Iniciaremos o texto explicando o título e os subtítulos: toda Constituição moderna e democrática está assentada no que se denominou, historicamente, de Estado Constitucional e de Estado-Juiz. A história do Estado Constitucional é muito antiga, pode-se ver seus traços nas constituições da Grécia antiga e, na Europa, a partir da Lei de Habeas Corpus (1679).
Porém, os primeiros limites legais foram postos ao Rei João Sem Terra, na Inglaterra de 1215 (Carta Magna), impondo-se o Princípio da Anterioridade e da Anuidade Fiscal. Já A Declaração de Direitos (Bill of Rights), de 1689, traz a separação de poderes (divisão de funções): “...5º. Que constitui direitos dos súditos o direito de petição perante o rei e que são ilegais todas as prisões e processos por causa do seu exercício” (Miranda, 1990, p. 23-24).
Como Estado-Juiz, entendem-se que a divisão material dos poderes, sob a vigilância do Poder Judiciário, e não apenas o conjunto político de cidadãos e de cidadãs seja normatizado (normalizado sob condições jurídicas de controle social), mas, sobretudo, que o Estado esteja subordinado às próprias leis criadas para a sociedade. Chamou-se a isto de “Regra da Bilateralidade da Norma Jurídica”, porque a mesma intensidade legal está presente abaixo e acima do meridiano do Poder Político.
Apenas como exemplo, vejamos alguns dispositivos (incisos) do artigo 5º da CF/88 que deslindam a presença do Estado-Juiz na Carta Política: XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito; XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais; LXXV - o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5º da CF/88).
Esta Nomologia Constitucional, claramente observada na Carta Política de 1988 (“não haverá juízo ou tribunal de exceção”), decorre da acreditação de que sem juízes honestos (isentos e imparciais) não se constrói uma República de verdade, nem se assegura a Democracia dos conchavos autoritários e vilipendiadores do melhor Sentido Constitucional. Portanto, é Referência Constitucional obrigatória que decorre da Premissa Democrática Constitucional, fundadora do Estado Democrático de Direito (art. 1º) e requerente da divisão, harmônica e independente, dos três poderes (art. 2º).
Esta Força Normativa Constitucional estampa ainda mais precisão no Art. 95, da CF/88: Parágrafo único. Aos juízes é vedado: I - exercer, ainda que em disponibilidade, outro cargo ou função, salvo uma de magistério; II - receber, a qualquer título ou pretexto, custas ou participação em processo; III – “dedicar-se à atividade político-partidária”. IV receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, ressalvadas as exceções previstas em lei; V “exercer a advocacia no juízo ou tribunal do qual se afastou”, antes de decorridos três anos do afastamento do cargo por aposentadoria ou exoneração (grifo nosso).
Admitindo-se como real o “conteúdo” das mensagens interceptadas nos equipamentos dos operadores da Lava Jato – e não se culpando o mensageiro pelo teor desagradável dos bilhetes –, pode-se dizer que vivemos numa era de juízes sem nenhum respeito, sequer, à Ideia de Constituição. Afinal, combinar para atacar a CF/88 é um crime de lesa pátria: art. 5º, XLIV e art. 136, §3º, I, da CF/88 (v.g., “quem pode o mais, pode o menos”). Bem como, após concluída a fase de vazamento das interceptações (pelo site Intercept), e com o governo de generais encurralado, podemos vir a conviver com tempos sombrios em que atos institucionais simplesmente aniquilam a necessidade dos juízes.
No mesmo artigo 5º (“LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”), temos o melhor do Norte Constitucional, uma vez que ali se institui o Princípio do Juiz Natural. Esta normativa replica o Ideário Constitucional de que o juiz deve ser imparcial, isento, nem favorecendo amigos, nem prejudicando inimigos. Em outras palavras, o juiz deve ser honesto. Aliás, é uma obrigação do servidor público e um Princípio Geral do Direito: “honeste vivere”.
Hoje, ao revés da Força Normativa Constitucional, e ao arrepio da Carta Política – nesta Transmutação Constitucional, em que a Polis é achatada pela “politização do Judiciário” –, vegetamos num Estado sem justiça, num estado obrigatório de afastamento do (ex)juiz por ações de insuportável parcialidade e falta de decoro inerentes ao cargo e à função precípua: hoje, distribuímos injustiças.
Por fim, cabe dizer, como muito bem alertava Rui Barbosa, o Patrono do nosso Direito, o Estado-Juiz não é o Estado “do” juiz!
Referência
MIRANDA, Jorge. Textos Históricos do Direito Constitucional. Lisboa : Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1990.