Relativização dos direitos humanos no campo internacional: valem quando convém

07/06/2019 às 17:06
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Os direitos humanos são realmente universais e indivisíveis ou refletem interesses políticos e econômicos do Ocidente? Relações comerciais, religiosas e geopolíticas revelam um relativismo seletivo.

Inicio o artigo com um alerta ao querido leitor: até o general Augusto Heleno, ministro da Defesa do governo Bolsonaro, disse, em entrevista, que “o assunto Direitos Humanos é de alta relevância”.

Por esse e outros motivos, leitor, caso seu senso comum “fale mais alto” e lhe diga que “direitos humanos são coisa de bandido”, sugiro que dê “meia-volta, volver” ou “frente para a retaguarda”, como preferir.

Dado o devido alerta, tratar de direitos humanos é algo muito complexo, mas, graças aos países ricos e centrais do capitalismo, lastreados pela mídia, tornou-se tão fácil para a sociedade falar deles quanto falar de aquecimento global. Claro que se trata de países amparados em um relativismo excludente, pois o próprio capitalismo não distributivo (ver modelos distributivos ao redor do mundo, como Alemanha, Canadá, Escandinávia etc.) não consegue promover muito do que está disposto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Não promove princípios básicos como o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal (artigo 3).

Os direitos humanos não são universais, muito menos indivisíveis, como gostariam que fossem, como prega a própria Declaração Universal ou como pretende a Convenção de Viena (1993). Não o são por questões políticas, religiosas e mercantilistas.

Os direitos humanos são falsos dogmas do Ocidente? Muitas vezes, podem ser encarados como tal, pois, na busca de diversos interesses dos países ricos — principalmente os interesses econômicos —, os direitos humanos são frequentemente divididos, rateados e até subjugados em prol desses interesses. Exemplifiquemos: quando se quer criticar o governo chinês, critica-se tão somente seu sistema de partido único, a falta de liberdade individual (direitos civis e políticos). Enquanto isso, em nome dos interesses comerciais, inúmeras grandes empresas provenientes desses países ricos, na busca inexorável pelo lucro, se favorecem de situações violadoras dos direitos humanos e se utilizam dessa mão de obra judiada para produzirem seus produtos a baixíssimo custo de produção, porém com alto custo em termos de violação dos direitos humanos, em todas as suas dimensões (gerações).

Outro contrassenso é a “estranha” proximidade dos EUA com a Arábia Saudita, país retrógrado, violador de direitos humanos, opressor de suas mulheres e da oposição política (ver o recente caso do jornalista saudita Jamal Khashoggi, “dissidente” do governo teocrático, que foi torturado, morto, esquartejado e derretido por agentes com o uso de produtos cáusticos).

A Arábia Saudita, oficialmente Reino da Arábia Saudita, é governada por uma monarquia absolutista desde meados da década de 1930 e regida por uma rígida interpretação da sharia (lei islâmica), sendo um país mais radical que o tão “temido” Irã, que é uma teocracia islâmica.

Existe a crítica — e, parcialmente, com razão — de que é questionável pensar que nosso modelo ocidental de sociedade possa ser imposto à sociedade oriental, muito mais antiga e imensamente mais apegada à religião, como é o caso dos países do Oriente Médio. Não resolvemos nossos próprios problemas sociais; como dito anteriormente, não se garante a dignidade e o bem-estar social das pessoas.

Os EUA, país central do capitalismo ocidental, dão péssimos exemplos para os países “alinhados” e “não alinhados” à sua política imperialista. Ora, vivemos o conceito de raça, temos classes sociais, miséria, criminalidade altíssima — quase, senão, incontrolável. E fazem com que a universalidade dos direitos humanos seja vista por muitos como um neocolonialismo, que põe em risco o multiculturalismo humano. Novamente, há uma parcela de verdade nesse argumento.

A essência da sociedade ocidental decorre do individualismo herdado da Revolução Francesa, que trazia como lema a tricotomia dos direitos: Liberté, Égalité et Fraternité, sob forte e única influência liberal. Ocorre que a importância dos valores individuais do Ocidente não tem toda essa relevância em muitos países da Ásia, onde predomina o coletivismo — integrante dos ditos “valores asiáticos”. Coletivismo este que embasou e ainda embasa modelos autoritários de governo ou "democracias" laissez-faire, onde a individualidade das pessoas é quase ignorada em prol da prosperidade da sociedade como um todo.

Os direitos humanos são encarados com certo relativismo em quase todas as partes do mundo, não apenas quando se trata de acordos comerciais e militares entre países que defendem posições diametralmente opostas sobre a concepção do que são os direitos humanos, mas também quando se toca na dogmática religiosa — espectro sensível para as pessoas e, a depender do nível de radicalização e fundamentalismo, para o próprio Estado.

Enfim, ainda que obviamente inconclusivo — ainda mais dadas as dimensões da proposta deste singelo artigo —, é preciso pensar abertamente na universalização dos direitos humanos, sem paradoxos. É necessário refletir sobre o papel social que eles têm em cada modelo de governo ou de sociedade (ocidental ou oriental). Deve-se fazer uma avaliação sincera da relevância desses direitos, superando obstáculos (principalmente interesses econômicos) e resgatando sua importância.

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É preciso, no entanto — e isso podemos afirmar sem medo de errar —, pensar as pessoas como indivíduos, e não tratá-las como uma coisa só, como uma massa homogênea. Em qualquer Estado, há minorias e maiorias cuja dignidade deve ser respeitada. Todas têm anseios, desejos, propósitos e problemas — pessoas diferentes entre si, cada uma com sua peculiaridade.


Referências

BRASIL, Convenção de Viena. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d7030.htm- . Acessado em 08 de novembro de 2018;

Entrevista Augusto Heleno. Em.com.br- Política: https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2018/1/01/interna_politica,1002158/general-heleno-defend... Acessado em 08 de novembro de 2018

UNITED NATIONS HUMAN RIGHTS. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em: https://www.ohchr.org/EN/UDHR/Pages/Language.aspx?LangID=por . Acessado em 08 de novembro de 2018.

PERES, Cristina. Jornalista Jamal Khashoggi pode ter gravado imagens da sua tortura e morte no relógio Apple. Disponível em: https://expresso.sapo.pt/internacional/2018-10-13-Jornalista-Jamal-Khashoggi-pode-ter-gravado-imagens-da-sua-torturaemorte-no-relogio-Apple. Acessado em 08 de novembro de 2018.

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