PRESCRIÇÃO NAS OBRIGAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO

09/06/2019 às 09:15
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE A INCIDÊNCIA DA PRESCRIÇÃO NAS OBRIGAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO E A APLICAÇÃO DO DIREITO INTERTEMPORAL.

PRESCRIÇÃO NAS OBRIGAÇÕES DE TRATO SUCESSIVO

Rogério Tadeu Romano

Para a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por se tratar de obrigação de trato sucessivo, é possível incidirem, na mesma ação de cobrança de cotas condominiais, dois prazos prescricionais diferentes, a depender do momento em que nasce cada pretensão, individualmente considerada, observada a regra de transição prevista no artigo 2.028 do Código Civil de 2002.

A matéria foi discutida no julgamento do REsp 1.677. 673 – DF.

A relatora, ministra Nancy Andrighi, explicou que a pretensão de cobrança das cotas condominiais se renova conforme a periodicidade em que é devido seu pagamento – em regra, mês a mês – e, por isso, nasce a partir do vencimento de cada parcela.

“Em se tratando de obrigação de trato sucessivo, podem incidir, no contexto da mesma relação jurídica, dois prazos prescricionais diferentes – 20 e cinco anos –, a serem contados a partir de dois marcos temporais diferentes – a data do vencimento da cada prestação e a data da entrada em vigor do CC/2002 –, a depender do momento em que nasce cada pretensão, individualmente considerada”, afirmou.

Sob a égide do CC/16, era de 20 anos o prazo prescricional aplicável à pretensão de cobrança de despesas condominiais, ou seja, incidia a regra geral do seu art. 177, por se tratar de ação pessoal sem definição de prazo prescricional específico (REsp 1.366.175/SP, Terceira Turma, julgado em 18/06/2013, DJe de 25/06/2013).

Sob a égide do CC/02, a jurisprudência do STJ consolidou-se no sentido de que é de 5 anos o prazo prescricional para que o condomínio geral ou edilício (vertical ou horizontal) exercite a pretensão de cobrança de taxa condominial ordinária ou extraordinária, constante em instrumento público ou particular, a contar do dia seguinte ao vencimento da prestação (REsp 1.483.930/DF, Segunda Seção, julgado em 23/11/2016, DJe de 01/02/2017, pela sistemática dos recursos repetitivos).Nesse cenário, destaca-se a regra de transição do art. 2.028 do CC/02, segundo a qual incidem os prazos do CC/16 (20 anos), quando reduzidos pelo CC/02 (5 anos), se, na data da entrada em vigor deste – 11/01/2003 – houver transcorrido mais da metade do tempo estabelecido naquele (isto é, mais de 10 anos).

Como disse Pontes de Miranda, com a prescrição encobre-se a pretensão.

Tem-se que embora comporte incidência imediata a lei nova acerca de prazos preclusivos ou prescricionais, a doutrina fornece elementos para a solução conflitual, que, pela razoabilidade, merecem ser seguidos na ausência de expressa disposição de lei.

Assim é que, se a nova lei reduz o prazo de prescrição deve-se distinguir: a) se, computado, o prazo maior previsto na lei antiga, este se escoar antes de findo o prazo menor previsto na nova lei, computado a partir da vigência desta, deverá ser adotado o prazo previsto pela lei anterior; b) se computado o prazo previsto pela lei nova, a partir da data do início de vigência desta, se consumar antes de terminado o prazo maior previsto pela lei anterior, aplicar-se-á o prazo menor previsto pela lei nova, contando-se dito prazo a partir da data da vigência da lei nova.

Os princípios aqui enunciados já haviam sido formulados por Savigny(Traité de droit romain, pág. 418/426); a) se lei nova suprime a prescrição, atinge todos os prazos iniciados; b) se a lei nova introduz prescrição desconhecida, aplica-se imediatamente, mas computando-se o prazo a partir de seu início de vigência; c) se modalidade de interrupção é introduzida ou abolida, aplica-se imediatamente a todos os prazos iniciados; d) se a lei nova prolonga o prazo aplica-se imediatamente; e) se a lei nova reduz o prazo, computa-se o prazo reduzido a partir de seu início de vigência, desconsiderando-se o tempo já escoado. Savigny já previa a solução mais adequada; aplica-se o prazo reduzido previsto pela lei nova a partir do seu início de vigência, salvo se findar antes o prazo mais longo previsto pela lei antiga computado o tempo fluído antes da lei nova. Efetivamente, sendo intuito da lei nova reduzir o prazo não poderia aplicar-se de maneira a alongar o prazo(tempo decorrido na vigência da lei antiga mais período mais breve computado, porém, a partir do início de vigência da lei nova).

Essas conclusões, que foram aconselhadas pela doutrina, tiveram consagração no artigo 169, terceira alínea, da Lei de Introdução ao Código Civil alemão.

Se a lei nova amplia o prazo de prescrição extintiva, aplica-se o novo prazo, mas computando-se o tempo decorrido na vigência da lei antiga.

Da incidência imediata da lei nova às prescrições em curso resulta que, se a lei nova torna imprescritível direito que a lei anterior considerava prescritível, imprescritível ficará sendo o direito, salvo se antes da vigência da lei nova, já se houvesse consumado a prescrição. Ao contrário, se a lei nova declara prescritíveis direitos que eram imprescritíveis na vigência da lei anterior, tais direitos passam a ser sujeitos à prescrição, computado o respectivo prazo, porém, a partir da data de início da vigência da lei nova, como já abordou, dentre outros, Roubier(Les conflicts, tomo II, pág. 231).

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Asseveram alguns autores que o momento inicial do prazo prescricional se regula pela lei então vigente e não pela lei nova, como acentuaram Câmara Leal e Carlos Maximiliano.

Por sua vez, os atos jurídicos respeitantes à prescrição, dotados de eficácia própria, disciplinam-se pela lei vigente ao tempo em que ocorreram, como, por exemplo, os atos ou fatos interruptivos ou suspensivos do prazo prescricional.

Ensinou, a propósito, Pontes de Miranda(Comentários à Constituição, volume V, pág. 93): “A interrupção da prescrição pertence à classe dos fatos jurídicos ligados a pontos, a elementos atômicos. Há uma lei, e só uma lei, sob a qual a interrupção se deu. A suspensão iniciada sob a lei antiga, pode ter como causa fato ou estado contínuo, e só nesse caso constitui espécie digna de estudo. O tempo que ocorreu como de suspensão, durante a vigência da lei antiga, é passado, e como passado se trata. A lei nova somente é possível abolir a causa, ou determinar que a suspensão tenha limite. Na primeira hipótese, a prescrição retoma o curso; na segunda, retomá-lo-á no limite fixado, ou desde logo, se o tempo máximo já foi atingido. Se foi considerada imprescritível a ação, e estava correndo a prescrição, cessa o curso, à entrada em vigor da nova lei.”

Pontes de Miranda(Comentários à Constituição, tomo V, pág. 94) adotou os seguintes pontos de vista: “A lei nova não pode ter o efeito de considerar interruptivo da prescrição fato que, ao tempo em que ocorreu, não era, nem o de considerar não-interruptivo(Tribunal Comercial de Marselha, 9 de fevereiro de 1932). Mas, ainda aí, é preciso atender-se a que toda a lei é dominante no seu tempo, de modo que fato passado pode ser causa de interrupção a qualquer momento a partir da lei nova. O que não lhe é dado é estabelecer efeitos no passado, porque não lhe é dado fazer ter entrado no mundo jurídico....A suspensão da prescrição pode resultar de fato instantâneo ou de estado contínuo. No primeiro caso, a suspensão está sujeita a regras relativas a interrupção: se a lei diz que se suspenderá por três meses, o fato que sob ela se produziu, surtirá esse efeito da lei do seu tempo. Noi segundo caso, se a lei nova cria causa de suspensão, a prescrição suspende-se a partir da entrada em vigor, de modo que o tempo corrido, a despeito de ter começado o estado contínuo, se conta do prazo da prescrição; se a lei nova suprime causa que a lei antiga conhecia, a prescrição recomeçará a correr, sem que se conte no prazo da prescrição o tempo que correu”.

A renúncia da prescrição rege-se pela lei vigente ao tempo em que se operou. Se a lei nova permite renúncia à prescrição, é renunciável a prescrição consumada na vigência de lei que não admitia tal renúncia. Se a lei nova não permite renúncia à prescrição, ao contrário da lei anterior que a facultava, prevalece a renúncia verificada na vigência desta.

Tem aplicação imediata a lei que transforma o prazo de prescrição em prazo extintivo ou vice-versa. Se, porém, a lei nova transforma em prazo de decadência o prazo que a lei anterior definira como prescricional, subsistem as interrupções e suspensões do prazo prescricional ocorridas na vigência da lei antiga.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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