Com a divulgação recente de mensagens trocadas entre o atual ministro da Justiça e ex-juiz federal Sérgio Moro com integrantes da operação Lava Jato, um turbilhão de interpretações, opiniões e veredictos circula pelas mídias sociais e imprensa. Ou melhor, para conferir uma interpretação político-ideológica, papalva, distante do imprescindível escopo de se perscrutar sobre o fato e suas nuances para se averiguar a notícia, da qual posteriormente seriam interpretados os fatos e dados através de uma reportagem, que para ser isenta deveria ser a mais plural possível. Talvez por atraso cultural ou social essa estrutura lapidar do jornalismo caminhe distante da maioria dos veículos de imprensa, ou quiçá apenas pela influência dos novos meios, como whatsapp, instagram, facebook, que tornam a informação mais dinâmica e menos comprometida com a verdade.
Acredito que conceitos lapidares do jornalismo, como definição de notícia ou reportagem, tenham perdido o sentido que possuíam num passado não muito distante. Como advogado e jornalista, antigo eleitor de José Genoino, Lula e Suplicy, tentarei distinguir o que é direito do que é política. Vamos lá:
Para o direito uma prova obtida por meio ilícito não possui efeito jurídico válido, isto é, ela não presta para provar nada. Como exemplo recente, o STF[1] considerou ilícitas as provas obtidas no domicílio funcional da então Senadora Gleisi Hoffman, “bem como de eventuais elementos probatórios outros delas derivados, com determinação de desentranhamento dos respectivos auto de apreensão e relatórios de análise de material apreendido, com sua consequente inutilização, bem como a inutilização de cópias e espelhamentos de documentos, computadores e demais dispositivos eletrônicos, e a restituição de todos os bens apreendidos no citado local, caso já não tenha ocorrido, e por fim, determinação de inutilização de todas as provas derivadas daquelas obtidas na busca [...],” porque a ordem de busca e apreensão foi considerada inválida; o único voto dissonante da Turma foi de Edson Fachin, para quem nenhuma ilegalidade houve com a ordem de busca e apreensão porque o investigado naquele momento era Paulo Bernardo, seu marido, e não a parlamentar. Nenhum ministro, entretanto, discordou no ponto crucial acerca da imprestabilidade da prova ilícita.
Em direito, de muito prepondera a teoria dos frutos da árvore envenenada, “fruits of the poisonous tree theory”, que preconiza a indispensabilidade de uma fonte de prova juridicamente lícita para não inviabilizar os elementos de convicção que se sucedem, pouco importando se desconsiderar essa prova originariamente viciada importará na liberdade de um político corrupto, de um generocida contumaz, de um pedófilo homicida ou de um líder de organização criminosa, por exemplo. Isso significa que não apenas a prova ilícita é inválida, mas também qualquer outro elemento que possa influenciar na convicção do julgador oriundo daquela prova eivada, denominada “ilícita por derivação”. Nada pode ser aproveitado, pois tudo é considerado constitucionalmente inadmissível. Não cabe aqui discussão sobre a justiça desse entendimento mas apenas a constatação de que é nesse sentido que os operadores do direito caminham.
Politicamente o caminho é outro. Não há compromisso com notícia ou com pluralidade de interpretações, apenas e tão somente discursar para o público pelos interesses mais diversos possíveis, nem sempre democráticos ou altruístas. Um líder político pode desejar dividendos eleitorais, um jurista desejar vender mais livros ou elevar seus honorários, um comentarista pode buscar uma posição que lhe garanta audiência ou “likes”, conforme o veículo, da mesma forma que existem os que exprimem uma ideia porque realmente acreditam nela. Ainda assim não há se falar em opinião certa ou errada lato sensu acerca do aspecto político de qualquer posição; o problema é quando se confunde convicção política com convicção jurídica, travestindo uma na outra num embuste fantasioso cujo único objetivo é confundir, ou melhor, criar uma roupagem de idoneidade e de vítima que ilude os incautos e às vezes os nem tão incautos assim. É mais ou menos como no futebol, pois em regra um corintiano não se transforma em palmeirense pela posição dos times na tabela do campeonato; não é a razão que impera, mas sim um sentimento subjetivo repleto de passionalidade.
No caso das mensagens de texto do ministro Moro com os procuradores federais, sob o aspecto jurídico, se verdadeiras ou falsas, são imprestáveis para embasar qualquer procedimento; são provas ilícitas, constitucionalmente inadmissíveis, porque obtidas de modo antijurídico. Nesse sentido, aliás, nota da ANPR[2]: “Os dados utilizados pela reportagem, se confirmada a autenticidade, foram obtidos de forma criminosa, por meio da captação ilícita de conversas realizadas, violando os postulados do Estado Democrático de Direito. Por essa razão, são completamente nulos os efeitos jurídicos deles decorrentes, na forma do art. 5, incisos XII e LVI, da Constituição Federal e do art. 157 do Código de Processo Penal. A ANPR repudia, categoricamente, o vazamento de informações obtidas de maneira ilegal, independentemente da fonte do vazamento, do seu alvo ou do seu objetivo”.
Analisadas sob o ângulo político, as mensagens, verdadeiras ou falsas, importam mais em tentativa de desconstrução de seu nome pelos detratores de sempre, em larga maioria indigestos pela ascensão do ex-magistrado na política nacional. Para os demais a atuação de Sérgio Moro na Operação Lava Jato foi relevante para a ideia de moralização da República, processando e julgando políticos e empresários de alta grandeza e com sentenças praticamente irretocadas por todas as instâncias do Judiciário.
Não por acaso, em nenhum momento discorri sobre a importância de se verificar o conteúdo das mensagens divulgadas, se verdadeiros ou falsos os textos que ora se imputam a Dallagnol ora a Moro. Isso porque nenhuma relevância, jurídica ou política, possui essa questão. Da mesma forma que não se discute sobre os objetos apreendidos no apartamento da então senadora petista e hoje deputada federal, sobre quais crimes estariam comprovados com aquele acervo que o STF entendeu que não poderia ser utilizado como prova e tornou todos aqueles documentos apreendidos sem efeito jurídico. O certo é que, para o bem ou para o mal, na maioria das vezes o direito passa ao largo da justiça.
Notas
[1] STF, Rcl nº 24473/SP, rel. min. Dias Toffoli, 2ª Turma, por maioria, j. 26/06/2018, p. DJe 06/09/2018.
[2] ANPR- Associação Nacional dos Procuradores da República. Nota Pública. Disponível em: <http://www.anpr.org.br/noticia/5791>. Consulta em: 10 jun. 2019.