A PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS E O JUÍZO ARBITRAL

05/06/2019 às 09:55
Leia nesta página:

O ARTIGO ABORDA RECENTE DECISÃO DO STJ SOBRE A MATÉRIA.

A PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS E O JUÍZO ARBITRAL

Rogério Tadeu Romano

Noticia o site do STJ, de 4 de maio do corrente ano, que respeitadas as diferenças e peculiaridades da jurisdição estatal e das cortes arbitrais, é possível aplicar as normas de penhora no rosto dos autos aos procedimentos de arbitragem, de forma que o magistrado possa oficiar ao árbitro para que este indique em sua decisão, caso seja favorável ao executado, a existência da ordem judicial de constrição.

A possibilidade desse tipo de penhora foi reconhecida pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Todavia, o colegiado apontou que a ordem de penhora só deve ser efetivada na fase de cumprimento da sentença arbitral, preservando-se a confidencialidade prevista para os processos arbitrais.

“Tal proposição, vale ressaltar, se justifica naquele ideal de convivência harmônica das duas jurisdições, sustentado pela necessidade de uma atuação colaborativa entre os juízos e voltado à efetiva pacificação social, com a satisfação do direito material objeto do litígio”, disse a relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi.

Prevista pelo artigo 860 do Código de Processo Civil de 2015 (e, antes, pelo artigo 674 do CPC de 1973), a penhora no rosto dos autos é a penhora de bens que poderão ser atribuídos ao executado em outro processo no qual ele seja autor ou no qual tenha a expectativa de receber algo de valor econômico.

A ministra Nancy Andrighi explicou que a penhora no rosto dos autos consiste apenas em uma averbação com o objetivo de resguardar interesse de terceiro. Por meio da averbação, o interessado fica autorizado a promover, em momento futuro, a efetiva constrição de valores ou bens que lhe caibam, até o limite devido.

“Ao contrário do que sustenta o recorrente, não é condição para a penhora no rosto dos autos que a medida só possa ser requerida quando já instaurada a fase de cumprimento de sentença, razão pela qual o fato de o procedimento de arbitragem estar ‘em curso’, por si só, não prejudica a pretensão da recorrida”, afirmou a ministra.

O julgamento se deu no REsp 1.678224.

A penhora no rosto dos autos é modalidade de penhora de crédito, e encontra suporte no art. 860 do CPC, que assim dispõe:

Quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo, a penhora que recair sobre ele será averbada, com destaque, nos autos pertinentes ao direito e na ação correspondente à penhora, a fim de que esta seja efetivada nos bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado.

Conforme o referido dispositivo legal, há a penhora no rosto dos autos quando se penhoram créditos do devedor que os possui em processo judicial no qual figura como credor. Vale dizer, são penhorados créditos que possui o executado em outro processo em que figura como autor.
Assim quando a penhora alcançar direito objeto de ação em curso, proposta pelo devedor contra terceiro, ou cota de herança em inventário, o oficial de justiça, depois de lavrado o auto de penhora, intimará o escrivão do feito para que este averbe a constrição na capa dos autos, a fim de que se tornar efetiva, sobre os bens que, oportunamente, “forem adjudicados ou vierem a caber ao devedor”, como já se observava do artigo 674 do CPC de 1973.

Mas, não é, porém, penhora de direito e ação a que se faz sobre bens do espólio em execução de dívida da herança, assumida, originalmente pelo próprio de cujus. Esta é penhora real e filhada, isto é, “feita com efetiva apreensão e consequente depósito dos bens do espólio, como advertiu Amílcar de Castro(Comentários ao Código de Processo Civil, volume VIII, n. 216, pág. 206). Nesse caso não será cabível falar em penhora no rosto dos autos, que é uma ocorrência que se dá quando a execução versar sobre dívida do herdeiro e a penhora incidir sobre direito à herança ainda não partilhada.

Antônio Cláudio da Costa Machado, em comentário ensinou : “A chamada penhora no rosto dos autos é a forma que assume este ato de constrição na hipótese de o seu objeto ser direito discutido em juízo (...). O procedimento completo dessa modalidade de penhora é o seguinte: expedido o mandado de penhora, o oficial dirigir-se-á ao cartório por onde corre o processo em que é credor o executado (inventário, execução, cobrança, reintegração, etc.) e lavrará o respectivo auto de penhora na presença do escrivão do feito que, ato contínuo, realizará a averbação mediante certidão lavrada no verso da primeira folha dos autos, mencionando o auto de penhora (primeira fase); quando o executado entrar na efetiva posse dos bens objeto da ação, expedir-se-á novo mandado de penhora que será realizado agora sobre tais bens especificamente (segunda fase). A penhora no rosto dos autos é, portanto, ato executivo provisório (Carvalho Santos)' (Código de Processo Civil Interpretado. 6ª ed. São Paulo: Ed. Manole, 2007, comentário ao art. 674, pág. 926)."

A chamada "penhora no rosto dos autos" consiste na constrição de eventual proveito econômico a ser obtido pelo devedor em ação judicial, a teor do disposto no artigo 860, do NCPC:
Art. 860. Quando o direito estiver sendo pleiteado em juízo, a penhora que recair sobre ele será averbada, com destaque, nos autos pertinentes ao direito e na ação correspondente à penhora, a fim de que esta seja efetivada nos bens que forem adjudicados ou que vierem a caber ao executado.

O instituto jurídico-processual possui como finalidade precípua permitir a satisfação do crédito objeto de execução (esta entendida como o processo de execução ou a fase de cumprimento de sentença), através da penhora sobre direitos ou bens que o executado venha a obter em outra ação judicial.

Observe-se ainda o ensinamento de Cândido Rangel Dinamarco(Instituições de Direito Processual Civil. Vol. IV. São Paulo: Malheiros, 2004. p. 530):

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Tal modalidade é utilizada quando, sendo o executado potencial credor em outra demanda, o montante eventualmente alcançado por ele seja revertido em proveito do exequente.
Infere-se, portanto, que o recebimento do crédito pelo exequente depende do resultado final do outro processo, pois a constrição somente se efetivará caso haja algum produto favorável ao executado.

A esse respeito, veja-se a lição de Teresa Alvim Arruda Wambier( Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2 ed. rev. atual e ampl. ¬ São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 1358.):

"Assim, caso o direito penhorado esteja sendo pleiteado em juízo pelo devedor, procede-se à penhora, mediante averbação no rosto dos autos, a fim de que eventual produto favorável ao executado (credor do terceiro) seja revertido em prol da execução. Dessa forma, o exequente estará sujeito ao resultado do litígio envolvendo o executado e o terceiro, porquanto a constrição se efetivará 'nos bens que forem adjudicados ou vierem a caber ao executado'".

Prossegue a autora, esclarecendo que "Realizada a penhora no rosto dos autos, caberá ao exequente aguardar o deslinde da demanda para que a constrição se opere 'nos
bens que forem adjudicados ou vierem a caber ao executado'”.
Nessa situação haverá produto favorável ao devedor que poderá reverter ao credor.

“Penhora no rosto dos autos é penhora de bens que poderão ser atribuídos ao executado em algum processo no qual ele figure como demandante ou no qual tenha a expectativa de receber algum bem economicamente apreciável. (...) O Código alude a esse modo de penhorar, quando cuida de créditos e de “outros direitos patrimoniais” penhorados ao devedor em processo no qual ele figura como executado, figurando essa mesma pessoa também, por sua vez, como autor ou exequente em outro processo; nesse caso, o possível direito do executado ficará sob constrição naquele primeiro processo e ali será adjudicado pelo exequente ou alienado em hasta pública”.

A finalidade do ato é atingida no exato momento em que o devedor do executado toma ciência de que o pagamento – ou parte dele – deverá, quando realizado, ser dirigido ao credor deste, por força da penhora no rosto dos autos, sob pena de responder pela dívida, nos termos do art. 312 do CC/02.

A Terceira Turma decidiu que “o Tribunal Arbitral é competente para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes, limitando-se, porém, ao deferimento da tutela, estando impedido de dar cumprimento às medidas de natureza coercitiva, as quais, havendo resistência da parte em acolher a determinação do(s) árbitro(s), deverão ser executadas pelo Poder Judiciário, a quem se reserva o poder de imperium” (REsp 1.297.974/RJ, Rel. relatora Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 12/06/2012, DJe de 19/06/2012).

Esse entendimento foi corroborado pelo legislador, com a edição da Lei 13.129/15, que incluiu o capítulo IV-A (Das tutelas cautelares e de urgência) à Lei 9.307/96.Essa mesma Lei 13.129/15, aliás, também revogou o § 4º do art. 22 da Lei 9.307/96 – o qual previa que, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderiam solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria, originariamente, competente para julgar a causa – e, em contrapartida, incluiu o art. 22-C para criar a carta arbitral – instrumento expedido pelo árbitro ou tribunal arbitral para que o órgão Jurisdicional nacional pratique ou determine o cumprimento, na área de sua competência territorial, de ato por meio dela solicitado.

No julgamento citado chegou-se a seguinte conclusão:

“Nesse contexto, respeitadas as peculiaridades de cada jurisdição, é possível aplicar a regra do art. 674 do CPC/73 (art. 860 do CPC/15) ao procedimento de arbitragem, a fim de permitir que o juiz oficie o árbitro para que este faça constar em sua decisão final, acaso favorável ao executado, a existência da ordem judicial de expropriação, ordem essa, por sua vez, que só será efetivada ao tempo e modo do cumprimento da sentença arbitral, no âmbito do qual deverá ser também resolvido eventual concurso especial de credores, nos termos do art. 613 do CPC/73 (parágrafo único do art. 797 do CPC/15).”

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos