENDLER, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 12/03/2003, DJ 06/10/2003, p. 202)”
Como se pode observar, a Corte Superior já no de 2003 passou a utilizar como parâmetro de abusividade dos juros remuneratórios a taxa média de mercado, critério este que foi reconhecido como adequado e razoavelmente objetivo.
Interessante que se acrescente, a partir disso, que a utilização da taxa média de mercado como parâmetro de aferição de abusividade deve ser realizada, sempre, com especial atenção às particularidade dos contratos objeto de apreciação judicial. Não se deve proceder, pois, a utilização da taxa média como limite máximo para as taxas contratadas no respectivo período. Trata-se, na verdade, de um critério médio, o qual deve ser analisado conjuntamento às particularidades do caso em concreto.
Nesse exato sentido, ponderou a Ministra Relatora Nanci Andrghi:
“(...) A taxa média apresenta vantagens porque é calculada segundo as informações prestadas por diversas instituições financeiras e, por isso, representa as forças do mercado. Ademais, traz embutida em si o custo médio das instituições financeiras e seu lucro médio, ou seja, um 'spread' médio. É certo, ainda, que o cálculo da taxa média não é completo, na medida em que não abrange todas as modalidades de concessão de crédito, mas, sem dúvida, presta-se como parâmetro de tendência das taxas de juros. Assim, dentro do universo regulatório atual, a taxa média constitui o melhor parâmetro para a elaboração de um juízo sobre abusividade. Como média, não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo. Há, portanto, que se admitir uma faixa razoável para a variação dos juros. A jurisprudência, conforme registrado anteriormente, tem considerado abusivas taxas superiores a uma vez e meia (...) ou ao triplo (...) da média. Todavia, esta perquirição acerca da abusividade não é estanque, o que impossibilita a adoção de critérios genéricos e universais. A taxa média de mercado, divulgada pelo Banco Central, constitui um valioso referencial, mas cabe somente ao juiz, no exame das peculiaridades do caso concreto, avaliar se os juros contratados foram ou não abusivos”.
Como se pode observar das considerações feitas pela nobre julgadora, a aferição da abusividade das taxas de juros remuneratórios pactuadas não deve ser realizadas apenas considerando a eventual extrapolação dos índices média, mas mediante análise das circunstâncias que envolvem o contrato firmado, como, exemplificadamente, a relação do consumidor com a instituição financeira e o grau de garantia do contrato.
4. A JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL
Diante do julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça, que pretendeu dar harmonia à jurisprudência pátria quanto ao tema relativo às taxas de juros remuneratórios dos contratos de mútuo ao consumidor, a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul que, antes do julgamento, entendia viável a limitação dos juros remuneratórios em doze pontos percentuais ao ano (12% a.a), justamente em face da aplicação das normas consumeristas, passou a também utilizar a média das taxas praticadas no mercado como parâmetro de aferição de eventual abusividade.
Notem-se alguma ementas de apelações julgadas antes enfrentamento da questão pelo Superior Tribunal de Justiça, em outubro de 2008:
“(...) É nula a taxa de juros remuneratórios em percentual superior a 12% ao ano porque acarreta excessiva onerosidade ao devedor em desproporção à vantagem obtida pela instituição credora, por aplicação do art. 51, IV, do CDC. (Apelação Cível Nº 70022304976, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dorval Bráulio Marques, Julgado em 19/12/2007)”
“(...) É de ser declarada a nulidade da previsão contratual acerca dos juros, por caracterizar a excessiva onerosidade do contrato, permitindo que o consumidor ocupe posição nítida e exageradamente desvantajosa. Índice reduzido para 12% ao ano, por incidência da regra geral advinda da combinação dos artigos 591 e 406 do Código Civil vigente, e 161, § 1º, do Código Tributário Nacional. (Apelação Cível Nº 70022287817, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Isabel de Borba Lucas, Julgado em 19/12/2007)”.
“(...) Ausente qualquer justificativa por parte do fornecedor para a imposição ao consumidor de taxa de juros excessiva como obrigação acessória em contrato de consumo, o restabelecimento do equilíbrio das obrigações exige a redução da taxa de juros remuneratórios fixada em contrato de adesão. Juros reduzidos para 12% (doze por cento) ao ano, com fundamento exclusivamente no disposto no art. 52, inciso II c/c os arts. 39, inciso V e 51, inciso IV, todos da Lei nº 8.078/90. Apelação Cível Nº 70018340034, Décima Q Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em 21/12/2007”
Em sequência, observe-se ementas de julgados do TJRS posteriores ao Recurso Especial nº 1.061.530/RS, em que há orientação firmada no recurso paradigmático:
“(...) JUROS REMUNERATÓRIOS. A sua fixação em percentual superior à média de mercado é abusiva. Juros passíveis de limitação à taxa média de mercado divulgada pelo Bacen, como no caso. (Apelação Cível Nº 70039942040, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Sejalmo Sebastião de Paula Nery, Julgado em 16/12/2010)”.
“(...) JUROS REMUNERATÓRIOS. Não é abusiva a contratação de juros remuneratórios quando fixados nos limites da taxa média de mercado publicada pelo Banco Central do Brasil. (Apelação Cível Nº 70038485322, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dorval Bráulio Marques, Julgado em 16/12/2010)”.
“(...) JUROS REMUNERATÓRIOS. Não se verifica abusividade nos juros remuneratórios quando contratados nos limites da taxa média de mercado divulgada pelo BACEN. (Apelação Cível Nº 70038533741, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Julgado em 16/12/2010)”
Conforme se pode observar, aparentemente alguns julgadores gaúchos passaram a utilizar as taxas médias de juros remuneratórios divulgados pelo Banco ventral do Brasil como limite para as taxas submetidas à revisão contratual.
Na prática, passou-se a observar na revisão dos contratos bancários submetidos à Corte Gaúcha o estabelecimento de um “teto”, sendo decotadas as taxas contratadas quando superiores à média, limitando-se ao índice apurado pelo BCB.
Tal interpretação, entretanto, não parece ser a mais adequada, mormente porque, como salientado, os índices divulgados pelo Banco Central relevam uma análise geral das taxas praticas no mercado, das quais é extraída a média aritmética, o que pressupõe, logicamente, a existência de instituições que aplicam índices superiores e inferiores ao divulgado.
Como salientado pela Ministra Nanci Andrighi, no trecho colacionado no tópico anterior, por se tratar de uma média, “não se pode exigir que todos os empréstimos sejam feitos segundo essa taxa. Se isto ocorresse, a taxa média deixaria de ser o que é, para ser um valor fixo” (STJ, 2008).
Não por outra razão, com a evolução dos estudos sobre o tema, a jurisprudência mais atual do TJRS passou a considerar a taxa média apenas como um parâmetro de aferição de eventual abusividade, tal como assentou o STJ, sendo destacado em muitos julgados que a simples superação da taxa média divulgada não importa, por si só, em abusividade, afigurando-se necessário que a diferença verificada seja substancialmente superior à media divulgada.
Note-se, a propósito, ementas de julgados mais recentes da Corte Gaúcha que dão conta da alteração da posição inicial do Tribunal:
“(...) Diante da pequena diferença entre os percentuais, tenho que os juros remuneratórios contratados estão de acordo com a taxa média de mercado fixada pelo Banco Central para a época do contrato. Jurisprudência consolidada do STJ - Resp. 1.061.530. (Apelação Cível Nº 70062072889, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Lúcia de Castro Boller, Julgado em 18/12/2014)”.
“(...) Os juros remuneratórios são abusivos apenas se fixados em valor manifestamente excedente à taxa média de mercado. (Apelação Cível Nº 70062838834, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Judith dos Santos Mottecy, Julgado em 18/12/2014)”.
“(...) São abusivos apenas se fixados em valor expressivamente superior à taxa média do mercado divulgada pelo BACEN para o período da contratação (REsp n. 1.061.530/RS). (Apelação Cível Nº 70056690092, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Miriam A. Fernandes, Julgado em 18/12/2014)”.
Conforme se observa das ementas dos julgados, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, após alguma oscilação, acabou por modificar seu entendimento inicial de que a taxa média divulgada pelo Banco Central do Brasil atuaria como limite à livre pactuação dos juros remuneratórios nos contratos de mútuo ao consumidor, passando a compreendê-la como um (ou “o”) balizador para a aferição dos negócios em que a taxa remuneratória representa “vantagem excessiva”, vedada pela Legislação Consumerista.
Ainda assim, o que se pode observar é persistem as dificuldades em estabelecer outros critérios a serem considerados conjuntamente com a taxa média praticada no mercado.
Tem-se que, no maior das vezes, apenas a referida taxa média é considerada pelos julgadores como parâmetro para fins de aferição de eventual abusividade, sendo revisadas as clausulas contratuais nas hipóteses de patente abusividade, representada por taxas substancialmente superiores à média de mercado.
Entretanto, ainda não há reflexão jurisprudencial sobre outros elementos que certamente permitiriam uma análise mais prudente dos contratos levados à revisão judicial, na qual, por exemplo, o histórico do relacionamento do consumidor junto à instituição financeira e o grau de solidez das garantias atreladas ao contrato, entre outros fatores, serão consideradas para o reconhecimento de eventual abusividade.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da objetiva analise realizada no presente trabalho, podemo afirmar que o Superior Tribunal de Justiça cumpriu de modo razoavelmente satisfatório o seu mister fulcrado no art. 105, inciso III, alínea 'c', da Constituição Federal ao proferir o julgamento do Recurso Especial nº 1.061.530/RS, valendo-se da sistemática dos recursos repetitivos – art. 543-C, do Código de Processo Civil.
Sem dúvida, a utilização das taxas médias de juros remuneratórios divulgadas pelo Banco Central do Brasil como parâmetro de aferição de abusividades nos contratos de mútuo feneratício regidos pelas normas do consumeristas contribuiu sensivelmente para a equalização da jurisprudência nacional e para a manutenção da segurança jurídica, sobretudo para as instituições componentes do Sistema Financeiro Nacional, que costumam repassar os riscos de inadimplência aos próprios consumidores.
Pode se perceber, ainda, que o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, atento às diretrizes jurisprudenciais lançadas pela Corte Especial, avançou em seu entendimento quanto à limitação de juros remuneratórios nos contratos de mútuo consumerista, superando entendimento inicial regulação e limitação das taxas remuneratórias em 12 pontos percentuais ao ano (12% a.a), e passando a cotejar, caso a caso, na forma preconizada pelo STJ, os juros contratados com as taxas divulgadas pelo Banco Central do Brasil.
Finalmente, importante se que destaque que a atual conjuntura social, econômico e jurídica impõe sejam dados novos passos nos estudos referentes ao tema, abandonando-se a postura mecanizada de aplicação das taxas médias como parâmetro isolado na aferição excessos nos juros dos contratos de mútuo, exigindo do operador jurídico a consideração de outros fatores na avalização das cláusulas contratuais levadas à revisão judicial, de modo a ser, ainda mais, consolidadas a segurança jurídica e a estabilidade contratual imprescindíveis ao progresso econômico e social de nosso País.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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COELHO, Fábio Ulhoa, Curso de Direito Civil, v. 3: Contratos, p. 243, 5. ed. São Paulo/SP, Saraiva, 2012.
NUNES, Luiz Antônio Rizato, Curso de Direito do Consumidor, 7.ed., São Paulo/SP, p. 735, Saraiva, 2012.
ALMEIDA, Fabrício Bolzan de., Direito do Consumidor Esquematizado, São Paulo: Saraiva, 2. ed., p. 299, 2013.
PLÁCIDO E SILVA, Vocabulário Jurídico, v. 2., 3ª Edição, p. 222, Ed. Forense, 1993.
BEVILÁQUA, Clóvis. Código Civil dos estados Unidos do Brasil Comentado, vol. IV, Ed. Livraria Francisco Alves, Rio de Janeiro, p. 655 1953.
MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil, Direito das Obrigações, 2º ed., p. 722, 1995.
RIZZARDO, Arnaldo, Contratos, 2ª ed. Rio de janeiro: p. 722, Forense, 2001.
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