Orçamento participativo: dilemas e possibilidades no município de Teresina - PI

22/06/2019 às 13:07

Resumo:


  • O Orçamento Participativo (OP) no Brasil surgiu como uma resposta às demandas por democratização e participação popular na gestão pública, com destaque para a experiência de Porto Alegre na década de 1980.

  • Em Teresina, o OP foi implementado em 1997, mas sofreu diversas adaptações ao longo dos anos, sem necessariamente aprimorar a premissa democrática do programa ou promover padrões de equidade social de forma efetiva.

  • Os recursos destinados ao OP em Teresina foram limitados, e a experiência indicou uma tendência a investimentos em obras de menor porte, com áreas mais vulneráveis mobilizando-se ativamente, porém enfrentando a disputa por recursos escassos.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A disputa que cerca o redimensionamento dos órgãos democráticos contemporâneos sinaliza para a reestruturação das relações entre Estado e sociedade. Assim são recomendados novos paradigmas de gestão pública baseado na descentralização e participação.

1 INTRODUÇÃO

 

No ano 1980, o panorama brasileiro foi caracterizado pela presença maciça de reivindicações sociais urbanos, evidenciando a necessidade de alteração do modelo de intervenção estatal e do contorno regressivo das políticas sociais.

De tal modo, no cenário das lutas pela redemocratização do país, os movimentos populares nascem determinando a transformação do padrão centralizado e vertical da gestão pública (DAGNINO, 2002) e reivindicando canais de interação da sociedade no processo de produção das políticas sociais, de forma a assegurar a incorporação das demandas populares.

Dessa forma, o tópico participação atinge o nível de universal na década de 1990, ao instituir o princípio de organização dos processos de deliberação, sobretudo no âmbito local (MILANE, 2007). Expande-se pelo Brasil sugestões participativas atingidas como inovadoras, pois surgiram com a proposta de horizontalização das relações entre governo e sociedade e de construção de um modelo redistributivo das políticas públicas (SOUZA, 2001; BOSCHI, 1999).

Ao se destacar no cenário brasileiro, o orçamento participativo (OP), avaliado como um instrumento com enorme poder de fortalecimento da democracia local permitiu aos cidadãos ajustar diretamente com as autoridades a distribuição de recursos públicos, possibilitando transparência ao processo orçamentário (WAMPLER, 2005). A maior parte das pesquisas, a respeito das experiências sobre o OP pretendeu analisar os fatores que competem ou inviabilizam o sucesso das instituições participativas sob a seguinte questão: é possível reproduzir o desenho institucional e alcançar os resultados desejáveis?

O presente trabalho justifica-se, pois se trata de um programa de livre iniciativa do prefeito e, é norteado somente por diretrizes gerais, a experiência local foi sofrendo adaptações segundo as avaliações da administração do próprio município e os representantes da sociedade civil. Por essa razão, propõe como objetivo geral compreender o orçamento participativo de Teresina para identificar os dilemas e perspectivas de consolidação de experimentos participativos; e, como objetivos específicos, avaliar as implicações do orçamento Participativo de Teresina no governo local e na promoção de moldes de equidade social, além de entender a razão pela qual independentemente do reconhecimento da população, o Orçamento Participativo de Teresina distingue-se por baixos investimentos.

 

2 REFERENCIAL TEÓRICO

 

Políticas inovadoras se expandem por países, por regiões e pelo mundo a partir das organizações não governamentais (ONGs), instituições internacionais de financiamento, partidos políticos, ativistas da sociedade civil e políticos empreendedores. Dessa forma, o crescimento dos regimes democráticos no decorrer dos últimos trinta anos foi seguida pela adoção de instituições de formulação de políticas que proporcionam aos cidadãos acesso direto às instâncias decisórias.

Ainda que um esforço extraordinário tenha sido necessário para produzir a adoção de políticas de boas práticas que dessem voz direta aos cidadãos na formulação de políticas, faz-se indispensável ainda a análise sistemática que esclareça as razões e as condições, nas quais os governos de países recentemente democratizados e, em desenvolvimento se mostram dispostos a adotá-las.

Ao final do regime militar, no ano de 1984, os resultados da crise social e o alto déficit de cidadania geraram como necessário na agenda pública brasileira a obrigação de expansão da esfera política e, consequentemente a democracia. Proveniente das lutas pela democratização do país e das práticas dos movimentos sociais urbanos, tal requerimento fundamentava-se em um ideal crescente da cidadania e de democratização da decisão pública, por meio de mecanismos participativos de gestão (DAGNINO, 2002).

O planejamento participativo é um dos principais fatores para o sucesso de programas e projetos, pois a participação da população faz com que o planejamento corresponda aos anseios do povo; o levantamento dos problemas sociais serão mais concretos, visto que são os próprios prejudicados que os apontarão; o resultado será mais compatível com que é esperado pelos cidadãos; a sociedade se sente mais participativa, e passa a acompanhar e exigir a correta destinação dos recursos públicos, dentre outras vantagens.

Nos anos de 1980, verificava-se a emergente iniciativa de caráter participativo, ao sugerir os temas da democratização na agenda pública. Personagens em um palco cuja maioria das capitais estavam governadas por partidos de esquerda ou por coalizões de centro-esquerda, objetivando essas experiências opor a lógica autoritária da gestão pública com a criação da participação popular na produção e no controle da execução das políticas públicas (TATAGIBA, 2002; FERNANDES, 2004).

A participação popular é um princípio previsto expressamente na Constituição Federal de 1988, que permite que os cidadãos, através de mecanismos típicos de democracia direta, possam participar ativamente das decisões oriundas do poder público, seja contribuindo com opiniões através de conselhos, consultas e audiências públicas, seja propondo um projeto de lei, ou direcionado os recursos do orçamento público (WAMPLER, 2005).

Conforme os dados analisados na literatura, a experiência que ocorreu no Orçamento Participativo foi determinada na gestão do Olívio Dutra (1989-1992), do Partido dos Trabalhadores (PT), em Porto Alegre (RS), que conseguiu repercussão nacional e internacional, sendo aplaudida por agências internacionais como modelo da boa prática administrativa (NAVARRO, 2003).

O sistema federativo brasileiro garante aos municípios a transferência de cerca de 15% de todos os gastos públicos, razão pela qual, os movimentos sociais, ONGs, associações comunitárias e políticos destinam tanta atenção aos orçamentos municipais (WAMPLER, 2005). Os prefeitos brasileiros dispõem de considerável autonomia, o que possibilita que desenvolvam novos programas com um grau mínimo de interferência por parte das instâncias legislativas municipais, as câmaras de vereadores (WAMPLER, 2005).

Desse modo, o Orçamento Popular (OP) passar a existir com uma particularidade: não decorre de um governo do PT, mas de um partido de centro, o que era extraordinário porque até aquele momento a maioria dos casos de Orçamento Participativo se agrupava em municípios governados por partidos do espectro da esquerda e nas regiões Sul e Sudeste.

O Orçamento Participativo consiste em um processo decisório que se estende por todo o ano fiscal. Em assembleias organizadas com essa finalidade, os cidadãos decidem conjuntamente com funcionários da administração, através de negociações sobre a alocação de gastos que compreendam novos investimentos de capital em projetos tais como clínicas de assistência médica, escolas e pavimentação de vias públicas (AVRITZER, 2003). É um programa inovador, pois suas regras promovem justiça social ao garantir mais recursos para áreas mais pobres, ao permitir a participação por meio da distribuição de recursos para cada uma das regiões do município em razão da mobilização dos membros das respectivas comunidades e ao definir novos mecanismos de responsabilização que acabam desvendando e inviabilizando procedimentos orçamentários obscuros. Nos casos em que o programa foi aplicado com mais sucesso, os cidadãos têm autoridade para tomar importantes decisões em relação às políticas públicas, o que destaca seu potencial para alterar o processo decisório de base na política brasileira (WAMPLER, 2005). Os programas de OP convencionam elementos de democracia direta (p. ex., a mobilização direta de cidadãos em assembleias decisórias) e de democracia representativa (p. ex., a eleição de delegados).

Em Teresina, na gestão de Firmino Filho (1997-2000), o Orçamento Participativo foi estabelecido por meio do Decreto de nº. 3.414, de 14 de março de 1997, da mesma forma como inúmeros municípios brasileiros, em decorrência das exigências constitucionais se compeliam em criar os conselhos gestores de políticas públicas, cuja  sugestão  era de ampliar a participação da so­ciedade civil na gestão da cidade  buscando instigar a participação comunitária no processo de elabo­ração do Orçamento Municipal e na delimitação das prioridades de investimento do município.

O fato de o Orçamento Participativo (OP) delimitar uma nova etapa na prática de preparação do orçamento público sugeriu que este arranjo institucional fosse objeto de numerosas pesquisas para avaliar-lhe o desempenho a respeito da democratização da gestão pública e à promoção de padrões distributivos no campo das políticas públicas. Segundo Boschi (1999, p. 8):

 

Não há uma tese que esclareça a análise de uma estrutura da natureza do OP, por essa razão que a maior parte dos estudos faz referência às experiências que se reduziram por causa da projeção obtida, como é o caso de Porto Alegre e Belo Horizonte, que se transformaram em paradigmas tanto para sua replicação quanto para os questionamentos teóricos.

 

Análises realizadas por Avritzer (2003) evidenciaram que os experimentos do OP possuem peculiaridades, em que elementos locais, regionais ou mesmo de escala jogam papel fundamental na maneira e na sua consolidação. Em Porto Alegre, conforme Wampler (2005), a concreta conexão de Olívio Dutra com os movimentos sociais e o caráter progressista da coalizão política que o escolheu foram fundamentais para a implantação de um instrumento de gestão repartida do fundo público nos moldes do OP, compondo-se a vontade política do governante um fator essencial na sua implementação. Já Avritzer (2003) destaca como elementos extraordinários nesse processo a complicada engenharia de participação social que compreendia a elaboração do orçamento e a tradição associativa, enquanto Marqueti (2003) destaca o crescimento da capacidade administrativa e financeira do município.

Destaca-se também a sustentabilidade fiscal dessas iniciativas em uma circunstância, na qual a responsabilidade administrativa e financeira pelas políticas públicas foram transferidas para a gestão local. Essa disposição esteve inscrita na realização de um novo pacto federativo entre os interesses de governo que procedeu na ascensão dos estados e municípios ao status de entes federativos (ARRETCHE, 2002).

Assim, o governo local torna-se o responsável direto pelo planejamento e execução das políticas públicas. Tal reestrutura das relações intergovernamentais determinou uma reforma tributária destinada a ampliar as fontes de receita dos municípios, a fim de capacitá-los para assumir os novos encargos que lhe foram conferidos. A reforma desviava a partilha do bolo tributário, com o aumento dos recursos entregues às unidades subnacionais. Para operacionalizar essa descentralização financeira foi constituído, pela Constituição de 1998, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), dispositivo que ambicionou desenvolver o fluxo das transferências de verbas do nível federal para os governos locais.

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Para limitar o emprego dos instrumentos fiscais pelos governos estaduais, o Governo Federal estabeleceu a Lei de Responsabilidade Fiscal. Ela em seu artigo 14 define que “a concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual proceda renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar a sua vigência e nos dois seguintes”. Além disso, tem que ser demonstrado que a renúncia não comprometerá as metas de resultados fiscais almejados ou acompanhará medidas de contrapartida através de aumentos de receita por meio de elevação de alíquotas, aumento da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

Em Teresina, capital do Piauí, que ocupa uma área de 1.756 km2 e, apesar de se constituir historicamente como um polo aglutinador de populações migrantes, apresentava, em 2000, baixa densidade demográfica (407,4 hab./km²), seguindo a dinâmica estadual, a economia teresinense está baseada no setor de serviços, com forte presença do setor público.

Os estudos apontam para uma cidade que se desenvolveu vertiginosamente em quatro décadas seguidas, sem possuir condições de responder aos requerimentos desse processo, redundando em elevados níveis de pobreza e enormes desigualdades retratadas na quantidade de residentes em assentamentos precários (vilas e favelas), estimadas por Marques et. al. (2008) em 127.270, aproximadamente 19% da população urbana do município.

O prefeito de Teresina estabeleceu o Orçamento Participativo (OP), em 1997, ao criar a Comissão do Orçamento Popular (COP), definindo sua sistemática de elaboração, na qual determinava que a participação da sociedade civil se efetivaria através de “[...] entidades representativas da sociedade e de cidadãos teresinenses organizados” (TERESINA, 1997, p. 1), permitindo a participação do cidadão comum não vinculado a nenhuma associação a participar do processo, contanto que assinasse uma proposta com, no mínimo, duzentas pessoas com mais de 16 anos. Inserido como uma novidade, o Orçamento Participativo produziu muita esperança na comunidade local, principalmente nos movimentos sociais, na medida que essas experiências ainda tinham uma imagem fortemente relacionada ao Partido dos Trabalhadores (PT). O OP atingirá lugar de destaque na gestão de Firmino Filho, ficando sob a tutela da Secretaria Municipal de Planejamento (SEMPLAN).

Todavia, indiferente ao esforço da administração, a proposta inicial se seguiu de um desenho muito restrito, no sentido de atribuir capacidade decisória à população, visto que concedia apenas uma etapa com a participação das comunidades (seminários zonais), limitou a representação da sociedade civil na COP, que tinha o benefício de deliberar sobre a peça final a ser agrupada no plano orçamentário municipal. Na COP, a representação da sociedade civil era de apenas dois membros, sugeridos pelas principais Federações de Associações de Moradores, sendo os demais representantes do poder municipal (quatro dirigentes de órgãos) e um da Câmara Municipal. Ressalta-se que, no Decreto de criação do OP, não se definiu o percentual de recursos a ser prometido à decisão popular, o que demonstrava a indecisão do gestor a respeito do grau de compromisso que adquiriria na execução do programa e a probabilidade de alcançar baixos resultados num cenário de fragilidade financeira ou de recursos restringidos das receitas de investimento para deliberação via OP.

A tentativa teresinense surge como um rascunho evidentemente diverso do de Porto Alegre no que trata das esferas de deliberação, uma vez que em Porto Alegre envolvia assembleias locais, assembleias temáticas e do Conselho do OP (AVRITZER, 2003).

Entretanto, o esforço da administração, a experiência inicial foi seguida por um esboço muito limitado, no aspecto de conferir capacidade decisória à população, pois, além de conceber exclusivamente uma fase com a participação das comunidades (seminários zonais), limitou a representação da sociedade civil na COP, que possuía a prerrogativa de definir sobre a peça final a ser agrupada no plano orçamentário municipal. Na COP, a representação da sociedade civil era de exclusivamente dois membros, recomendados pelas principais Federações de Associações de Moradores, sendo os demais representantes do poder municipal (quatro dirigentes de órgãos) e um da Câmara Municipal. Além disso, no Decreto de criação do OP, não se instituiu o percentual de recursos que foi prometido à decisão popular, o que demonstrava a indecisão do gestor quanto ao grau de compromisso que adquiriria na execução do programa e a possibilidade de se obter baixos resultados num cenário de fragilidade financeira ou de recursos restringidos das receitas de investimento para deliberação via OP.

Na segunda fase a dinâmica dava início com as assembleias zonais, nas quais se expunha um balanço das realizações anteriores e a sistemática operacional do ano em curso e se procedia à eleição dos agentes do OP. Nas reuniões temáticas, discutiam-se com a população doze temas considerados áreas críticas do planejamento urbano. Os fóruns zonais, consequentemente, dedicavam-se à discussão das propostas e fixação de prioridades, escolhidas entre as temáticas referidas e à eleição dos delegados zonais (TERESINA, 1998).

Segundo Pitanga (2006), as adaptações iniciais respondiam a uma necessidade de tornar mais racional e eficiente o processo, visto que se verificaram muitas deficiências no ano de implantação. Contudo, não se pode admitir apreciar que tais medidas acolhiam às críticas ao formato limitado da participação que presidiu a primeira edição. A ideia dos delegados zonais sucedia diretamente na representação da sociedade civil na instância por excelência de decisão, a COP, que compensou a sobrerrepresentação do executivo.

Em 2000, advém nova modificação na metodologia do OP, quando se dá a permuta das assembleias zonais pelas de bairro, para nomear representantes das comunidades (um por bairro), e a entrada de uma nova etapa, as assembleias para eleição de delegados da COP, constatando-se, igualmente, o acréscimo do quantitativo da representação popular, de 27 para 37 membros (TERESINA, 2000).

As assembleias por bairros se exibiam como algo positivo, já que aproximavam as esferas de decisão da população, o que podia atribuir melhor qualidade à participação, apesar de tal desenho exigir uma engenharia mais complicada (mobilização de mais pessoal técnico e mais recursos de logística). Mas, no ano seguinte (2001), constata-se um regresso, com a facilitação do desenho: extinguindo as assembleias por bairro e reinstituem-se as regionais. Outra modificação que ocorria na participação foi a conexão do postulante à função de delegado a uma entidade formal cadastrada na SEMPLAN, o que extraía do cidadão comum a condição legítima de representar sua comunidade ou região nas instâncias de maior grau de decisão - Fóruns Zonais e COP. Assim, após diversas reformulações, a estrutura operacional do OP se limitou a três etapas: assembleias para eleição de representantes de entidades nas regionais, fóruns para eleição de delegados e proposta por região (zona) e instalação da COP.

Os ajustes operacionais explicam um esforço do gabinete municipal em rever a maneira de inserção da sociedade na preparação do OP, mas nem todas as modificações solicitadas redundaram no aperfeiçoamento da pressuposição democrática do programa. Cita-se somente o caso da supressão das reuniões temáticas, uma esfera de participação que, embora de não revestida de caráter deliberativo, concebia um locus compreensivo de discussão do planejamento da cidade, dado que, em tese, incorporava distintos atores sociais. Ademais, embora de as transformações aumentarem a representatividade da sociedade civil na COP, a participação efetiva da grande maioria estava limitada, já que os demais espaços de discussão não tinham poder deliberativo.

Portanto, é possível observar que a capacidade administrativa e de investimento do município é um dos elementos fundamentais para o desempenho do OP. Entretanto, os estudos evidenciam que, frequentemente, a restrição orçamentária tem sido uma variável constante, mesmo em casos como os de Porto Alegre e Belo Horizonte. Silva (2003, p. 167) assegura que, nos anos iniciais do OP em Porto Alegre, o governo foi fortemente questionado “[...] sobre o sentido da participação na discussão orçamentária, uma vez que praticamente nada do que havia sido demandado no ano anterior havia sido efetivado”. Da mesma forma, Anastasia e Azevedo (2002) apontam que em Belo Horizonte, o percentual e as verbas no primeiro ano de sua implementação foram relativamente baixos para o porte da cidade. 

Tais limites vêm se analisando na experiência de Teresina, já que anualmente são disponibilizados somente 3% dos recursos de investimentos para o OP, o que se exibe insuficiente para assegura a participação efetiva da sociedade na deliberação sobre as verbas municipais, até mesmo para cumprir a agenda de obras aprovadas anualmente. Os dados da pesquisa mostram que, no período de 1998 a 2008 investiram-se R$ 81.818.440,75 (85,27% na zona urbana e 14,73% na rural), um montante aquém das necessidades de uma cidade com elevados índices de pobreza. Já no período de 2013/2014, foi investido 20 milhões de reais, que foram aplicados em obras de urbanismo, saneamento, infraestrutura, habitação e lazer. O aumento foi destaque em diversos meios de comunicação, após o retorno de Firmino Filho ao cargo de prefeito. Ao passo que no ano de 2015 e 2016, o valor do OP foi de 20,6 milhões de reais não sofrendo reajuste.

Destacou-se também uma redução progressiva dos percentuais de recursos disponibilizados para a decisão popular, o que leva a se entender que a experiência se distancia do pressuposto de garantir uma distribuição equitativa dos recursos públicos.

Com baixo volume de investimentos, as áreas mais vulneráveis foram as que mais se mobilizaram para inserir suas demandas no OP. Na distribuição espacial dos recursos na zona urbana, 66,1% foram alocados nas regiões de maior concentração de populações pobres: Norte (24,99%), Sul (21,77%) e Sudeste (19,33%). As zonas Leste e Centro, que concentram pessoas de alto padrão econômico, alcançaram 27,27% e 6,64%, respectivamente. O elevado índice da Leste explica-se por esta zona abrigar, em contraste, grande quantidade de assentamentos precários, em sua periferia.

Com poucos recursos disputados, constata-se uma tendência de gastos em obras de pequeno porte: mais da metade (50,39%) foi aplicado em recuperação ou construção de calçamento e canteiro central, seguindo-se, na segunda e terceira posições, as ações em habitação (19,15%) e em construção ou recuperação de equipamentos públicos (13,88%).

Da análise exposta, pode-se concluir que a ausência de incentivos orçamentários e um elevado grau de inadimplência referente à materialização das propostas tendem à diluição das expectativas da população quanto ao seu poder de influência nas decisões governamentais. Como assinala Wampler (2003), a capacidade de investimento é um dos fatores cruciais para a sustentabilidade do programa, haja vista que a população precisa de ter garantias de que o OP é de fato uma instituição democrática em que as decisões acordadas em deliberação popular se vejam honradas pelos gestores. Por outro lado, se as expectativas são constantemente frustradas, devido à morosidade na execução das propostas ou mesmo de seu indeferimento, a população passa a intuir que o programa representa somente mais uma estratégia demagógica de que o governo lança mão para arregimentar eleitores sem, no entanto, conferir legitimidade às suas reivindicações.

 

CONCLUSÃO

 

O presente estudo tratou do orçamento participativo dentro dos dilemas e possibilidades no município de Teresina - Piauí, permitindo concluir que os ajustes operacionais no município de Teresina não resultaram no aperfeiçoamento da pressuposição democrática do programa. Uma vez que, ocorreu a supressão das reuniões temáticas, apesar destas não possuírem caráter deliberativo, concebia um locus compreensivo de discussão do planejamento da cidade.

A respeito da promoção de padrões de equidade social, foi possível perceber que os resultados alcançados são bastante regressivos, uma vez que, ao contrário de uma ampliação gradual na capacidade de materialização das demandas aprovadas, constata-se, ao longo dos anos, uma redução dos investimentos, o que decompõe as esferas de elaboração do OP em espaços de disputas exaltadas por parcos recursos, uma vez que apesar dos valores do OP terem aumentado ao longo dos anos, esse reajuste não foi capaz de acompanhar a inflação.

 
 
 

 

REFERÊNCIAS

 

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COELHO, Ana Karina Santos; FARIAS, José César de. A lei de responsabilidade fiscal e seu impacto na gestão pública. XIII Encontro Latino Americano de Iniciação Científica/IX Encontro Latino Americano de Pós-Graduação. Anais. Universidade do Vale do Paraíba, 2009.

 

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Sobre a autora
Michele Amorim

Advogada, com licenciatura plena em Letras – Português pela Universidade Federal do Piauí, Pós-graduada em Ciências Criminais pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Constitucional pela Escola do Legislativo Wilson Brandão, Pós-graduada em Direito Tributário pelo Instituto de Estudos Empresariais (IEMP), e Pós-graduada em Direito Previdenciário pela Estácio – CEUT.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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