Já tivemos a oportunidade de afirmar que o sistema de distribuição de energia elétrica no Brasil é de responsabilidade da União e realizado através de concessões públicas nos termos do artigo 21, inciso XII, letra “b” da Constituição Federal, ou seja, migrou da atividade de prestação de serviço estatal pura para concessão de serviço público e, regulamentada por lei, hoje está vinculado a agencia de energia - ANEEL.
A companhia distribuidora é uma empresa particular ou de economia mista e é concessionária de serviço público e, o contrato da mesma com a ANEEL, decorrente de licitação pública regrada pelo Decreto Federal n° 98.335/1989.
Como todo serviço essencial, existe uma política de expansão da rede de distribuição tanto para alcançar a toda população, como também todas atividades econômicas e, essa expansão é financiada por uma parcela do preço da energia consumida, conforme consta do sítio da ANEEL (http://www.aneel.gov.br/area.cfm?idArea=94), onde consta a informação de como o preço da tarifa é processado: “A ANEEL utiliza este mesmo programa e informações para estabelecer a tarifa de transmissão a ser usada para o cálculo dos encargos de cada usuário. Como o sistema está em permanente expansão, com o acréscimo de novas usinas e linhas de transmissão, este valor é recalculado todos os anos.”
O contrato firmado pelas concessionárias de serviço com a ANEEL, importa em que, ao se definir o preço do serviço a ser cobrado no período anula, ou seja, o preço da tarifa de energia elétrica, inclui-se no "mix" de referido preço, uma parcela destinada à expansão da rede, ou seja, o preço para a expansão da rede elétrica já se encontra previamente pago na “conta de luz”, posto que, ao ser estabelecido o reajuste anual, a concessionária informa o quanto de rede prevê expandir.
Não é por menos que o artigo 136 do Decreto Federal n° 98.335/1989 determina que concessionária deve oferecer o serviço público de eletricidade no ponto de entrega, ou seja, no ponto de consumo, na forma regulada pelo DNAEE (que foi substituído pela agencia reguladora ANEEL). Essa disposição, somada as normas legais, resoluções, portarias autoriza concluir no sentido de que a rede de distribuição de energia elétrica deve ser edificada pela concessionária pública, sem ônus para o consumidor, além do financiamento já incluso na conta de energia. Tais condições decorrem de normatização legal.
Neste sentido, tanto as necessidades dos particulares (loteadores ou pessoa física), bem como da administração pública, devem ser atendidas pelas concessionárias sem ônus, ou, se o valor da expansão for antecipado pelo particular ou pela administração pública, ante a construção da rede, o mesmo deve ser ressarcido.
Ocorre que, tanto no âmbito da administração pública como nos novos loteamentos, as concessionárias exigem que se aprove, previamente, o projeto da rede a ser instalada e, ao depois, para energizar a rede, exigem que a mesma lhes sejam doadas.
Sempre defendemos a ideia da ilegalidade de referida condição, já que se trata de uma doação compulsória, nossas cortes, de forma equilibrada vinham decidindo a favor e contra a pretensão.
Dessas decisões favoráveis aos empreendedores
pode-se destacar: Apelação 0037236-23.2009.8.26.0114 – 3ª Câmara de Direito Privado TJSP; Apelação 0025172-15.2008.8.26.0114 – 07ª Câmara de Direito Privado – TJSP; Ação Rescisória 0020718-38.2011.8.26.0000 – 10º Grupo de Direito Privado TJSP; Apelação 7.205.901-3 – 14ª Câmara de Direito Privado – TJSP; Apelações 7.087.905-9 e 0009614-11.2010.8.26.0024 – 19ª Câmara de Direito Privado TJSP; Apelação 0067615-95.2009.8.26.0000 – 25ª Câmara de Direito Privado – TJSP; entre outros e que, basicamente são fundamentadas na impossibilidade das concessionárias se enriquecerem ilicitamente.
Em sentido contrário a tese de que as concessionárias devem ressarcir aqueles que investem em redes de distribuição de enérgica para atender suas necessidade, os fundamentos que vinham sendo aplicados em decisões judiciais era a vedação de ressarcimento dos valores disposta na Resolução nº 082/2004 ANEEL e mais, que a rede elétrica, enquanto obra de infraestrutura, segundo a Lei nº 6.766/79 é de responsabilidade do loteador e que esse, ao alienar as unidades de lotes de terrenos incluem esse valor de infraestrutura no preço do imóvel.
A Resolução nº 082/2004 já foi revogada e, a disposição realizada que impunha a incorporação graciosa da rede construída por terceiro ao patrimônio das concessionárias já está superada e, pela Resolução ANEEL Nº 414/2010 as concessionárias estão obrigadas a realizarem o ressarcimento dessas redes para poderem incorporá-las ao seu patrimônio, o que afasta a possibilidade de oposição dessa resolução em defesas processuais.
Não obstante o afastamento daquela suposta excludente de responsabilidade das concessionárias, as mesmas negam-se a agir na forma da lei e ainda se respaldam no artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79 para se oporem judicialmente à pretensão de ressarcimento.
Aqui estamos lançando mão de um novo enfoque para afastar essa equivocada linha de defesa, ratificando a necessidade das concessionárias de indenizar os loteadores, já que, a disposição legal em comento, ou seja, a remessa ao artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79, não autoriza essa interpretação. Essa disposição legal refere-se, unicamente, a “iluminação pública” e não a rede elétrica, conforme se depreende do seu parágrafo quinto: “§ 5º A infraestrutura básica dos parcelamentos é constituída pelos equipamentos urbanos de escoamento das águas pluviais, iluminação pública, esgotamento sanitário, abastecimento de água potável, energia elétrica pública e domiciliar e vias de circulação.”
Como se verifica ao tratar da infraestrutura básica, lei dos loteamentos não faz constar a rede de distribuição elétrica como obra de base e que responsabiliza o loteador. A infraestrutura que elege deve estar presente, porém, não importa dizer que seja do mesmo a obrigação de custeá-la. Por exemplo, a iluminação pública é de responsabilidade do município por disposição constitucional e, nos municípios onde a TIP é cobrada, sua destinação inclui a instalação da rede de iluminação, “sic ut legibus”:
“Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.
Parágrafo único. É facultada a cobrança da contribuição a que se refere o caput, na fatura de consumo de energia elétrica.”
Ora, como demonstrado, a norma legal de loteamentos não se refere a rede de distribuição elétrica e, não o fez porque a obrigação é da União, via concessionárias e, sua edificação deve preceder a instalação da rede de iluminação, nos termos do artigo 21, inciso XII, letra b, da Constituição Federal que responsabiliza e monopoliza a atividade como da União, sendo que, pode explorar esse serviço diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, “ b - os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se situam os potenciais hidroenergéticos;”.
A recente transferência da manutenção das “redes de iluminação” para os municípios teve o condão de demonstrar que “rede de iluminação” é situação diversa de “rede de distribuição de energia” e como visto, tais serviços são de competências e responsabilidades diversas. A primeira responsabiliza os municípios que pode exigir determinado tipo de braços, de lâmpadas, etc. A segunda é de responsabilidade da União que, pode padronizar a rede para todo o país, estabelecendo a política afim.
Desta forma não podem, os Tribunais de Justiças determinarem que os loteadores são obrigados a instalarem e suportarem os custos da rede de distribuição de energia com base no artigo 2º, §5º da Lei nº 6.766/79, posto que a referida norma não contem essa disposição.
É certo ainda que, ao assim ditar estão contrariando as disposições constitucionais, o Decreto Federal n° 98.335/1989, os contratos entre a ANEEL e concessionária pública, e o fazem sem competência para tanto, pois disciplinam, de forma transversa, sobre contratos e interesses da União e promovem a desobediência por parte das concessionárias, proporcionando-lhes enriquecimento sem causa.
Ainda, considerando o entendimento de algumas Câmaras de nossos tribunais, de que o valor da investimento é ressarcido pelo comprador, tal entendimento sempre se mostrou questionável, já que o preço é determinado pela lei da oferta e da procura e, em certas hipóteses os loteamentos não obtém sucesso de vendas e, muitas vezes o preço de venda não recupera o investimento. Apesar disso a concessionária exige receber a rede gratuitamente, o que, afasta esse argumento.
Nesse segmento foi editada a Medida Provisória 881/19 que estabelece a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e que, contraria tudo quanto nossos tribunais têm decidido sobre essa matéria, e, de pronto estabelece a presunção de boa-fé do particular e, pelo artigo 3º, inciso III da mesma, restou como direito do particular: “...não ter restringida, por qualquer autoridade, sua liberdade de definir o preço de produtos e de serviços como consequência de alterações da oferta e da demanda no mercado não regulado, ressalvadas as situações de emergência ou de calamidade pública, quando assim declarada pela autoridade competente;...”, o que, de pronto, afasta a possibilidade do Poder Judiciário tomar o parâmetro de fixação de preço para afastar a responsabilidade das concessionárias de indenizar os investimentos em redes públicas de distribuição de energia.
Considerando que, as concessionárias recebem antecipadamente para fazer a expansão da rede elétrica (são previamente ressarcidas pelos investimentos) e que, a administração pública e o empreendedor a substituem na materialização de referidas expansões, resta lógico que, sob pena de enriquecimento sem causa, vedado pelo artigo 884 do Código Civil, é dever da mesma ressarcir a administração pública e o empreendedor pelo investimento feito.
Se alguma dúvida havia sobre a hermenêutica aplicável a essas situações fáticas, o inciso V, do mesmo artigo 5º da Medida Provisória nº 881/19 não deixa qualquer incerteza de que prevalecer a autonomia de vontade do particular tanto na fixação do preço, como em face do ressarcimento do que investe com a previsão legal de que será repetido.
Em conclusão, a obrigação da construção das redes de distribuição de energia é das concessionárias e quando, realizada por terceiros devem as mesmas, prontamente, ressarcir os terceiros sob pena de, nos termos dos artigos 36 e 37 da REN ANEEL 414/2010, além do ressarcimento dos valores investidos compostos com atualização monetária, incidir multa de 5% e juros de mora de 1% ao mês calculados “pro rata die”.
S.M.J., essa é a única interpretação possível sobre a matéria.
Marco Antonio Pizzolato – advogado, especialista em Direito Processual Civil pela PUCCamp, sócio da M. A. Pizzolato Advogados Associados.
Mayana Cristina Cardoso Cheles - advogada, especialista em ciências criminais pela FAINOR, especializando em gerência ambiental pela USP-ESALQ.
Artigo reescrito ante o advento da Medida Provisória nº 881/2019