O COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS AUTORIDADES FISCAIS: REFLEXÕES E CRÍTICAS.

21/06/2019 às 10:21
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Analisar as recentes decisões do STF quanto ao Sigilo Bancário e Fiscal, bem como fazer uma reflexão crítica quanto a ausência de adequada regulamentação do tema pelo parlamento e os danos de constantes mudanças de orientação judicial do STF.

O COMPARTILHAMENTO DE INFORMAÇÕES ENTRE O MINISTÉRIO PÚBLICO E AS AUTORIDADES FISCAIS: Reflexões e críticas.

Vários foram os momentos em que o Supremo Tribunal Federal (STF) manifestou-se quanto a constitucionalidade do compartilhamento de informações para as instituições públicas/estatais. Em alguns momentos foram analisadas situações em que o Fisco requisitava informações diretamente às instituições do sistema financeiro nacional, informações estas que são protegidas pelo sigilo bancário. Em outro momento foi analisado o fornecimento de informações pelo Fisco ao Ministério Público, sendo que tais informações são protegidas pelo sigilo fiscal. Isto para ficar somente nestes exemplos, dentre outros casos analisados nesta seara.

Num destes julgamentos, o STF analisou as ADIs 2390, 2386, 2397 e 2859 e na RE601314, julgados de forma conjunta no Plenário do STF em 24/02/2016, firmou tese de que é constitucional a transferência de informações dos bancos ao Fisco[1]. A fundamentação é que se o sigilo fiscal é protegido, tal qual o sigilo bancário, portanto não ocorrerá quebra de sigilo, pois em ambas situações o sigilo ficará protegido.

Já em 2010, no julgamento da RE 389808/PR, o STF entendeu que é quebra de sigilo a transferência de informações da instituição financeira ao Fisco e que, portanto, deve passar pelo crivo judicial[2].

Já em Maio deste ano de 2019, no RE 1.144.128 a 2ª turma do STF cassou a decisão monocrática do Ministro Edson Fachin[3] datada de Novembro/2018, em que o ministro Fachin entendeu pela constitucionalidade da transferência de informações do Fisco para o Ministério Público, reformando a decisão do TRF-3ª que teve entendimento pela inconstitucionalidade deste compartilhamento de informações, por ofender a proteção ao sigilo fiscal. Com a decisão da 2ª Turma, o processo retorna ao TRF-3ª, desta vez para que seja respeitado o rito dos artigos 1.039 e 1.040 do CPC, ou seja deverá o Juízo de origem aplicar tese paradigma já firmada.

Na prática cassaram a decisão do Ministro Fachin, e deram ordens para que o processo retornasse à origem para que fosse justamente aplicada a Tese Firmada em Repercussão Geral nas ADIs citadas no parágrafo acima deste artigo, portanto cassaram a decisão do Min. Fachin para que o Juízo a quo confirme a decisão do Min. Fachin. Bem foi meandros do ‘jurisdicismo’ que até os versados na prática judicial ficam atônitos, mas é isso mesmo, cassaram para confirmar.

Em Abril de 2018, o STF por meio do Plenário Virtual, decidiu pela afetação em Repercussão Geral do RE 1055941[4]. Neste RE interposto pelo MPF, é contestada a decisão do TRF3ª que entendeu pela ilicitude do compartilhamento de informações entre Fisco e o Ministério Público. Este Recurso afetado pela Repercussão Geral entrou na pauta para ser julgado pelo STF em Novembro de 2019[5].

Fica então a possibilidade do STF em reformar jurisprudência firmada em Fev/2016, onde os efeitos diretos é que pode significar a confirmação da tese paradigma ou a sua reforma. Ocorrendo a reforma, permitirá a anulação das de ações penais movidas pelo Ministério Público, onde as trocas de informações entre a Receita Federal e o MPF viraram prática recorrente.

Um dos significados indiretos da afetação é a insegurança jurídica que incide sobre todo cidadão, não conseguindo saber com regularidade as regras do jogo, que podem ser mudadas como mudam as previsões climáticas, colocando em risco toda a sociedade por não saber os limites das ações que o Estado pode utilizar-se em matéria de persecução penal.

Outro significado indireto resultante de tais mudanças repentinas e constantes de entendimento jurisprudencial em nossas cortes supremas, é que já faz horas que o Parlamento deve debruçar-se sobre tal temática e efetuar a competente regulação do sigilo bancário e fiscal!

Aos tribunais superiores não cabem criar a lei, mas tão somente em interpretá-las. Portanto alterações do colegiado, ou até mesmo alterações na convicção dos próprios julgadores (Ex: Min. Lewandowski em 2010 tinha um entendimento, em 2016 ele mudou o seu entendimento, podendo novamente voltar a mudar seu entendimento agora em Novembro/19), sem falar que trata-se de matéria que passa pelo crivo de Juízo Singular, de Tribunais Regionais e por fim das cortes superiores (STF e STJ), sem contar que antes acaba passando pelo crivo da autoridade fiscal e pelo Ministério Público, tudo isso afetando diretamente a vida do cidadão, colocando-o sempre na insegurança do seu destino, vide as constantes alterações de entendimento judicial e administrativo.

Assim sendo, é cabível e devido que o Parlamento faça cessar essa insegurança jurídica e discipline de maneira clara e objetiva se é possível o compartilhamento de informações entre o sistema financeiro e as autoridades fiscais, bem como se é possível o compartilhamento de informações fiscais entre as autoridades fiscais em favor do Ministério Público.

Outro detalhe importante que tal lei deve tratar e definir é se a autoridade legítima para a remessa de tais informações oriundas do fisco é a autoridade responsável por realizar a investigação, ou se a entrega de tais informações deve ser feita para a autoridade á que compete a promoção da Ação Penal. Tal questão é importante e tem por escopo reavivar o debate da legitimidade dos atos de investigação, se cabe ao Ministério Público agir como se polícia fosse, o que por consequência lógica deixa a brecha para o questionamento se a autoridade da polícia judiciária (competente para a investigação) possui legitimidade para propor diretamente Ação Penal, ou seja, agindo como se Ministério Público fosse.

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A quebra do sigilo bancário e fiscal não é uma questão simplória de chegar-se a uma solução. Na última decisão do STF, chegou-se ao entendimento de que o compartilhamento de informações dos Bancos ao Fisco não significaria quebra de sigilo pois as Instituições Financeiras ao enviar informação protegida pelo Sigilo Bancário ao Fisco, pois estaria esta informação igualmente protegida, todavia agora protegida pelo Sigilo Fiscal.

Pois bem, o raciocínio dos Ministros até pode guardar alguma lógica e fazer algum sentido, mas não se sustenta, tendo somente um palmo de profundidade tal assertiva. Os ministros do STF não levaram em conta é que, ao permitirem igualmente ao Fisco repassar informações do Sigilo Fiscal ao Ministério Público, irá junto as informações do Sigilo Bancário. Tanto irá, como está indo diariamente, é prática comum no Brasil essa troca de informações entre Fisco e o Ministério Público, não fazendo distinção se tal informação é oriunda do Sigilo Bancário ou Fiscal.

A defesa da legalidade e da constitucionalidade de que se uma Instituição Financeira pode enviar informações ao Fisco, sem que isso represente quebra de sigilo bancário, leva por consequência a possibilidade de o Ministério Público obter tais informações na sua completude diretamente do Fisco, incluindo o Sigilo Bancário e Fiscal. Do mesmo modo, tal assertiva também pode parecer lógica e fazer algum sentido, todavia é neste momento que se vê os danos que a flexibilidade do tratamento dado ao sigilo bancário e fiscal irá resultar ao cidadão e a extrema insegurança jurídica que ficam todos passíveis.

Ocorre que ao receber tais informações, ao fazer uma análise de tais informações, o servidor da Receita Federal poderá entender pela existência ou não de algum indício de ilícito/crime, em regra apurado administrativamente via PAF (Processo Administrativo Fiscal). Concluindo pela existência de indícios de crime, enviará tais informações diretamente ao Ministério Público, ao qual se chegar à conclusão pela existência de algum delito (ou ao menos forte indício) será dado início a um Inquérito Policial. Até então nenhuma irregularidade aparente parece surgir, todavia o atento indagará: “Sendo aberto Inquérito Policial, ficará tais informações do sigilo bancário e fiscal abertos ao público? Depois de ofertada Denúncia, os sigilos bancários e fiscais do mesmo modo ficarão abertos? ”.

Ao passo que as respostas destes questionamentos são afirmativas, e desta maneira o compartilhamento de informações entre o Fisco e o Ministério Público, bem como o mesmo compartilhamento de informações entre as Instituições Financeiras e o Fisco, transforma o direito à privacidade, o direito ao sigilo, o direito de não ver a sua vida íntima/particular colocada numa grande Outdoor pelo Estado, se transforma em letra morta. Fiquemos atentos, pois hoje a denúncia e o inquérito policial estão em processos digitalizados e eletrônicos, com fácil acesso público.

A questão portanto está em o STF, ao proteger a Constituição, que proteja portanto o direito do cidadão em guardar o sigilo da sua vida privada, o que inclui o seu sigilo fiscal e muito o mais o sigilo bancário. Vejamos que hoje quase a integralidade dos atos que realizamos em nossa vida em seu aspecto privado, ou é fato gerador de algum tributo e/ou está registrada em alguma operação via Instituição Financeira.

Em regra o que você compra no Supermercado, os passeios, tudo aquilo que compra, os serviços que adquire, tudo isto é fato gerador de tributo (portanto sigilo fiscal) e hoje comumente está registrada em alguma operação por cartão de crédito. Portanto o sigilo fiscal e bancário resguarda o cidadão de que nossas vidas não serão publicizadas e transformadas em um grande BigBrother!

O STF deve proteger o sigilo fiscal e bancário do cidadão, e ao mesmo tempo instar o Parlamento para que de forma adequada regulamente em maiores detalhes a questão da quebra do sigilo bancário e fiscal, e que assim a obtenção de informações relevantes na persecução penal possa ser feita respeitando o direito do cidadão, pois em nenhum momento se deseja que a proteção da vida particular do cidadão, seja também a proteção para ações criminosas. Mas alguma ponderação, algum limite, alguma regulamentação se deve ter, pois não se pode concordar que o Ministério Público ao dar início à um Inquérito ou ao dar início à uma Ação Penal, automaticamente acabe também por quebrar o sigilo bancário e fiscal do cidadão de maneira clandestina, expondo o sigilo nos documentos anexados num processo eletrônico de Inquérito ou Ação Penal.

Bem como não se pode também concordar que de anos em anos, a jurisprudência das Cortes Superiores sob este tema, promovam um verdadeiro cavalo de pau, sendo constantemente alteradas ao sabor da conjuntura.

Rodrigo Duarte Maia
[email protected]

Bacharel em Direito com OAB/SC nº 37.648

MBA pela FGV em Planejamento Tributário e Gestão de Tributos        

Presidente da Comissão de Direito Ambiental da Subseção Regional de Piçarras da OAB/SC


[1] http://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=310670

[2] https://www.conjur.com.br/dl/acordao-stf-recurso-extraordinario.pdf

[3] https://www.conjur.com.br/2019-mai-08/stf-cassa-decisao-autorizou-uso-dados-ilegais-receita-mp

[4] http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=375632

[5] https://www.conjur.com.br/2019-jun-18/supremo-julgara-novembro-uso-dados-receita-mp

Sobre o autor
Rodrigo Duarte Maia

Bacharel em Direito pela Faculdade Cenecista de Joinville (FCJ); Advogado desde 2013; Especialista em Planejamento Tributário e Gestão de Tributos pela FGV

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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