O STF é maior que a Constituição
Há uma antiga piada no mundo jurídico de que juiz “pensa” ser Deus mas ministro do STF “tem certeza” de que é, e os fatos recentes são a maior prova da atualidade dessa anedota. Com a decretação da censura à matéria jornalística da revista Crusoé, denominada “O amigo do amigo do meu pai”, o ministro Alexandre de Moraes tentou proibir a divulgação do depoimento prestado por Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato, no qual, ao ser indagado pela Polícia Federal sobre quem seria o “amigo do amigo” do pai do empreiteiro, ele disse se referir ao ministro Dias Toffoli.
Até 14 de abril, contudo, o tema não importava nenhuma divergência nos tribunais, pois era induvidoso que um veículo de comunicação pudesse divulgar matéria jornalística lastreada em depoimento colhido em processo de natureza não sigilosa. Assim, além de existir expressa previsão constitucional para que o jornalista preserve sua fonte, “quando necessário ao exercício profissional”, mais ainda é assegurada a possibilidade de dar publicidade a declarações de interesse público, de corrupção associada à mais alta Corte de justiça do Brasil, garantindo ao interessado direito de apresentar sua versão.
Isso era até 14 de abril. Com a decisão de 15/04, além de incorrer em crime hediondo contra princípios constitucionais da administração pública, de liberdade de expressão e da informação, abriu-se um perigoso precedente em desfavor não apenas da imprensa investigativa como também daquela que divulga declarações prestadas em processos de interesse coletivo e com a fonte identificada. Constitui um retrocesso inconcebível. Não há democracia verdadeira sem imprensa livre e não há imprensa livre com uma mordaça que a impeça de repercutir um caso atroz de corrupção, ainda que imputado ao atual presidente do Supremo Tribunal Federal. Se a imprensa não puder fiscalizar o Poder Público estaremos mais próximos da Venezuela que da Argentina, de Cuba que dos Estados Unidos.
Se Marcelo Odebrecht afirmou em depoimento da Operação Lava Jato que o “amigo do amigo do seu pai” é o ministro José Antônio Dias Tofolli, a responsabilidade dessa informação é dele, Marcelo. Se um veículo de imprensa divulga essa notícia e expressamente menciona quem prestou essa informação, como pode ser penalizado?
Censura é algo muito sério. Acredito piamente que essa decisão monocrática será revertida pelo colegiado porque não tem nenhum amparo sério na Constituição de 1988. Mas ainda assim o estrago estará feito: por arroubos desse naipe se alimentam pensamentos extremistas que vez ou outra bradam que para resolver tudo bastaria “um cabo e um soldado” ou mesmo que apenas um governo com poderes absolutos poderia consertar o Brasil.
O STF não é maior que a Constituição, tampouco seus ministros. São servidores públicos que deveriam todos zelar em bem servir essa relevante atribuição e interpretar a Constituição Federal com serenidade, plenitude, galhardia. O problema é que na prática o silêncio eloquente de alguns combinado com o exagerado protagonismo e a abusiva criatividade interpretativa de outros desacreditam a Corte, que deveria ser formada exclusivamente por cidadãos de “notável saber jurídico”.