A ineficiência do Estatuto do Desarmamento na redução da criminalidade à luz da Constituição

04/06/2019 às 09:34
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O presente artigo, tem a finalidade de analisar a Lei nº 10.826/03, denominada de Estatuto do Desarmamento, tendo como objetivo refletir sobre a sua insuficiência na diminuição da criminalidade e na promoção da segurança dos cidadãos.

1. INTRODUÇÃO

Com a Lei nº10826/03 surge a necessidade de analisar a questão da redução da criminalidade. A sua criação tem como finalidade desarmar a população, com a ideia de reduzir o índice de criminalidade. Entretanto, os resultados apontam para uma disfarçada calamidade da segurança. Assim, é preciso analisar se o Estatuto do Desarmamento tem sido capaz de atingir o seu objetivo ou se foi ineficaz nesse propósito de promover uma vida em sociedade mais segura. O artigo analisa a ineficiência do Estatuto do Desarmamento na redução da criminalidade à luz da Constituição.

Sabe-se que o uso de armas tem caracterizado uma discussão no universo social e doutrinário, sendo necessário refletir sobre a questão. O Estado Democrático de Direito proporcionou ao homem a liberdade outrora inconcebível ao tempo em que lhe garantiu direitos que, de tão elementares, inimaginável a vida sem eles. Ocorre, contudo, que a intervenção estatal no âmbito privado, embora muitas vezes despercebida, costuma causar transtornos no cotidiano das pessoas. Essas, por sua vez, acabam legitimando tal invasão por parte do Estado sem sequer se dar conta que se trata de abuso do poder.

O Estado é visto como um protetor, ocasionando a percepção de líderes messiânicos, que assumem a posição paterna ou materna do povo, fazendo valer a vontade individualizada de muitas pessoas. A proteção desses filhos, contra males inerentes da sociedade contemporânea é substituída pelo propósito embutido de falsa preocupação, tornando-se apenas uma manutenção do próprio poder de dominação.

Para se manter no poder, o Estado carece de manter a vantagem da força, e, consequentemente, precisa se certificar de que a sociedade não será capaz de reagir aos seus mandos. Destarte, é imperativo garantir que a população não conte com meios bélicos capazes de fazer frente ao governo, aniquilando qualquer capacidade de reação. O homem tem utilizado objetos para ataque, que evoluíram ao longo dos anos, para que se tornassem mais eficientes. Assim, surgem as armas de fogo, sendo necessário estabelecer normas para a sua utilização.

No Brasil, atualmente vigora a Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, que dispõe acerca da aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo e munição no país, denominada Estatuto do Desarmamento, o qual é regulado pelo Decreto nº 5.123, de 1º de julho de 2004. Verifica-se a necessidade de regulamentação, no sentido de reduzir o perigo à sociedade. Mas, no caso do Estatuto do Desarmamento é preciso analisar se não surge como uma forma de destituir a população de meios de defesa.

A questão da violência tem se tornado um dos temas discutidos no universo social, sendo preciso estabelecer medidas preventivas, capazes de garantir o direito à vida e à integridade física e psicológica dos cidadãos. Através de pesquisa bibliográfica, com análise de dados estatísticos sobre os índices de violência no contexto histórico brasileiro, busca-se refletir sobre a ineficiência do Estatuto do Desarmamento para a promoção da segurança. Por meio de sistematização de obras já publicadas, é demostrada a evolução da legislação sobre a temática. O porte de arma de fogo é estudado a partir de uma comparação com a taxa de criminalidade.

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 Breve contexto histórico das armas de fogo no Brasil e no mundo

Com a discussão a respeito da possibilidade de revogação do Estatuto do Desarmamento como forma de flexibilizar a posse e o porte de armas de fogo, fazendo com que os cidadãos tenham condições de garantir a legitima defesa, surge a necessidade de compreender como essa medida pode contribuir para a diminuição da criminalidade no Brasil, principalmente ao se verificar que a Lei nº 10.826/2003, não tem sido eficaz na garantia da segurança da população, diante da dificuldade encontrada pelo poder público para assegurar o cumprimento dos direitos fundamentais.

Sabe-se que a violência tem sido um dos fatores de maior preocupação social na contemporaneidade, principalmente em relação aos casos de mortes com armas de fogo, o que demostra que o Estatuto do Desarmamento não tem contribuído para a inacessibilidade desses objetos a pessoas que compõem grupos criminosos. Com a necessidade de desenvolvimento de uma política pública que reduzisse o alto índice de crimes no país, surge uma legislação rígida em relação ao acesso às armas de fogo. Mas, na prática cotidiana, verifica-se que não existem empecilhos para que esse poder bélico seja adquirido por pessoas criminosas.

O uso de armas de fogo está relacionado à necessidade de defesa, tendo início com a sobrevivência durante a caça. Analisando a história da humanidade, verifica-se que, inicialmente, eram construídas armas manuais, com materiais rústicos. Com o desenvolvimento tecnológico, o armamento começou a evoluir (FERREIRA, 2012).

Com a formação do exército, percebe-se uma evolução no uso de armas, que passam a ser imprescindíveis para as batalhas e guerras. A pólvora fez surgir a arma de fogo, possibilitando matar pessoas à distância. No Brasil, a indústria bélica começa a se desenvolver no século XX, tendo como finalidade atender às forças armadas. Esse processo armamentista foi impulsionado pela guerra do Paraguai e a Proclamação da República (BATISTA, 2014).

Concomitantemente, a legislação brasileira passou por mudanças. O Decreto-lei nº 3688/41, que vigorou até 1997, tipificava o porte ilegal de armas de fogo como contravenção penal. A conduta passou a ser criminalizada a partir da Lei nº 9.437/97, quando as penas se tornaram mais rígidas. Nota-se que as mudanças na legislação acompanham a necessidade da sociedade. Com o aumento da criminalidade e o alto índice de homicídios, cometidos com armas de fogo, surgem movimentos em defesa do desarmamento no País, levando o poder público a estabelecer o controle.

A proposta de lei, que futuramente seria conhecida como Estatuto do Desamamento, em seu artigo 35, apresentava a proibição de comercialização de armas e munições no Brasil. Antes dessa legislação, o assunto era regulamentado pela Lei nº 3.688/41, que considerava contravenção penal portar ilegalmente uma arma de fogo. Com a Lei nº 10.826/2003, a aplicação da pena passou a ser mais rígida, com previsão de aumento em razão da característica da arma.

Verifica-se um aumento da pena, passando a ser mais rígida após o Estatuto do Desarmamento. Para Cassiano (2013), o registro de armas de fogo é burocrático, cabendo ao Exército registrar toda produção brasileira. O autor afirma que as armas fornecidas ilegalmente para os criminosos, são adquiridas legalmente e desviadas por agentes públicos que fomentam a corrupção no setor. Diante dessa problemática, Barbosa (2015) explica que o Estatuto do Desarmamento não impede plenamente o acesso às armas de fogo por pessoas mal-intencionadas.

2.2 Estatuto do Desarmamento e Legítima Defesa

A Lei nº 10.826/2003 proíbe expressamente, em seu artigo 6º o porte de arma de fogo, exceto em casos previstos em lei. Cabe à Polícia Federal a responsabilidade de autorizar, mediante requisitos legais, que uma pessoa possa portar. Diante dessas campanhas em prol da redução do desarmamento, surge a necessidade de refletir sobre a relação da Lei nº 10.826/2003 com os índices de criminalidade.

Segundo Martins (2014), as leis que proíbem o porte de armas se tornam ineficazes, porque apenas desarmam os cidadãos que não estão propensos a se envolver em ações criminosas. Assim, não se verifica uma redução de homicídios, agravando a problemática ao oferecer mais confiança para quem assalta, sabendo que a vítima está desarmada. Nesse contexto, Lira (2013) entende que o legislador acreditou na garantia de proteção da população de bem, assim como na vantagem da força do Estado, em relação à ordem social. Mas, a ineficiência da política do desarmamento é sentida na análise do impacto dessa ação na vida privada, fazendo com que a sociedade dependa unicamente do Estado.

Os defensores da política de desarmamento partem do pressuposto de que, ao controlar o acesso às armas de fogo, o Estado estaria ampliando a sua capacidade de identificar os criminosos e diminuindo as chances da prática de homicídios, uma vez que supostamente ter-se-ia um número reduzido de armas. Este pensamento, contudo, não passa de um equívoco, uma vez que, ao violar a liberdade das pessoas, tirando-lhe a possibilidade de portar uma arma, ao mesmo tempo o Estado estará privando o cidadão de bem dos benefícios do uso defensivo das armas, e deixando a mercê das polícias a proteção preventiva, quase nunca efetiva, destaque-se, e a segurança da população (MARTINS, 2014).

Outrossim, a legislação vigente sobre o tema, apesar de altamente restritiva, bem como a política de desarmamento, não foram capazes de reduzir os índices de criminalidade, como se propõem. Malgrado os estudos realizados sobre o assunto apontarem que, pelo contrário, a criminalidade só vem aumentando, os cidadãos de bem continuam sem ter acesso às armas que facilmente chegam às mãos daqueles mal-intencionados, enquanto o Estatuto do Desarmamento segue com seu propósito de proteger a sociedade dos perigos da circulação da arma de fogo.

Assim, na prática, o Estatuto do Desarmamento apenas dificultou intensamente o acesso do cidadão às armas e, concomitantemente, estimulou aqueles que já as tinham à entrega-las, nada refletindo na redução de criminalidade ou no auxílio da identificação dos criminosos. Neste cenário, imprescindível se repensar o Estatuto do Desarmamento, notadamente em relação a desburocratização do acesso e ao porte de armas, o que implica a necessidade de revogação da Lei em vigor a partir da edição de uma legislação capaz de promover ao cidadão de bem meios eficazes de defesa e proteção de si e de sua família. Ademais, somente a partir de tal desburocratização, será possível o garantir à população a segurança necessária.

Como bem apontam Quintela e Barbosa (2015, p. 16), armas, por si só, não matam quem está por trás de cada revolver, cometendo cada um dos homicídios registrados por arma de fogo no Brasil é o agente intencionado a matar, que o faria por qualquer outro meio. Em relação à legitima defesa, o constituinte não tratou sobre o tema, nem dispôs expressamente, ficando a cargo do legislador infraconstitucional disciplinar sobre os assuntos.

Contudo, a Constituição Federal garante aos cidadãos direitos que, caso violados, ensejam o exercício da legítima defesa, a exemplo do que dispõe o art. 5º, inciso XI, que garante a inviolabilidade da casa, de modo que ninguém nela poderá entrar senão com o consentimento do morador, ou do inciso XXII do mesmo dispositivo legal, que garante o direito de propriedade. Ora, ao dispor sobre a inviolabilidade da casa ou sobre o direito de propriedade, pressupõe-se que o constituinte dotou o homem de legitimidade para, em caso de iminente ameaça a estes bens, agir com o propósito de protege-los.

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Mais fácil ainda compreender a importância da legítima defesa e a sua natureza constitucional quando pensamos na iminência da violação não mais do direito à propriedade, mas do próprio direito à vida, bem supremo segundo o qual nem o próprio sujeito pode dele dispor. Ora, dada a superioridade do direito à vida, seria no mínimo razoável que aquele cuja vida encontra-se ameaçada teria o direito de defendê-la, através de quaisquer meios, inclusive mediante o uso de arma de fogo. Vejamos o que diz Lira (2013, p. 18) sobre o assunto:

É difícil separar o direito de ter e usar armas do direito à vida. Tais direitos têm entre si uma relação que é da mesma natureza entre o direito à vida e o direito à legítima defesa – são profundamente conexos, até inseparáveis. Não há garantia de vida, se o indivíduo não tem o respectivo direito de se defender legitimamente de um agressor que lhe queira tirar a vida. E não há garantia de defesa, se o indivíduo não pode dispor de instrumentos que lhe sirvam como um meio de resistir proporcionalmente aos meios empregados pelo ofensor. Tal ideia é óbvia demais para ser negada, e de tal forma, permite estabelecer uma corrente de ligação entre tais direitos, em que um é decorrente e ao mesmo tempo necessário em relação ao anterior.

É importante ressaltar que a segurança pública é um direito fundamental do cidadão brasileiro. A previsão constitucional faz com que o Estado não possa se abster de garantir que todos tenham condições seguras de vida, promovendo os meios necessários para manutenção da paz social. As políticas desarmamentistas, de acordo com Martins (2014), dificultam a legítima defesa. O autor entende que a Constituição Federal de 1988 autoriza a utilização de arma de fogo pelos civis. No mesmo entendimento, Teixeira (2014, p. 24) esclarece o seguinte:

Pois, caso contrário, de que maneira alguém poderia impedir a violação de sua intimidade, de sua vida ou de sua casa sem o uso de armas de fogo? De que outros modos isso poderia ser feito? Acreditamos que nenhuma outra forma além do uso das armas de fogo, devidamente registradas e manuseadas por pessoas preparadas.

Nota-se que a legitima defesa caracteriza um direito necessário, garantindo o direito à vida. Nessa relação entre o porte de armas e possibilidade do cidadão se defender, não se pode falar em desarmamento como segurança. Lira (2013, p. 20) explica que: “[...] sendo a legítima defesa um direito necessário e garantidor, e ao mesmo tempo, decorrência necessária do direito à vida, o mesmo se dá entre o direito de legítima defesa e o porte de armas, de forma que não se pode separar tais direitos”. Segundo o autor, o direito à legitima defesa possibilita o porte de arma de fogo, como meio de garantia da própria segurança.

Nesse contexto, a legitima defesa e o porte de arma de fogo são direitos relacionados, porque visam proteger um mesmo bem jurídico, que é a vida. Para Martins (2014), o direito ao porte de arma constitui direito fundamental, uma vez que, sendo o homem privado do porte de arma, igualmente estará privado do próprio direito de legítima defesa e, consequentemente, do direito à vida. A definição de Legitima Defesa, é encontrada no artigo 25 do Código Penal, que estabelece ser a utilização moderada de meios necessários para repelir uma injusta agressão, atual ou iminente, a seu direito ou de outrem.

A pessoa que tem a vida ameaça por criminoso portando arma de fogo não pode repelir a injusta agressão sem o uso do mesmo tipo de armamento. O equilíbrio entre as partes requer o uso do mesmo poder bélico, conforme explica Teixeira (2014, p. 25):

Se os marginais utilizam essas armas para cometer seus crimes, de nada adianta ao cidadão, que quer se ver em segurança, utilizar armas brancas, como as facas, por exemplo, ou outros instrumentos para promover sua autodefesa. Ele terá de utilizar meios suficientes para se defender à altura da agressão.

[...]

Diante de criminosos fortemente armados, esse meio necessário [...] tem de ser a arma de fogo, sob pena de não ser suficiente para repelir ou impedir a ocorrência da agressão. Uma faca não dissuadirá alguém que esteja portando uma arma.

Ante o exposto, pode-se verificar que o Estatuto do Desarmamento contribui para o aumento da criminalidade, não cumprindo a sua finalidade de reduzi-la. Essa legislação tem prestado um desserviço de segurança pública, retirando do cidadão a capacidade de se proteger daqueles que por vias ilícitas têm acesso aos mais modernos modelos de arma de fogo. A legislação sobre o controle de armas de fogo evoluiu no sentido de controlar a circulação de tais objetos. Vieira (2012) afirma que é necessário refletir sobre os reflexos da Lei nº 10.826/2003 na realidade brasileira.

Segundo Quintela e Barbosa (2015), as autorizações concedidas pela Polícia Federal tiveram uma queda de 20.000 para cerca de 4.000 armas por ano, números bem inferiores do que os apresentados antes do estatuto. Esta redução, segundo os autores, foi a parte mais fácil para o Governo, uma vez que as pessoas sem intenção de cometer crimes, que só querem uma arma para sua própria defesa, tendem a obedecer às leis. A parte difícil, explicam, é fazer com que os criminosos se desarmem, atendam ao apelo do Estatuto do Desarmamento. Desse modo, concluem, “a lei penalizou apenas os cidadãos cumpridores da lei, e não tirou as armas das mãos dos criminosos” (QUINTELA; BARBOSA, 2015, p. 44).

Ainda segundo os autores, mesmo depois da entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, o número de homicídios no país, cometidos com arma de fogo, só tem crescido. Corroborando essa afirmação, Martins (2014) explica que não obstante a legislação vigente ser extremamente restritiva, os índices de violência não apresentaram redução desde a entrada em vigor do Estatuto do Desarmamento, de modo que, “no período de 2004 a 2010, o número anual de homicídios no país permaneceu na casa dos 50 mil, com uma taxa de homicídios por 100 mil habitantes variando entre 25,2 e 27,0” (MARTINS, 2014, p. 20).

Assim, como bem aponta Lira (2013, p. 35), as políticas desarmamentistas, além de totalmente ineficazes, se mostram fúteis, uma vez que, ao surtir efeitos exclusivamente sobre a população civil obediente às leis, não causam impacto algum na redução da violência. Em seu estudo, Vieira (2012, p. 46) demonstra que “[...] apenas quatro, das vinte armas de fogo utilizadas para a prática de crimes, poderiam ser armas registradas, obtidas em algum momento, de maneira legal”.

Conforme Nucci (2009, p. 78), não se pode permanecer na ilusão de que “[...] o controle estatal impedirá a ocorrência de crimes em geral, afinal, seria ingênuo imaginar que a marginalidade compra armas de fogo em lojas, promovendo o devido registro e conseguindo o necessário porte”.

Isso porque, conforme os dados obtidos por estudiosos, não houve redução nos índices de violência no país após o advento do Estatuto do Desarmamento, ao contrário, mesmo com o advento da legislação e das políticas de desarmamento, e com a redução da venda de armas de fogo em cerca de 90%, os índices demonstram que os homicídios cometidos com uso de arma de fogo aumentaram (MARTINS, 2014, p.12).

2.3 O direito de possuir arma de fogo

A autorização para o indivíduo portar uma arma de fogo requer a demonstração de efetiva necessidade. Capez (2008) cita o caso de atividades profissionais de risco ou que sofrem ameaças. Segundo o artigo 4º da Lei nº 18.826/2003, se faz necessário apresentar a documentação de propriedade e o registro na Polícia Federal. Essa condição é pessoal, não sendo transferida a terceiro e pode ser revogada a qualquer momento.

Turessi (2014), aponta dados estatísticos que demostram redução na compra de armas de fogo, entre os brasileiros. Segundo o autor, houve uma queda de 40,6%. A pesquisa aponta ainda que pessoas com menor escolaridade possuem mais chances de compra.

A proibição total do comércio de armas de fogo e a necessidade de registro não são ações efetivas para evitar que organizações criminosas tenham acesso a elas. Quintela e Barbosa (2015) esclarecem que o tema tem gerado polemica no universo social com campanhas pró-armamento. A Lei nº 10.826/03, proíbe em seis artigos, a fabricação, o depósito, porte, uso e trânsito de armas de fogo, exceto em casos permitidos pelo Estado, através das forças armadas. Essas medidas visam diminuir a violência e a criminalidade no País.

No cotidiano, se verifica que os índices de criminalidade apenas aumentam, já que grupos criminosos organizados possuem facilidade em adquirir armas de fogo, cabendo ao Estado buscar alternativas para garantir a segurança dos cidadãos. Uma proposta para a redução do perigo aos brasileiros é a possibilidade de porte de arma para as pessoas de bem. De acordo com Schiefer (2011), é necessário compreender que a vida é o maior valor que o ser humano possui, sendo imprescindível protegê-lo.

O porte de arma permite a legítima defesa e evita que o direito à vida seja violado, já que os criminosos vão ter mais receio em praticar crimes, sabendo que as pessoas podem estar armadas. A segurança e a propriedade fazem parte dos direitos inerentes ao ser humano, que devem ser assegurados pelo poder público. Moraes (2010) explica que o direito à vida é o mais fundamental, já que sem ele não se pode usufruir os demais.

O direito à segurança pessoal garante que as pessoas possam conviver em harmonia no universo social, tendo sua integridade física preservada. Cabe ao Estado, de acordo com o artigo 144 da Constituição Federal, o dever de garantir que todos os cidadãos tenham esse direito respeitado. Segundo Siqueira (2014) fazer com que as pessoas se sintam seguras e protegidas é um dos anseios da sociedade. Assim, é essencial que se responda pelos atos cometidos.

A Carta Magna estabelece o direito à vida, cabendo ao Poder Público desenvolver políticas que contribuam para essa efetividade. Assim, é essencial buscar meios para que a pessoa continue viva e tenha condições de defender sua própria vida. No entendimento de Siqueira (2014), a proibição do porte legal de arma de fogo, fere o texto constitucional, que assegura o direito à legitima defesa. A criminalização de condutas relacionadas ao ter o objeto em casa ou no ponto comercial, é uma forma de mascarar as mazelas existentes no país.

Os crimes cometidos com arma de fogo, utilizam aquelas que são utilizadas pelas forças armadas, que são desviadas através da corrupção. Essa condição permite que esse poder bélico chegue aos grupos criminosos e seja combustível para o tráfico de drogas. É imprescindível compreender a importância da liberdade do cidadão de bem, que sofre com a impossibilidade de viver em paz em seu próprio lar.

As armas de fogo são controladas pelas autoridades públicas, que acompanham o comércio e a procedência. Britto (2014) explica que é preciso registrar e cada proprietário recebe um número de identificação. Os certificados são emitidos pela Polícia Federal. Esse controle realizado permite que os cidadãos e seguranças privados tenham permissão acompanhada pelo Sistema de gerenciamento Militar de Armas.

O estudo a respeito da criminalidade tem procurado identificar os índices de violência brasileira, analisando o número de mortes por arma de fogo no país. Waiselfizz (2016) afirma que, mesmo com o Estatuto do Desarmamento, o número de homicídios no Brasil aumentou. Logo, o autor em análise concorda que a Lei nº 10.826/2003 não foi eficaz na solução da violência.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado Democrático de Direito proporcionou ao homem a liberdade outrora inconcebível ao tempo em que lhe garantiu direitos que, de tão elementares, inimaginável a vida sem eles. Ocorre, contudo, que a intervenção estatal no âmbito privado, embora muitas vezes despercebida, costuma causar transtornos no cotidiano das pessoas. Essas, por sua vez, acabam legitimando tal invasão por parte do Estado sem sequer se dar conta que se trata de abuso do poder.

Isso ocorre porque parte da sociedade vê no Estado um protetor e esse comportamento faz com que surjam líderes que assumem a posição paterna ou materna e levam em consideração o desejo individual dos indivíduos. Esse Estado protetor, procurar assegurar que nenhum mal ocorra com seus protegidos e que a sociedade tenha a falsa sensação de que tudo está perfeito. Mas, na prática cotidiana, os cidadãos se sentem inseguros e reféns da criminalidade. Porque o único interesse desses representantes do poder, é permanecer em uma situação privilegiada.

A manutenção do poder, exige que o Estado utilize a força para ter vantagem em relação aos membros do corpo social, certificado que não haverá qualquer reação aos seus interesses de dominação. Logo, quer que a população não tenha ao seu favor meios bélicos e capazes de afrontá-lo, impedindo qualquer forma de reação. Nesse contexto, as armas ficam sobre o controle e comando do governo, sendo fornecidas apenas para quem não ameaçar a sua soberania. Assim, pode agir de qualquer forma, sem que o povo tenha condições de resistir, não trazendo qualquer ameaça para que seja deposto ou combatido.

Percebe-se que o desarmamento constitui um meio eficiente para controlar a sociedade. A arma de fogo caracteriza uma maneira de ataque ou defesa, estando presente na história do homem desde o período em que precisava caçar e se defender de animais perigosos. Hoje estão aprimoradas e se tornam eficientes na manutenção da garantia de segurança. O acesso às armas de fogo está relacionado a um direito fundamental que é o da legitima defesa.

Com o advento da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003, o Brasil passa a apresentar um retrocesso nesse direito à legitima defesa, uma vez que a aquisição, posse, porte e circulação de armas de fogo está sendo controlada apenas para pessoas de bem, porque na prática, os criminosos conseguem esse tipo de poder bélico.

Na teoria, quando uma lei é editada, significa que o legislador percebe uma necessidade de criação de um mecanismo capaz de reduzir uma situação de perigo para a sociedade que irá se beneficiar com ela ou, como no caso do estatuto do desarmamento, a edição da lei constitui meio de destituir a população de meios de defesa e, consequentemente, uma forma de controle social.

Isso porque, malgrado a entrada em vigor da Lei nº 10.826/2003, bem como as diversas campanhas para a redução do número de armas de fogo no país, desenvolvidas pelo Governo Federal, o desarmamento não tem reduzido os índices de violência e de criminalidade. As leis que proíbem o porte de armas são ineficazes, uma vez que só desarmam os que não têm tendência nem estão determinados a cometer delitos.

Sendo assim, não se pode acreditar que a intenção do legislador foi a proteção do cidadão de bem, mas a garantia da vantagem da força do próprio Estado, em detrimento da segurança dos civis. Neste contexto, se faz necessário refletir a ineficiência da política do desarmamento no país, bem como o seu impacto no âmbito privado, uma vez que, ao entregar sua única forma de defesa eficaz ao Estado, a sociedade perde duplamente: primeiro porque fica completamente dependente do Estado, que é incapaz de garantir a segurança pública, e segundo porque fica vulnerável ao próprio Estado.

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