De uma relação jurídica, nasce uma obrigação entre devedor e credor. A responsabilidade surge quando o devedor não cumpre sua obrigação. Desta forma, a obrigação de dar, fazer ou não fazer é um dever jurídico originário, enquanto a responsabilidade, um dever jurídico sucessivo, dependendo do primeiro para ocorrência de seu aparecimento. Assim, a responsabilidade civil tem como pressuposto um dever jurídico preexistente advindo de um contrato violado.
Da obrigação e responsabilidade civil
Tal distinção é atribuída a Alois von Brinz, que criou a teoria dualista de Schuld (débito/obrigação), relação obrigacional de ação ou omissão e Haftung (responsabilidade), o dever sucessivo que possibilita o credor a buscar uma reparação para os prejuízos causados pelo inadimplemento. Trazendo para a norma pátria, é o dever de indenizar disposto no art.186 do Código Civil. Ao analisar este dispositivo na literalidade, é possível compreender os pressupostos da responsabilidade, conforme será destacado:
- Conduta: “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência (...)”
- Nexo de causalidade (conduta + resultado): “violar direito e causar (...)”
- Dano: (...) dano a outrem, ainda que exclusivamente moral.
O ato ilícito é um fato jurídico importante para o direito, por ser “capaz de produzir consequências jurídicas, como o nascimento, a extinção e a alteração de um direito subjetivo.” A consequência é a responsabilidade civil extracontratual detalhada pela lei (fonte abstrata e imediata) ou contratual em que nasce pela manifestação das partes.
Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação juridica que o possibilite, ternos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto. (CAVALIERI FILHO, 2012, p.16)
Da origem romana
No contexto histórico, aquele que devia, pagava com o próprio corpo. Porém, com o Lex Poetelia Papiria (lei romana que aboliu a possibilidade do devedor colocar a si ou alguém da família como escravo em troca da extinção da dívida), a evolução do direito consagrou a perspectiva da responsabilização foi entendida pela incidência nos próprios bens do devedor.
Da boa-fé objetiva e os deveres satelitários
Na relação jurídica estabelecida, não é apenas o devedor que possui deveres. Ambas as partes possuem deveres satelitários/anexos/laterais, é dizer: deveres que orbitam toda relação obrigacional para promover a boa-fé objetiva. Tais deveres estão anexos desde a fase pré-contratual, que é aquele momento de negociações iniciais antes da formalização, conforme art.422, CC/02. A boa-fé objetiva, tratada no art.187, CC/02 que caracteriza abuso de direito não é a intenção mental, mas a atos praticados pelas partes, “assim entendida a conduta adequada, correta, leal e honesta que as pessoas devem empregar em todas as relações sociais.” (2012, p.183). Para concatenar as ideias, a boa-fé objetiva possui três funções:
- Interpretativa: interpretação de cláusulas contratuais.
- Integrativa: deveres anexos/satelitários/laterais.
- Controle: estabelece limites para a parte ao pleitear direito subjetivo, “venire contra factum proprio, a supressio, a surrectio -, já apontavam para essa função de controle da boa-fé (...)” (2012, p.208).
Da teoria
A teoria do Duty to Mitigate the Loss (dever de mitigar o próprio prejuízo) preza pela cooperação entre as partes, já que se imagina que ambas pretendem finalizar o conflito da forma mais adequada possível. Sendo assim, o credor estimulado pelos deveres anexos, deve direcionar seus esforços para proporcionar condições possíveis para que o devedor possa adimplir a dívida, de forma a estabelecer uma relação de colaboração para alcançar seus interesses, promovido pelo dever de mitigar o próprio prejuízo.
Da aplicabilidade do princípio Duty to Mitigate the Loss
Desta forma, a inércia do credor, perante uma situação de prejuízo evidente e passível de intervenção, acarretará violação ao dever. Por exemplo, se o credor permite que o devedor, na posse de seu imóvel, não cumprindo as prestações devidas, permanece um longo período de tempo. Assim, perceptível que o credor majorou seu prejuízo, podendo caracterizar má-fé, devido “a ausência de zelo com o patrimônio do credor, com o consequente agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano” (STJ - REsp: 758518 PR 2005/0096775-4, Relator: Ministro VASCO DELLA GIUSTINA (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/RS), Data de Julgamento: 17/06/2010, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/06/2010 REPDJe 01/07/2010).
Neste sentido, ratificando o princípio supra, o Enunciado n° 169 da III Jornada de Direito Civil, interpreta o art. 422 C/02: “O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo”. Portanto, o credor, para melhor deslinde do processo, deve evitar prejuízos desnecessários, sob pena de violação da boa-fé objetiva. Insta salientar, ainda, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que má-fé não se presume: “(...) a presunção de boa-fé é princípio geral de direito universalmente aceito, sendo milenar a parêmia: a boa-fé se presume; a má-fé se prova” (STJ – Resp: 956943 PR 2007/0124251-8, Relator: Ministra Nancy Andrighi, Data de Julgamento: 20/08/2014, CE – Data de Publicação: DJe 01/12/2014).
REFERÊNCIAS
CAVALIERI FILHO, Sergio. Programa de responsabilidade civil. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2012.