A aplicabilidade das causas interruptivas da prescrição nos casos de usucapião familiar

18/06/2019 às 21:13
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O presente artigo tem a finalidade de compreender o recente instituto da usucapião por abandono do lar previsto no Art. 1.240-A do Código Civil de 2002, acrescentado pela Lei 12.424/2011, e a aplicabilidade de suas causas interruptivas de prescrição.

RESUMO:

O presente artigo tem a finalidade de compreender o recente instituto da usucapião por abandono do lar previsto no Art. 1.240-A do Código Civil de 2002, acrescentado pela Lei 12.424/2011, e a aplicabilidade de suas causas interruptivas de prescrição. Paira a dúvida sobre o que caracteriza abandono do lar. O objetivo é buscar uma solução para o imóvel que foi abandonado pelo (a) ex-cônjuge, por um lapso temporal igual ou superior ao previsto em lei, cuja sentença, transitada em julgado, manteve o bem em condomínio.

PALAVRAS-CHAVE: Usucapião, Usucapião-Familiar, Prescrição Aquisitiva, Abandono-Familiar, Usucapiente.

INTRODUÇÃO:

Percebendo-se as incontáveis situações onde a (o) (ex) cônjuge ou (ex) companheira (o) permanecia no imóvel, após o abandono familiar por seu par e assumindo exclusivamente os ônus de manutenção e tributos do imóvel, mas não podendo consolidar a situação do bem, impedida (o) de usufruir e dispor integralmente daquele, ou seja, de exercer a totalidade da propriedade, o Art. 1228 do Código Civil de 2002. A lei 12.424/2011 criou o instituto da, assim denominado pela doutrina, usucapião familiar, pró-família ou por abandono do lar.

Trata-se de uma alteração legislativa recente e pouco estudada pela doutrina. Seus efeitos ainda não foram devidamente compreendidos, pacificados e difundidos. Contudo o referido artigo tem a intenção de elucidar o recente instituto sem esgotar possíveis discussões acerca do tema.

A metodologia aplicada nesta pesquisa é a bibliográfica, onde foram utilizados como vetores a legislação pátria, a doutrina e jurisprudência dos tribunais sobre o tema.

A APLICABILIDADE DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO NOS CASOS DE USUCAPIÃO FAMILIAR

  1. CONCEITO DE USUCAPIÃO.

Não podemos falar de usucapião-familiar sem antes conceituar brevemente a Usucapião.

A usucapião, que também pode ser chamada de aquisição aquisitiva, é uma modalidade de aquisição originária da propriedade da coisa móvel e imóvel, disciplinada no Código Civil de 2002. A usucapião forma-se pela posse mansa e pacífica, com animus domini, ininterrupta da coisa por um determinado tempo (dois, três, cinco, dez ou quinze anos), que varia conforme a sua modalidade. O que possibilita que o possuidor adquira efeitos da propriedade é o preenchimento de todos os requisitos. Sustentados tais requisitos pelo prazo mínimo legal, o usucapiente obtém, com a sentença judicial transitada em julgado, a declaração do estatal necessária para o registro do imóvel. A usucapião intervém de duas formas lógicas no direito à propriedade: onde o possuidor adquire a propriedade da coisa e, ao mesmo tempo, seu antigo proprietário vê seu bem expropriado.

  1. FUNÇÃO SOCIAL DO IMÓVEL.

O abandono e/ou a negligência para com a propriedade é um dos motivos basilares para o instituto da usucapião, segundo LAFAYETTE:

“não é propriamente uma razão determinante da prescrição aquisitiva, mas intervém como uma consideração moral de grande valor para pô-la sob uma luz mais favorável, tirando-lhe o caráter espoliativo, que à primeira vista se lhe atribui”.

Isso porque o princípio da utilidade social tem como objetivo dar estabilidade e segurança à propriedade, facilitar a prova do domínio e consolidar as aquisições. Este princípio também é consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil em seu art. 5º, XXIII “a propriedade atenderá a sua função social”. Segundo a doutrina tal instituto repousa na paz social e estabelece a firmeza da propriedade, libertando-a de reivindicações inesperadas, corta pela raiz um grande número de pleitos, planta a paz e a tranquilidade na vida social: tem a aprovação dos séculos e o consenso unânime dos povos antigos e modernos.

  1. USUCAPIÃO POR ABANDONO FAMILIAR.

A Lei n. 12.424/2011 inovou, instituindo a modalidade de usucapião especial urbana, chamada de usucapião familiar, inserindo no Código Civil o art. 1.240-A e seu § 1º:

“Art. 1.240-A. Aquele que exercer, por 2 (dois) anos ininterruptamente e sem oposição, posse direta, com exclusividade, sobre imóvel urbano de até 250 m 2 (duzentos e cinquenta metros quadrados) cuja propriedade divida com ex-cônjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar, utilizando-o para sua moradia ou de sua família, adquirir-lhe-á o domínio integral, desde que não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural.

§ 1º O direito previsto no caput não será reconhecido ao mesmo possuidor mais de uma vez”

O propósito do legislador com o advento da referida lei era o de considerar os casais de baixa renda e a regularização fundiária, porém a nova espécie de usucapião possui alcance generalizado e independe do padrão do imóvel, atingindo inclusive propriedades situadas nas áreas nobres das grandes cidades e de grande valor. O imóvel deve ser comum do casal, já partilhado ou ainda pendente de partilha. Não pode o imóvel ser próprio do ex-cônjuge ou ex-companheira (o) que abandona o lar, podendo ocorrer a usucapião em outras modalidades, mas não a usucapião familiar.

A usucapião familiar é a espécie que necessita do menor decurso de tempo para usucapir e também possui requisitos objetivos. É compreendida como um meio de a (o) ex-cônjuge ou ex-companheira (o), que permaneceu na posse, adquirir a integralidade do domínio do bem imóvel comum ao casal, visando "preservar a segurança e os interesses das pessoas integrantes da família, dando uma excepcional tutela social ao núcleo", de acordo com a professora Maria Helena Diniz. De acordo com o Art. 1.240-A e seu parágrafo primeiro, esses são seus requisitos objetivos: I) lapso temporal ininterrupto de dois anos e sem oposição, contado do abandono do lar pelo cônjuge ou companheiro; II) posse direta; III) imóvel comum ao casal e urbano com metragem fixada por lei (até duzentos e cinquenta metros quadrados); IV) o imóvel deve ser exclusivamente para moradia de quem permaneceu no bem e/ou sua família; V) que o usucapiente não seja proprietário de outro imóvel urbano ou rural; VI) é vedado que essa modalidade de usucapião seja reconhecida mais de uma vez para o mesmo possuidor.

  1. ABANDONO DO LAR.

O abandono do lar deve ser algo voluntário e injustificado, sendo essencial o elemento culpa, que deverá ser necessariamente do ex-consorte que deixou o lar. A expressão abandono do lar é um tema bastante discutido na doutrina, pois o termo é abstrato e não seria o mais adequado. Prevalece o entendimento de que o abandono do lar não é um mero requisito objetivo, uma simples saída do imóvel, mas um ato voluntário de abandonar a posse do bem somado à ausência da tutela familiar. Neste sentido já decidiu o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

(...) A usucapião especial por abandono familiar, instituída pela Lei nº 12.424/2011, não abrange bens com área total superior a 250m², sendo, ainda neste contexto, inviável desconsiderar o excedente. Precedentes deste Tribunal. O abandono do lar pelo ex-cônjuge ou ex-companheiro não é pressuposto meramente objetivo, exigindo demonstração da deserção voluntária e injustificada do ambiente familiar, associada ao descumprimento de deveres de assistência material e sustento do lar. (...) (Apelação Cível Nº 70066478223, Décima Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Mylene Maria Michel, Julgado em 10/03/2016).

O tempo do abando do lar, embora não mencionado na lei 12.424 de 16 de junho de 2011, somente pode ser computado a partir da vigência da lei, ou seja, o pedido de usucapião-familiar só poderia ser feito após o decurso de dois anos, em proteção ao princípio da segurança jurídica. Contudo, o abandono voluntário, imotivado e definitivo, efetivamente deve ser contado da saída voluntária do lar conjugal, que pode ter ocorrido antes ou no período da vacatio legis.

O entendimento exposto é que a espera daquele prazo é uma garantia individual, já que um bem imóvel não poderia ser suprimido imediatamente do domínio de quem abandonou sem que se possibilitasse um período para o exercício de uma pretensão, de demonstração de algum interesse pelo bem, além de vedar a decisão surpresa e o desconhecimento desta possibilidade de usucapião. O abandono voluntário do lar deve ser considerado um ato continuado que se perpetua no tempo. Desta forma, iniciado antes; o abandono, mas cumprido o prazo de dois anos, esse requisito subjetivo deve ser considerado suprido.

  1. A APLICABILIDADE DAS CAUSAS INTERRUPTIVAS DA PRESCRIÇÃO NOS CASOS DE USUCAPIÃO FAMILIAR.

Os artigos 197, 198 e 199, todos do Código Civil, estabelecem as causas impeditivas ou suspensivas da prescrição, in verbis:

Art. 197. Não corre a prescrição:

I - entre cônjuges, na constância da sociedade conjugal;

II – entre ascendentes e descendentes durante o poder familiar;

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III – entre tutelados ou curatelados e seus tutores ou curadores, durante a tutela ou curatela.

Art. 198. Também não corre a prescrição:

I – contra os incapazes de que trata o artigo 3º;

II – contra os ausentes do país em serviço público da União, dos Estados ou dos Municípios;

III – contra os que se acharem servindo as Forças Armadas, em tempo de guerra.

Art. 199. Não corre igualmente a prescrição:

I – pendendo condição suspensiva;

II – não estando vencido o prazo;

III – pendendo ação de evicção.

De acordo com o art. 197 inciso I, a prescrição não corre entre cônjuges na constância da sociedade conjugal, ou seja, a prescrição é interrompida e o prazo bienal da usucapião familiar tem o seu termo inicial na data da separação de fato do casal. A razão de ser da causa suspensiva é a preservação da harmonia familiar. Porém a Jurisprudência percebe maiores efeitos à separação de fato, como a não comunicação dos bens posteriores ao fim do convívio.

O art. 199 inciso II fortalece um dos requisitos do art. 1.240-A que prevê o prazo mínimo de dois anos ininterruptos de posse direta e exclusiva para a aquisição da propriedade por este novo instituto. Neste sentido já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (STJ):

(...) Nesse contexto, verifica-se que tanto o juízo de primeiro grau quanto o Tribunal de Justiça bandeirante afastaram o pedido de reconhecimento de usucapião familiar sob os seguintes argumentos: i) não preenchimento do prazo prescricional aquisitivo estabelecido em lei; ii) inaplicabilidade retroativa da lei que introduziu no ordenamento jurídico a modalidade de usucapião familiar; iii) não incidência das outras espécies de usucapião à hipótese dos autos e, por fim, iv) inexistência de animus dominus por parte da requerente. (...) Recurso Especial Nº 1.482.164 - Sp (2014/0223679-7), Superior Tribunal De Justiça, Relator : Ministro Paulo De Tarso Sanseverino, Julgado Em 04/09/2017.

Entende-se, também, a perfeita aplicabilidade do instituto às uniões homoafetivas, quanto aos efeitos e consequências similares aos das uniões heterossexuais, diante do reconhecimento de tais uniões como entidades familiares pelo STF. (ADI n. 4.277 e ADPF n. 132).

  

CONCLUSÃO.

Esta pesquisa procurou contribuir de forma sucinta com a formatação e interpretação dessa modalidade de usucapião, tendo por objetivo à consolidação de seus efeitos e procedimento. Entende-se que de acordo com a legislação pátria, doutrina e jurisprudência que são aplicáveis às causas de interrupção da prescrição nos casos de usucapião familiar pelos motivos apresentados neste estudo.

Muito será dito pela doutrina e jurisprudência dos tribunais, que aos poucos vêm sendo provocados a se manifestarem sobre o recente instituto.

Por fim, podemos concluir que o instituto da usucapião-familiar veio, também, consagrar o artigo 226 da Constituição Federal: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.” Conferindo uma proteção maior à família abandonada.

REFERÊNCIAS:

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Câmara dos Deputados, 1988.

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Brasília: Câmara dos Deputados. 2002.

PELUSO, Cezar; Código Civil Comentado: doutrina e jurisprudência / Claudio Luiz Bueno de Godoy, 13. Ed, Barueri (SP) – Manole, 2019

GONÇALVES, Carlos Roberto; Direito Civil Brasileiro, vol 5: direito das coisas, 13º edição, São Paulo – Saraiva Educação, 2018.

NADER, Paulo; curso de Direito Civil vol. 4, Direito das Coisa, 7º edição, Rio de Janeiro -Forense, 2016.

Sobre o autor
Felipe Rodrigues da Silva

Formado em Administração de Empresas e cursando Direito, na qual me apaixonei instantaneamente!

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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