A Constituição Federal de 1988 é fundamental, exatamente, por assegurar instruções e garantias aos direitos fundamentais individuais e sociais; além dos direitos coletivos e difusos. Outrossim, tais direitos fundamentais, alçados à condição de direitos humanos fundamentais, desde 1948, passaram a ter como guia o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Assim, corroborou-se o Princípio da República (coisa pública) como vertente da Justiça Social (arts. 170 e 193 da CF/88) e do Socialismo Democrático. Este Caminho Constitucional, por exemplo, espraia-se da exigência reparadora da função social da propriedade (art. 5º: “XXIII - a propriedade atenderá a sua função social”) à erradicação da pobreza extrema e da miséria humana – esses apostos sob a condição de princípios do Estado Democrático de Direito (art. 3º, I, II, III e IV da CF/88).
O TÍTULO VII – Da Ordem Econômica e Financeira –, logo na abertura do CAPÍTULO I (DOS PRINCÍPIOS GERAIS DA ATIVIDADE ECONÔMICA), trouxe as (de)limitações dos níveis permitidos de manipulação do capital, sua obediência à satisfação humana e ao desenvolvimento social. Observe-se, de forma interessada, reveladora, a premissa com que a CF/88 equiparou em garantias constitucionais tanto a soberania nacional (inciso I) quanto a “função social da propriedade” (inciso III). Além do fator jurídico humanitário em que a defesa do meio ambiente (inciso VI) concorre, em igualdade de Plenitude Constitucional, sob as vistas da “redução das desigualdades regionais e sociais” (inciso VII).
“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
I - soberania nacional ...
III - função social da propriedade;
VI - defesa do meio ambiente ...
VII - redução das desigualdades regionais e sociais;
VIII - busca do pleno emprego” (grifo nosso).
Não é menor, aliás, é indicativo da maior e melhor Justiça Social, a garantia constitucional socialista e humanizadora prevista no inciso VIII, posto que a “busca do pleno emprego” é uma assertiva valorativa apontada como verdadeiro Princípio do Socialismo Democrático. Por óbvio, inclusive, porque somente a economia capitalista obtém lucros com o uso especulativo do “exército industrial de reserva”, aquela multidão de desempregados rotineiros ou em definitivo (lumpemproletariado) que ameaça e pressiona negativamente os direitos das classes trabalhadoras.
E mais, a mesma Ordem Econômica está condicionada à Ordem Social: “Art. 193. A ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais” (in verbis).
Então, da “coisa pública” (República), a Constituição nos faz enxergar e chegar à “coisa de todos” (Socialismo Democrático). É desse modo, por exemplo, que se lê e entende a reestatização de 884 serviços públicos pelo mundo afora . O que desmontamos, na prática executiva do poder e na exegese neoliberal judicial, é o próprio Sentido Constitucional de Justiça Social como único caminho realizável em equivalência com o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana – este que é o condão, dentre tantas Assertivas Constitucionais, do assim chamado Estado Democrático de Direito.
Desse modo, desde a década perdida de 1990, com a total subserviência do Poder Público às mais nocivas e predadoras gulas nacionais, escravagistas, e aos “interesses imperialistas”, a Constituição Cidadã – consagradora constitucional da Política (Polis) – é violada de modo costumeiro e cosumerista, ao sabor do pagamento recebido em espécie.
Triste balanço desta jovem Constituição de apenas 30 anos, tão fartamente violada, fazendo-nos lembrar que o país é recordista mundial nos crimes de barbárie sexual, misoginia, estupros, sexismo, machismo.
Vinício Carrilho Martinez (Pós-Doutor em Ciência Política e em Direito)
Professor Associado II da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar
Departamento de Educação- Ded/CECH
Programa de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade/PPGCTS