O DOLO NO DIREITO CIVIL

15/06/2019 às 10:54
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE O DOLO NO DIREITO CIVIL DIANTE DA DOUTRINA.

O DOLO NO DIREITO CIVIL

 

Rogério Tadeu Romano

i - A DEFINIÇÃO DO DOLO

Determina o Código Civil de 2002:

Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. 

Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. 

Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. 

Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou.

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. 

Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização

Dolo, na definição de Clóvis Beviláqua(Comentários ao código civil dos Estados Unidos do Brasil, artigo 92), é o artifício ou expediente astucioso empregado para induzir alguém a prática de um ato que o prejudica e aproveita ao autor do dolo não o terceiro. Tal vício, como ensinou Sílvio Rodrigues(Direito civil aplicado, primeiro volume, pág. 102), em muito se avizinha do erro e constitui uma limitação à eficácia do ato jurídico; isso ocorre porque a vontade que o gerou manifestou=se enganada. Alguns autores equipararam erro e dolo, como foi o caso de Giorgi(Obbligazioni, 2ª edição, 1886, volume 4, pág. 92), Stolfi(Teoria del negozio juridico, Padova, § 43). Isso porque a única diferença entre os dois defeitos do ato jurídico é que no erro o engano é espontâneo, enquanto no dolo é ele provado pelo outro contratante.

II - A NULIDADE E A ANULABILIDADE

Para Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, Bookeseller, tomo IV, § 449), dolo, causa de não-validade dos atos jurídicos, é o ato positivo, ou negativo, com que, conscientemente, se induz, se mantêm, ou se confirma outrem em representação errônea.

Aliás, já no direito romano, tinha-se que há duas espécies de invalidade: a nulidade e a anulabilidade. Ocorre a nulidade quando o ato jurídico é, pela falta de requisito ou elemento essencial, incapaz, por si próprio, de produzir efeitos. Ensinou Ebert Chamoun(Instituições de direito romano, 5ª edição, pág. 98) que a nulidade pode ser invocada também por terceiros e ser arguida ex officio pelo juiz. Não é preciso que seja verificada por ação e a sentença que a pronuncia tem caráter meramente declaratório e não constitutivo. A anulabilidade sucede quando o ato jurídico possui todos os elementos essenciais, sendo, por si mesmo, apto à lograr seus efeitos, mas um desses elementos é portador de um vício que autoriza à parte interessada obstar a realização dos efeitos. 

A anulabilidade é a não-validade, dependente de decretação que reduza a nada o negócio jurídico e os seus efeitos, decretação subordinada a não estar caduca a ação de anulação. A decretação de nulidade desconstitui o negócio jurídico existente; a decretação de anulação desconstitui o negócio jurídico existente e desconstitui-lhe a eficácia. Para Pontes de Miranda(obra citada, § 364, pág. 68) “não se precisa pedir a declaração da ineficácia do nulo; pede-se a desconstituição do existente nulo: a declaração de ineficácia seria sem outro alcance que elucidativo. Não assim quanto à decretação de anulação:  então, não bastaria pedir-se declaração de ineficácia e, pedida, seria prematura, porque ainda não se decretara a anulação e poderia ser desfavorável a decisão; ter-se-ia de pedir, antes, e obter-se a decretação da anulação, sem a qual a eficácia não seria atingida”.

Há direito negativo que se exerce contra o negócio jurídico anulável, pretensão e ação constitutivas negativas contra o nulo. Porém, enquanto o direito fundado na anulabilidade tem base no negócio mesmo, que tem eficácia e contra ele e a sua eficácia vai a alegação de ser anulável, o direito à decretação de nulidade é reação do mundo jurídico contra os negócios jurídicos gravemente deficitários, como afirmou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 69).

O anulável, como é o caso do dolo, tem eficácia; é inválido, porém, há duas espécies de invalidade: o nulo é uma delas; outra, o anulável. Esse fato de ser anulável, sem ser nulo, e o de ter efeitos, o que o nulo não tem, levaram a construções diferentes do anulável, segundo Pontes de Miranda(obra citada, § 165, pág. 72): a) uns disseram que a anulabilidade é o nulo(ab initio), que só se revela(ou o revelam) quando a sentença, devido à ação proposta, o mostra, porém tal construção é regressiva à teoria romana do nulo e, no fundo, teve por fito reduzir o anulável ao nulo e ambos ao inexistente, para afirmar a eficácia declarativa das decisões nas ações de nulidade e de anulação(regresso portanto a tempos anteriores à distinção mesma entre nulo e anulável; b) outros, como ainda ensinou Pontes de Miranda, quiseram caracterizar o anulável como o que pode ser desconstituido, confusão mais grave ainda porque mantém o conceito superado de "nulo=inexistente" , embora admita a distinção entre nulo e anulável; c) finalmente, tem-se o nulo como o desconstituivel, que não precisa de desconstituição para que se extingam, ex tunc, os efeitos. A última é a construção cientifica de nossos dias. Se alguém pretende efeitos do nulo, o interessado vem com a alegação da nulidade, que leve em si, como consequência, a de inexistência de efeitos. Se o juiz reconhece a nulidade, desconstitui o negócio jurídico nulo; pode-se dizer que que a sua sentença tem a força de extinguir ex tunc, o ato jurídico, repelindo o suporte fático gravemente deficitário; não se pode dizer que tem eficácia de extinguir os efeitos do negócio jurídico, ex tunc. Não se extingue o nada. A sentença de anulação, sim, extingue, ex tunc, o negócio e, pois, a eficácia que se produzia.

Originalmente o dolo não era imanente da reprovabilidade moral, pelo menos na linguagem leiga. Daí a expressão dolus malus que perdurou.

III - O DOLO, A COAÇÃO, O ERRO E A SIMULAÇÃO COMO VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

O dolo, no direito romano, era irrelevante para o ius civile. Foi o pretor que o coibiu. O dolo que tinha valor para o direito era o dolus malus e não a malícia usual no comércio, a astúcia que usa o comerciante e que toda pessoa medianamente avisada espera encontrar(dolus bonus). 

O silêncio consciente basta: a) se há de dever de informar; b) se conforme os usos, a comunicação tinha de fazer-se; c) se era de se supor, pelas circunstâncias, que o silêncio significava afirmação ou negação.

No dolo existe o recurso, por um dos contratantes, a um expediente astucioso, à artimanha, à burla a fim de convencer o cocontratante à prática do ato jurídico que o prejudica e que beneficia o autor do dolo. O consentimento se externa com base no ludibrio.

Por outro lado, a coação, para viciar o negócio jurídico, deve revestir-se de uma certa gravidade, pois a lei reclama o requisito de gravidade ao determinar deva ele infundir ao paciente um temor de dano. Todavia para se medir a gravidade da ameaça não deve o juiz recorrer ao critério abstrato, tomando um homem padrão, o prudente pater famílias dos romanos, ou um homem destemido.

Na simulação, observe-se não há qualquer defeito do consentimento. As partes simulantes, em conluio uma com a outra, fazem uma declaração de vontade que não corresponde à realidade. As partes fingem um negócio que na realidade não existe como ensinou Ferrara(Simulazione, 5ª edição, 1923, n. 2). Na lição de Belleza dos Santos(A simulação nos negócios jurídicos, n. 10), a simulação é uma burla intencionalmente construída em conluio pelas partes que almejam disfarçar a realidade, enganando terceiros. Hà simulação absoluta e a simulação relativa. Na absoluta a declaração não produz efeito algum não dando vida a qualquer negócio; na verdade falta a vontade para o negócio referido na declaração e não há qualquer outro negócio que as partes tenham pensado. Mas se isto assim é entre as partes, para com terceiros de boa-fé deve considerar-se o negócio simulado como existente e válido; o terceiro que adquiriu com fundamento no negócio simulado conservará, pois a aquisição desde que não conhecesse a simulação. Na simulação relativa, se desejava um negócio, mas foi outro que se concluiu. O negócio simulado é nulo. Na simulação relativa, pelo contrário, deve considerar-se como aparecido aquele que realmente se pretendeu, isto desde que no negócio simulado se contenham todos os elementos substanciais e formais que são necessários para a existência do dissimulado. Mas, em face de terceiros de boa-fé que tenham adquirido direitos com fundamento no negócio simulado, este considera-se como existente e válido, uma vez que os autores da simulação não a podem invocar para impugnar a aquisição feita por esses terceiros de boa-fé.

IV - ESPÉCIES DE DOLO

De toda sorte, ensinou Roberto de Ruggiero(Instituições de direito civil, volume I, 3ª edição, tradução Dr. Ary dos Santos, pág. 238), constitui dolo tudo que seja contrário aos ditames da honestidade e tenha por fim enganar alguém: uma vontade maldosa que opera ardilosamente, para induzir ou manter alguém em engano ou para prejudicar o enganado, dando proveito ao enganador. Trata-se, pois, dizia Ruggiero, de um ato ilícito, considerado aqui como causa que faz desviar a vontade da sua reta determinação, provocando o erro.

O dolo que constitui o ato ilícito é o que é caracterizado pela perversidade do propósito, o dolus malus das fontes romanas, não se lhe podendo equiparar as seduções, as blandícias ou qualquer outro artifício menos leal que uma parte adote nos contratos para prevalecer sobre a outra, dolus bonus. Assim por dois modos pode, pois, o dolo ilícito operar sobre a vontade; ou determinando-a, de modo que sem ele o negócio jurídico não se teria realizado(dolus causam dans), ou influindo em momentos secundários, de tal modo que ainda sem o dolo o negócio se teria realizado, posto que em condições diversas e, por via de regra, menos onerosas(dolus incidens), como ensinou Biondi(Dolus incidens e dolus causam dans, in Riv. DIr. Comm, 1911, XII, páginas 100 e seguintes).

Aliás, como ensinou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 391) a distinção entre dolus causam dans e dolus incidens veio dos glosadores e foi mérito de G. Noodt combate-la, por ser estranha ao direito romano, como a teoria da nullitas por dolo ou pelo dolo casual, a despeito de tantos pandectistas do nosso tempo a admitiram, como se afirma  com Regelsberger(Pandekten, I, 537), dentre outros. Para Pontes de Miranda, ainda, o enganado, em caso de dolus causam dans, pode pedir perdas e danos ou a anulabilidade, como se lê de Ziegler, von Gluck, Regelsberger, dentre outros.

O dolo que pode invalidar o negócio é apenas o dolo determinante; o dolus incidens, não influindo na vontade fundamental de realizar o ato, pode levar a um pedido de indenização do dano, a uma redução da prestação prometida ou, em geral, a uma limitação dos efeitos com a supressão daqueles que são consequência da manha empregada, como explicou ainda Ruggiero(obra citada, pág. 259). Mas, é, porém, necessário que o dolo, se teve lugar num negócio jurídico bilateral, provenha de outra parte, pois, desde que provenha de um terceiro que lhe seja estranho, é irrelevante quanto à validade do negócio e apenas poderá dar lugar a uma ação de indenização contra o terceiro autor do engano, isto ao passo que quanto às relações dos contraentes entre si tem influência exclusiva o erro originado pelo dolo. Por outro lado, entende-se que, ainda quando usado por um terceiro, o dolo constitui motivo de anulação quando o outro contratante o conhecia, quando para vantagem própria nele comparticipa. Pelo contrário, nos negócios unilaterais é invocável o erro cometido seja por quem for, como nas disposições de última vontade e de aceitação da herança.

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Lecionou Pontes de Miranda que o Código Civil admitiu a distinção entre dolus causam dans e dolus incidens, isto é, entre o dolo sem o qual não se teria manifestado a vontade e o dolo sem o qual a vontade se teria manifestado, mas de outro modo. O dolo acidental só obriga a satisfação por perdas e danos. É acidental o dolo, quando a seu despeito o ato se teria praticado, embora por outro modo. Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 393), portanto, não há pensar-se em anulabilidade, se o dolo foi acidental ou incidente(dolus incidens). Para Pontes de Miranda, tal distinção escolástica é contrária às fontes romanas, não obstante o que escreveram Windscheid(Lehrbuch, I, 9ª edição, 404), Regelsberger. Mas essa distinção é tradicional no direito luso-brasileiro, como se lê de Melo Freire(Institutiones, I, 115), Manuel de Almeida e Souza(Tratado sobre as Execuções, 229), Coelho da Rocha. No direito alemão, abstraiu-se dela(L Enneccerus, Lehrbuch, I, 30ª a 34 ed. 439), dentre outros.

O dolo acidental ou dolo incidente não atinge a validade do ato jurídico, posto que possa constituir ato ilícito relativo. O figurante de tal maneira se conduziu que o negócio jurídico se concluiu como ele queria, porém, se o outro figurante soubesse da verdade, o teria concluído com melhores cláusulas. A obrigação pelo dolus incidens é oriunda do ato ilícito relativo, e se dá a ação de diferença. Mas não se deve construir, como disse Pontes de Miranda(obra citada, pág. 403), como ação de indenização por ato ilícito absoluto, que era prevista no artigo 159 do Código Civil de 1916, se bem que essa possa concorrer. Porém nada tem com o dolo, infração de contrato, que é posterior à conclusão deste, como ainda revelou Pontes de Miranda.

De todo modo, o dolo do representante de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve.

Aqui assim se passa:

Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. 

A representação pode ser definida como o instituto graças ao qual alguém pratica um ato jurídico em lugar de uma outra pessoa com a intenção de que esse ato valha como se fosse praticado por essa outra e produzindo realmente para ela os seus efeitos. O querer que a própria declaração valha como declaração alheia implica que aquele que a faz atue não so por conta e no interesse de outrem, mas também em nome de outrem, pois só assim é possivel que o negócio surja como levado a efeito pelo próprio representado e que todos os seus efeitos lhe digam direta e exclusivamente respeito, sem que deles participe, seja no que for, o declarante.

Poderá a representação ser legal, que é a representação feita pelas pessoas que, em virtude de um oficio especial ou de um poder familiar, agem em lugar do incapaz ou por conta de pessoas coletivas.

A representação é voluntária quando alguém confia a outrem o encargo de praticar por si e em seu nome um ato jurídico ou quando, sem tal encargo, alguém começa a gerir os negócios alheios(gestão).

Dir-se-á que a solidariedade não se presume. Ela advém da lei ou da vontade da lei. No caso da segunda parte do artigo 149 do Código Civil a fonte é a lei e sua interpretação deve ser restritiva.

A solidariedade tem uma origem puramente técnica.

De regra é imposta por lei ou convencionada pelas partes e de forma expressa em seu ajustamento.

A solidariedade implica pluralidade de sujeitos e unidade de prestação.

Os alemães faziam uma distinção entre solidariedade perfeita ou correalidade e solidariedade propriamente dita ou imperfeita, baseada na ideia original que vinha de Ribbentrop e de Keller, a que Windscheid emprestou o prestígio com apoio em Lacerda de Almeida.

Cada devedor deve a coisa in solidum, como cada credor a pode receber.

Depois de se dizer no artigo 148 do Código Civil, correspondente do artigo 95 do Código Civil de 1916, que:  “Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou”, tem-se no artigo 149 do Código Civil já aqui observado. Este é mais amplo do que se dizia no artigo 96 do Código Civil revogado. A regra do antigo artigo 95 do Código Civil de 1916 provém do esboço de Teixeira de Freitas, no artigo 481, primeira parte, onde se dizia: “O dolo cometido por qualquer representante voluntário ou necessário de uma das partes reputar-se-á como cometido por seus representados para o efeito somente de responsabilidade civil destes até a concorrente quantia do proveito que tiveram”. A responsabilidade do representado é por ato alheio; a lei limitou-a ao proveito que teve.

Procura explica-la a teoria  da representação apoiada por Brinz, Edmundo Lins, Mourlon, Aubry et Rau, Enneccerus, Orozimbo Nonato,  e tantos outros grandes civilistas. Essa teoria explica que a teoria da solidariedade  gera uma espécie, constituindo-se cada devedor  mandatário dos demais, de tal maneira que, ao agir, procede em beneficio de todos. A mesma representação vigoraria entre os cocredores , atuando cada qual no interesse de todos. Entretanto, não se admitindo o mandato tácito senão os atos úteis ao grupo, pois não se compreenderia uma presunção de mandato, contra os interesses do mandante, alguns autores formulam uma ideia de representação limitada.

Assim como o autor do dolo não o pode invocar contra a outra parte para invalidar o negócio da mesma forma, quando ambos os contraentes se tenham naturalmente engando, nenhum deles pode agir contra o outro, compensando-se o dolo de cada um com o do adversário, como disse Lipari(Il dolo processuale, 1926).

Mas o dolo pode consistir em omissão, ou em aproveitamento do erro de outrem, vantagem patrimonial, no que se distingue do dolo imoral o dolo invalidante. Tampouco, o dolo à vítima do dolo.

Se, no momento da manifestação de vontade, o manifestante estaria em dolo e o ocultamento da verdade não desapareceu por circunstância posterior, como o de ter deixado de ser falsa a aparência, o vício do dolo permanece até que se dê a aceitação. Se desapareceu, como aludiu Pontes de Miranda, a falta da verdade e essa aparece, não á mais situação tal qual era, aprecia-se ao tempo da aceitação(para discussão).

No dolo, o manifestante quis o que manifestou. Erro essencial, se houve, não importa, nem importa se não houve. Porque o dolo levou a querer-se outra coisa, ou a só se querer devido ao dolo. No dolo, já dizia Friedrich Klain, o erro pode estar nos motivos.

O ato doloso pode ser positivo ou negativo. Basta deixar-se de comunicar a falsidade, se a pessoa está em erro. Se ela, se soubesse, não manifestaria a vontade, e o agente sabe, dolo há. A promessa de pagar comissão ao empregado, ou advogado do outro figurante, perfaz o elemento dolo.

Para Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume I, 14ª edição, pág. 361), o mecanismo psíquico do dolo, por ação ou omissão, é o mesmo e se verifica na utilização de um processo malicioso de convencimento, que produz na vítima um estado de erro ou de ignorância, determinante de uma declaração de vontade que não seria obtido de outra maneira. Em todo dolo, enfim, há uma emissão volitiva enganosa ou eivada de erro, na qual, porém, é esse relegado a segundo plano, como defeito em si, uma vez que sobreleva a causa geradora do negócio jurídico, e é por isso que o procedimento doloso de uma parte leva à ineficácia do ato, ainda que atinja seus elementos não essenciais ou a motivação interna. Mas, repita-se, não se pode confundir o erro, vício de consentimento, com o erro gerado pela manobra do interessado, o qual é causa eficiente da anulação sob condição apenas de ser determinante no negócio.

Assim, de regra, não importa seja o procedimento doloso uma ação ou omissão. O que se tem de indagar é se o dolo foi a causa determinante do ato, dolus causam dans, chamado dolo principal, que conduz o agente à declaração de vontade, fundado naquelas injunções maliciosas, o que de outra maneira dita significa que o dolo só tem o efeito de anular o negócio jurídico quando chegue a viciar e desnaturar a declaração de vontade. Sendo o dolo acidental, dolus incidens, quando não influi diretamente, como dito, na realização do ato, que se tenha praticado independentemente da malícia do interessado, porém, em condições para este menos vantajosas e é por isso que somente o dolo principal conduz à anulação do negócio, obrigando o dolo acidental exclusivamente à satisfação de perdas e danos.

Por certo a distinção entre o dolo principal e o dolo incidente é sutil, e, às vezes, difícil de se provar na prática.

No dolo não pode ser considerado terceiro o representante de uma das partes, que, tenha agido dolosamente, pois, em razão desta qualidade, ele procede como se fosse o próprio representado. Aliás, Clóvis Beviláqua esclareceu ter o Código Civil feito aplicação da teoria da representação voluntária e necessária, já antes consignada por Teixeira de Freitas(Esboço, artigo 481) e no projeto Coelho Rodrigues(artigo 312). Essa situação sujeita-o às consequências, limitada contudo a responsabilidade à importância do proveito que advém do ato, com ação regressiva contra o representante.

Tem-se que o ato jurídico só é anulável por dolo se o réu mesmo foi quem cometeu o dolo. Ou se, cometido pelo terceiro, dele soube. Pode dar-se que o seja por erro, conforme o estipulado na legislação civil. Se houve dolo de terceiro e o figurante não o conheceu, o lesado somente tem ação de indenização contra o autor do dolo. Terceiro é quem quer que participou dos entendimentos dos ajustes e da feitura das minutas, ou contraminutas, ao lado dos figurantes, ou pôde influir em tais entendimentos, ajustes, minutas ou contraminutas ou em informações do figurante, como traçou Pontes de Miranda(obra citada, § 450, pág. 305).

O procurador, o órgão da pessoa jurídica, o caixeiro-viajante, o agente, o advogado presente às negociações e formulações, não são terceiros e empregados – os seus atos dolosos, lesivos ao outro figurante, são como se fosse da pessoa, que os tem a seu lado; não assim: os órgãos, procuradores, agentes, advogados e empregados do que foi lesado pelo dolo, porque esses são terceiros.

Se o dolo foi de terceiro e o figurante não soube do que se passou, o ato jurídico não é anulável por dolo. Se o figurante soube do dolo de terceiro, o que foi vítima pode pedir a anulação. De modo que, se o figurante desconheceu o dolo de terceiro, mas se aproveitou ou se aproveita do que daí resultou e sofre o que foi vítima, só fica ao prejudicado, a ação de indenização contra o terceiro, pelo ato ilícito.

O representante, o mandatário, ou o procurador e o gestor de negócios do demandável não são terceiros: não é preciso que o representado ou mandante, ou dono do negócio tenha conhecido o dolo de tais pessoas, para que se peça a anulação por dolo, contra ele.

Mas, pode dar-se que o terceiro, sem deixar de o ser, se beneficie com o ato jurídico. Tal o beneficiado pela estipulação a favor de terceiro. Ou se admite que a anulação se dê pelo fato do terceiro, atendida a circunstância de ser o beneficiado, ignorando o dolo o destinatário da manifestação da vontade, o que seria a opinião de G. Plank(Kommentar, I, 306), Von Tuhr(Der Allgemeine Teil, II, 618), dentre outros.

Se houve assunção da dívida de quem não é figurante do negócio jurídico, com a eficácia da liberação imediata, só se faz anulável a assunção da dívida se o manifestante de vontade conhecia o dolo do devedor.

Dir-se-á, por fim, que a ação de anulação nasce do fato de haver defeito no ato jurídico. Não é efeito do ato jurídico em si, é efeito do que e´contradireito, com sanção anulatória, no mundo jurídico.

Para que seja nulo o ato jurídico é preciso que a invalidade se produz ipso iure, sem necessidade de ação, salvo regra jurídica especial que, por algum fundamento à parte exija a propositura da ação, em processo próprio. As anulabilidades, não: essas dependem sempre de propositura de ação, em processo próprio.

Com a ação de anulabilidade por dolo pode concorrer a ação redibitória.

Mas o dolo, que faz inválido o ato jurídico também pode dar ensejo à ação de indenização, uma vez que houve ato ilícito.

Aplica-se o artigo 186 que tem correspondente no Código Civil de 1916 no artigo 159.

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

A indenização, se ocorre a anulação, é só do interesse negativo, porque o interesse positivo suporia a existência do ato jurídico. Assim o réu pode objetar que o ato jurídico, se não tivesse havido o dolo, se teria concluído com outras cláusulas(dolus incidens) e a indenização há de atender a isso. Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 409) se o dolo apenas influiu quanto ao preço, não há anulabilidade.

À ação de anulação basta o fato do dolo, do figurante ou de terceiro; à de indenização, a culpa do demandado e o réu há de ter sido capaz delitualmente. A ação de anulação tem, contra o réu, eficácia imediata; os bens, de que a vítima dispôs, voltam. A ação de indenização é só pessoal.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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