Histórias do Cárcere (Tradução)

No Coração do Buen Pastor.

24/06/2019 às 11:11
Leia nesta página:

Tradução do artigo “Historia del cárcer - En el corazón del buen pastor” de Libardo Ariza Higuera, de língua espanhola para portuguesa. Link do texto original: https://uniandes.edu.co/es/noticias/en-el-corazon-del-buen-pastor

Eles vão freqüentemente à cadeia de mulheres mais conhecida da Colombia. São advogados, dão assistência jurídica, mas também de empreendedorismo e oficinas redação... O que encontram neste lugar que depois de um momento sentem “a incontrolável necessidade de sair”?

Entrada na prisão

Um pouco antes das nova de manhã chega-se a entrada do Buen Pastor, nome pelo qual se conhece a penitenciária de mulheres de Bogotá. Os pavões que caminham tranquilamente no gramado da área militar adjacente parecem observar indiferentes os visitantes que ocupam a distância da Rua 80 para o portão de entrada do presídio. O Buen Pastor se mistura silenciosamente com os conjuntos habitacionais fechados que o rodeiam, se esconde por trás da casa da gente livre e parece confiar que a vergonha e o estado degradante da prisão sejam apagados pela mesma atitude cidadã que se omite diante das condições precárias que suportam as mulheres privadas de liberdade.

A pequena rua que conduz à prisão está cheia de gente. De pé ou sentadas em alguma plataforma qualquer perguntam por uma mulher presa enquanto deixam no chão um pacote que contem a encomenda carcerária básica: um colchonete, alguns rolos de papel higiênico, creme dental, sabonete, e em certas ocasiões, alimentos para a semana que inicia. Olhando para um enorme cartaz que informa quais os elementos proibidos numa prisão, parece que ali se identifica se algum deles está na bolsa plástica que contém a encomenda. A enorme porta azul que separa a prisão do bairro tradicional de Bogotá se abre de maneira intermitente para permitir a entrada de funcionários, homens e mulheres, que esperam para iniciar sua jornada de trabalho. 


Durante cerca de um ano e meio a equipe do Grupo de Prisões da Faculdade de Direito [da Universidad de Los Andes N.T.], fizeram parte dessa rotina cotidiana de ingresso na prisão. Alguns dias pela tarde, como segunda feira, para realizar sessões se assistência jurídica para as internas, bem como oficinas de redação e empreendedorismo. Outros dias, chegaram pouco antes das sete da manhã para falar sobre Direitos Humanos ao pessoal de guarda e custódia que iniciam seus trabalhos diários. Nesta hora apenas há pessoas na frente da porta azul, e o Buen Pastor parece amanhecer tranqüilo em meio ao frio e à superlotação.
 

Prisioneiras da guerra contra as Drogas

[Na formatação original, esta frase não estava como um capítulo à parte do texto, o que nos pareceu mero erro de formatação N.T.]

No ultimo controle de segurança antes de chegar à parte interna do estabelecimento, se observa o anuncio os resultados da ultima contagem.
 

A placa escrita com piloto inidica que atualmente se encontra reclusas 2.162 mulheres e que a capacidade do estabelecimento é de 1.275 pessoas. O desequilíbrio entre vagas e detentas aponta para uma superlotação de cerca de 70%. 

O Buen Pastor reflete a situação geral das mulheres privadas de liberdade na Colômbia. Em apenas seus estabelecimentos se encontra 42,5% da população interna feminina. A escassa infra-estrutura, que se caracteriza por instalações antigas e precárias, se une ao aumento exagerado das mulheres preses, que cresceu 329% entre 1990 e 2013, o que gera um índice de superlotação geral de 86%, 30% a mais que o suportado pelos homens presos na Colômbia.

Este crescimento rápido e continuo da população penitenciaria feminina remonta ao início da guerra contra o narcotráfico. Mulheres com acesso a poucos recursos, que encontram no tráfico de pequenas proporções seu principal meio de sobreviver, engrossam as fileiras das vencidas em uma guerra desigual atormentada por vitórias questionáveis.  Assim, sempre se poderá dizer que o numero de mulheres condenadas por tráfico de drogas na Colômbia aumentou 206,6% nos últimos 10 anos. Este aumento se torna ainda mais significativo se nota-se que as mulheres acusadas e condenadas por tráfico de drogas representam 48,9% da população carcerária feminina.

O coração do Buen Pastor

[Na formatação original, esta frase não estava como um capítulo à parte do texto, o que nos pareceu mero erro de formatação N.T.]

 

A prisão da superlotação começa a aparecer ao cruzar a ultima porta. Os olhares tensos e cansados das internas e da guarda parecem prever a tragédia. Avançamos pelo corredor que leva aos pátios principais em meio aos risos e choros e vários meninos e meninas, alguns nos braços e outros aprendendo a andar, que se encontram presos com suas mães no Pátio 4, conhecido como o berçário da prisão. Atualmente há 32 menores de três anos no Buen Pastor. Segundo o Instituto Nacional Penitenciario y Carcelario [da Colômbia N.T.], hoje são 133 meninos e meninas que estão com suas mães nos estabelecimentos administrados pelo órgão.  Em todo o país estão presas 28 mães lactantes e 125 gestantes. Apesar dos esforços da guarda para que o espaço pareça um jardim de infância e para isolar os meninos e meninas dos rigores do encarceramento, as doenças respiratórias e erupções cutâneas que constantemente sofrem mostram que a prisão não é lugar para criança.
 

Uns metros mais a frente, antes de passar pela padaria, em frente ao Escritório de Tratamento Penitenciário, se encontra o Pátio de Justiça e Paz, no qual estão reclusas cerca de uma dúzia de mulheres a quem se atribui os delitos descritos na Lei 975 de 2005 [que trata da desmobilização de grupos guerrilheiros ou paramilitares N.T.]. Por razões de segurança, apenas saem do seu pátio, e quando fazem, sempre seguem rodeadas por um grupo de guardas que zelam por sua integridade nos pátios comuns. A presença das ex-combatentes, não somente no Buen Pastor, mas nas mais diferentes prisões têm sido preparadas para abrigar os pavilhões de Justiça e Paz, estremeceu uma instituição lastrada pela superlotação e pena violação aos direitos humanos que deve assumir a enorme tarefa de contribuir para a reintegração pacífica de pessoas que tenham cometido atrocidades.

Enquanto deixamos o Pavilhão de Justiça e Paz, vamos nos aproximando do coração do Buen Pastor. O grande corredor que conduz à área central da prisão, onde estão o Escritório de Direitos Humanos, o  Salão de Beleza, a Igreja e o Rancho, atravessa os pátios da penitenciária. As vigas que protegem os pátios são marcados pelos gritos das internas que exercem funções de organização, andando por seu pátio, buscando nomes para entrega de documentos e levar o retorno para o pessoal da guarda e custórida. O intenso cheiro de humidade e esgoto parece penetrar a roupa estendida nas janelas dos pavilhões, combinando-se com o aroma que sai dos pratos de comida que algumas internas levam nas mãos enquanto caminham em direção ao pátio. O encarceramento paira sobre nós por um momento sentimos a incontrolável necessidade de sair, de respirar ar livre.

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Ainda que sabendo que antes do anoitecer, que as quatro da tarde estaremos cruzando a porta de saída, poucas horas no coração do Buen Pastor nos traz angústia. Não nos cabe julgar se qualquer das mulheres presas nas prisões colombianas merecem a pena que lhes foi imposta, porém não podemos deixar de pensar que dez anos, a condenação de 82% das mulheres privadas de liberdade, podem parecer uma eternidade no inferno do sistema penitenciário e carcerário colombiano.

Historias de mulheres no Cárcere
'La Cachetona'
Está próxima dos 60 anos e é sua terceira vez na prisão. Em sua cela escreveu sua vida em quatro cadernos escolares nos quais narrou seu ingresso em uma prisão pela primeira vez, em uma condenação de 9 anos por fraude. Foi em 95, quando o mais velho dos seus filhos tinha 17 anos. “Senti uma dor imensa que não tinha fim – escreveu ao recordar o anúncio de usa pena -. Só queria morrer”. Agora, habituada à sensação do encarceramento, conhece o sistema e tem claro que “O abandono é um clássico na vida da mulher presa”. É como uma matriarca, dando conselhos a quem pede.


Com a mãe presa

Todos os sábados chega ao Buen Pastor as três da manhã para reclamar um momento para ver sua mãe. Volta, dorme um pouco e volta na hora indicada. “Nossa vida entrou em colapso em quinze dias. Foi um golpe muito duro para nós, mas muito mais para minha mãe”. Estudante de jornalismo, este jovem que pensava: a prisão é “o inferno em vida”, sabe agora que o conhece.  É muito pior que imaginava. “É extenuante e indignante. Não estou acostumado. Não é normal acostumar-se à arbitrariedade”. Com isso tudo começou a ver quem são amigos de verdade.

'La Chiqui'

Era mimada em uma família de classe média. Aos 12 anos provou maconha e aos 14 saiu de casa. Aos 20 trabalhou em uma gangue. Avisava sobre chegada da polícia e inimigos, vendia, foi ladra e moradora e rua. Se uniu a uma quadrilha de ladrões, fez passeios milionários, roubou estabelecimentos comerciais e cometeu diversas fraudes com cartões roubados. Foi presa e após 34 meses saiu por bom comportamento. Porém, aprendeu a entrar com drogas na prisão inserindo-as em sua vagina e novamente foi presa. Agora paga 11 anos de prisão e só pensa em sair para abraçar sua mãe, sua avó e pedir-las perdão. Não está segura de não voltar a roubar.

A mula

Grávida, sem mais suportar os espancamentos de seu marido e com três filhos, entrou com drogas na cadeia para se sustentar. Parecia uma tarefa rentável, em contraste com a padaria e outros trabalhos que teve. Porém a delataram e foi presa quando a mais nova de seus quatro filhos tinha 7 meses. Foi condenada a cinco anos e quatro meses de prisão domiciliar, que aproveitou para seguir no crime. Voltou a ser presa, perdeu todos os seus benefícios e foi cumprir pena de 64 meses na prisão. Ali disse que no início só se sente pânico. Logo chegam a solidão e a sensação de que o tempo não avança.
Mãe e filha presas

“Me sentir longe esquecida, inclusive por minha família é o pior. Me afetam meus netos. Quando os vemos parecem moradores de rua. Não poder estar com eles é a pior tortura. Estar presa é estar morta em vida.” Esta é a visão de uma mulher que foi presa junto com sua filha por porte e tráfico de entorpecentes. São 64 anos de condenação, que começam a reduzir-se pois ambas assistem oficinas na prisão, onde foram até ameaçadas de morte. Estando juntas se dão ânimo e sonham com a liberdade para começar outro destno. “Um comete um erro uma vez, não dois”.


Em números
6 centros de reclusão dos 141 sob cuidados do Instituto Nacional Penitenciario e Carcelario (Inpec)  são exclusivos para mulheres

- Em 23 anos a quantidades de mulheres presas na Colômbia cresceu 329%. Passaram de cerca de 2.000 para 8.500 entre 1990 e 2013.

- O índice de superlotação é de 86% nas prisões femininas. Nas demais é de 53,7%
- 42,5% das presas da Colômbia estão em prisões para mulheres.

- 48,9 % das condenações estão relacionadas com o narcotráfico, 19,27% com furto e 11,49% com homicídios.
 

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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