A Constituição, balzaquiana, é madura

Lugar do lixo é no lixo?

14/06/2019 às 12:53
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Então, por que nossa comida está cheia de tanto lixo – agrotóxicos?

Nossa premissa nesse texto é conceitual. Assim, afirmaremos que o Estado Ambiental, desenhado na CF/88, é a melhor representatividade da "obrigação pública de fazer" – como promoção da vida humana no meio ambiente equilibrado – e confecciona a forma-Estado mais elaborada, de acordo com o Processo Civilizatório. Por isso, o Estado Ambiental é denominado “Estado de Direito Democrático de Terceira Geração”.
O Estado Ambiental é a forma-Estado em que o meio ambiente não é pauta partidária, mas sim Política, ou seja, não diz respeito apenas a interesses limitados a grupos econômicos e muito menos segue o desiderato da ignorância do governante. Simplesmente porque o país – e obviamente o governo – está entrelaçado ao ambiente global, ao ecossistema planetário, física e digitalmente: um só ecossistema na cibercultura. Um mundo conectado em que virtual e real constroem uma única interface.
No século XXI, por imposição crescente do Direito Internacional ao direito interno (Constituição), também é conhecido como Estado de Direito Democrático de Terceira Geração – ou Estado Altruísta.
A primeira geração do Poder Político (Estado) regulado e normatizado responde pela interposição do Estado de Direito: o Direito se impõe ao poder do príncipe. A segunda geração, do próprio Estado de Direito, corresponde à impregnação do Direito pela Democracia; seu marco é o fim da Segunda Grande Guerra, com a Constituição Alemã de 1949 – na sequência da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948) e a imposição do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. A terceira geração do Estado de Direito implica no recebimento do direito internacional protetivo dos interesses difusos e coletivos: solidariedade planetária, uma vez que a vida do planeta corre sérios riscos.
A cultura, a diversidade, a multiplicidade são por demais evidentes para serem ignoradas pelos juristas – pois seriam potenciais fatores de aproximação e de aporte constitucional transcultural. E é esta premissa que se encontra no Preâmbulo da CF/88, bem como a narrativa constitucional que se inicia no artigo 205. Desse modo, a Constituição Democrática de 1988 (Carta Política Ontológica, como espelho do futuro coletivo) permite tecer uma axiologia básica da Dignidade Humana; constituindo-se numa reserva de valor democrático, ao invés de uma possível reserva de valor político.
Por outro lado, é de se frisar que a alegação política de uma suposta “reserva do possível” (sempre impossível de se fazer social) – juridicamente distante do controle de toda a cidadania democrática – aniquila a própria determinação constitucional, sobretudo quando se intoxica a vida política e os corpos de todas as pessoas.
Sabemos que historicamente a política (mesquinha) sempre impediu a procedimentalização dos direitos fundamentais. Entretanto, o drama ético não demarca seu epílogo, especialmente porque vale a luta pelo Estado do Bem Estar Cultural ou Estado Prestacional, do que se espera o advento de outra racionalidade impeditiva aos que possam ameaçar o meio ambiente e a Humanidade. Eco-lógica é um conceito de Guattari (filósofo) e especifica a ideia de que devemos criar uma consciência profunda, uma racionalidade, portanto, dirigida à Política (Polis) equilibrada como meio ambiente humanizador e socializador. Isto, obviamente, só será possível no socialismo.
É assim que se deve ler a CF/88, como Carta Política Emancipatória, relacionando-se tanto o capítulo da Educação (art. 205) com o Meio Ambiente (art. 225), quanto a Comunicação Social (art. 220) à Cultura (art. 216).
O que, em si, autoriza-nos a dizer que a liberação de milhares de toneladas de agrotóxicos, no Brasil atual, equivale a decretar a morte das gerações futuras, à medida em que intoxica e liquida as gerações presentes: das crianças aos idosos (art. 226).

Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS

 

Sobre o autor
Vinício Carrilho Martinez

Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito. Coordenador do Curso de Licenciatura em Pedagogia, da UFSCar. Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar. Departamento de Educação- Ded/CECH. Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS/UFSCar Head of BRaS Research Group – Constitucional Studies and BRaS Academic Committee Member. Advogado (OAB/108390).

Informações sobre o texto

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