Liberdade Econômica -Parte 3

10/06/2019 às 13:03
Leia nesta página:

Esse é um artigo parte de uma série de outros que analisarão a MP 881/2019 e seus reflexos e inovações de forma crítca

Liberdade Econômica (MP 881/2019) – Lei do Bem? – Parte 3

 

Sempre disse que qualquer lei nova, em sentido amplo, gera um desassossego inicial, uma instabilidade jurídica, e não pode ser diferente.

A MP 881/2019 trata das Empresas Individuais de Responsabilidade Limitada – EIRELI, introduzida em nosso ordenamento jurídico, art. 980-A do Código Civil, pela Lei 12.441/2011.

De forma simples: a EIRELI não é uma sociedade, é uma pessoa jurídica de direito privado[1], constituída por uma única pessoa física ou jurídica. O capital não pode ser que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

A criação da EIRELI deu-se basicamente para aquecer a economia, incentivar empresários individuais a não mais terem seu patrimônio pessoal comprometido e acabar com a chamada sociedade fictícia, em que um dos sócios detém quase que a totalidade do capital social e o outro, uma parcela ínfima, tudo com propósito de fugir da ilimitação de responsabilidade. Com a constituição da EIRELI, uma vez integralizado o capital exigido por lei, o titular, seja pessoa física, seja jurídica, não mais assume qualquer responsabilidade, salvo nos casos de fraude, em que se admite a aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.

Durante muito tempo doutrinadores se debatiam quanto à natureza da EIRELI, se pessoa jurídica ou sociedade unipessoal. Essa discussão não tem mais sentido, pois o próprio Código Civil e diversas Jornadas no Conselho Nacional de Justiça firmaram entendimento que se trata de pessoa jurídica.

Sempre defendi a tese que a criação da EIRELI como fomento da economia não iria atender o propósito a que se destinava, em especial pelo alto valor do capital mínimo a ser integralizado, e da discussão em torno das atividades que a EIRELI poderia exercer, ou seja, exclusivamente empresariais, ou as elencadas no parágrafo único do art. 966 do Código Civil. Explico melhor: a EIRELI somente poderia desenvolver atividade empresarial e ter seu registro unicamente na Junta Comercial, ou também quem exercesse atividades artísticas, intelectuais e científica também poderia ser titular de uma EIRELI, como por exemplo, um médico, arquiteto, dentista, etc., com os atos da pessoa jurídica registrados no Registro Civil de Pessoas Jurídicas.

Pois bem, a MP 881/2019 trata da EIRELI em um único parágrafo, incluído no art. 980-A do Código Civil:

§ 7º  Somente o patrimônio social da empresa responderá pelas dívidas da empresa individual de responsabilidade limitada, hipótese em que não se confundirá, em qualquer situação, com o patrimônio do titular que a constitui, ressalvados os casos de fraude.      (Incluído pela Medida Provisória nº 881, de 2019)

 

Confesso que tive que reler várias vezes a regra para tentar entender a “vontade do legislador”. Vamos aos questionamentos:

 

  1. a EIRELI não é uma sociedade, logo, não tem patrimônio social;

 

  1. o princípio da autonomia patrimonial é basilar, ou seja, o patrimônio da pessoa jurídica não se confunde com o patrimônio de seus sócios ou de seu titular, salvo nas hipóteses legais ex. sociedade em comum, sociedade em comandita por ações e sociedade em nome coletivo.

 

  1. é obvio que comprovada a fraude, em qualquer hipótese, não somente na EIRELI, que o patrimônio de quem praticou a fraude vai ser atingido.

 

Pergunta que não quer calar: será que quem redigiu o novo parágrafo sétimo sabia o que estava escrevendo?

 

Caros leitores, por hora vamos ter esperança que vai dar certo, afinal, somos brasileiros!

 

 

 


[1] Código Civil, art. 44,VI.

Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

Informações sobre o texto

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