IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE BRASILEIROS E PORTUGUESES

24/06/2019 às 17:13
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O ARTIGO DISCUTE SOBRE IMPORTANTE TEMA DO DIREITO INTERNACIONAL PÚBLICO ENVOLVENDO A IGUALDADE JURÍDICA ENTRE BRASILEIROS E PORTUGUESES.

IGUALDADE DE DIREITOS ENTRE BRASILEIROS E PORTUGUESES

Rogério Tadeu Romano

Temos o Decreto 70.391, de 12 de abril de 1972, com o seguinte teor:

Art . 1º Os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal gozarão de igualdade de direitos e deveres com os respectivos nacionais.

Art . 2º O exercício pelos portugueses no Brasil e pelos brasileiros em Portugal de direitos e deveres, na forma do artigo anterior não implicará em perda das respectivas nacionalidades.

Art . 3º Os portugueses e brasileiros abrangidos pelo estatuto de igualdade continuarão no exercício de todos os direitos e deveres inerentes às respectivas nacionalidades, salvo aqueles que ofenderem a soberania nacional e a ordem pública do Estado de residência.

Art . 4º Excetuam-se do regime de equiparação os direitos reservados exclusivamente, pela Constituição de cada um dos Estados aos que tenham nacionalidade originária. 

Art . 5º A igualdade de direitos e deveres será reconhecida mediante decisão do Ministério da Justiça no Brasil e no Ministério do Interior, em Portugal, aos portugueses e brasileiros que a requeiram, desde que civilmente capazes e com residência permanente.

Art . 6º A igualdade de direitos e deveres extinguir-se-á com a cessação da autorização de permanência no território do Estado ou perda da nacionalidade.

Art . 7º (1) O gozo de direitos políticos por portugueses no Brasil e por brasileiros em Portugal só será reconhecido aos que tiverem cinco anos de residência permanente e depende de requerimento à autoridade competente.

(2) A igualdade quanto aos direitos políticos não abrange as pessoas que no Estado da nacionalidade, houverem sido privadas de direitos equivalentes.

(3) O gozo de direitos políticos no Estado de residência importa na suspenção do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade.

Art . 8º Os portugueses e brasileiros abrangidos pelo estatuto de igualdade ficam sujeitos à lei penal do Estado da residência nas mesmas circunstâncias em que os respectivos nacionais.

Art . 9º Os portugueses e brasileiros que gozem do estatuto de igualdade não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida pelo Governo do Estado da nacionalidade.

Art . 10. Não poderão prestar serviço militar no Estado de residência os portugueses e brasileiros nas condições do artigo 1º. A lei interna de cada Estado regulará, para esse efeito, a situação dos respectivos nacionais.

Art . 11. O português ou brasileiro, no gozo da igualdade de direitos e deveres, que se ausentar do território do Estado da residência terá direito à proteção diplomática apenas do Estado da nacionalidade.

Art . 12. Os Governos do Brasil e de Portugal obrigam-se a comunicar reciprocamente, por via diplomática, a aquisição e perda da igualdade de direitos e deveres regulada na presente Convenção.

Art . 13. Aos portugueses no Brasil e aos brasileiros em Portugal serão fornecidos, para uso interno, documentos de identidade de modelos iguais aos dos respectivos nacionais, com a menção da nacionalidade do portador e referência a presente Convenção.

Art . 14. Continuação sujeitos ao regime para eles estabelecido na Constituição e nas Leis do Brasil e de Portugal, respectivamente os portugueses no Brasil e os brasileiros em Portugal que não se submeterem ao regime previsto na presente Convenção.

Art . 15. Em vigor a presente Convenção, os Estados contratantes adotaram as medidas de ordem legal e administrativa para execução do nela disposto.

Art . 16. Os Governos do Brasil e de Portugal consultar-se-ão periodicamente, a fim de examinar e adotar as providências necessárias para melhor e uniforme interpretação e aplicação da presente Convenção, bem como para estabelecer as modificações que julguem convenientes.

Art . 17. A presente Convenção será ratificada pelos dois países em conformidade com as respectivas disposições constitucionais, e entrará em vigor um mês após a troca dos instrumentos de ratificação.

A troca dos instrumentos de ratificação será efetuada em Lisboa.

Art . 18. A presente Convenção poderá ser denunciada com antecedência mínima de seis meses, não ficando, porém, prejudicados os direitos dos que foram pela mesma beneficiados durante a respectiva vigência.

Por meio desse tratado, Brasil de Portugal consentiram em estabelecer um estatuto de igualdade entre ambos os países, alterando a noção clássica de nacionalidade como pressuposto necessário de cidadania. Como aduziu Francisco Rezek(Direito Internacional Público, páginas 181 e 182), ao mesmo tempo em que o tratado deixava intocável o vínculo da nacionalidade dos indivíduos de cada um dos seus respectivos países, permitia que tais indivíduos exercessem no outro Estado os direitos inerentes à cidadania deste.

Ensinou Francisco Rezek(Direito internacional Público, 1991, pág. 193, n. 107) que o estatuto disciplina dois procedimentos: o relativo à simples igualdade de direitos e obrigações civis, e um segundo, mais amplo, tendente à obtenção também dos direitos políticos. A iniciativa de postular o benefício do estatuto, num e noutro caso, incumbe sempre à pessoa natural interessada, cabendo ao ministro de Estado da Justiça deferir o pedido através de portaria, cujos efeitos, tal como sucede com a naturalização, são individuais, “não se estendendo ao cônjuge e à prole do beneficiário”. Quando vise tão-só à igualdade e aos direitos e obrigações civis, o português fará prova da sua nacionalidade, da sua capacidade civil segundo a lei brasileira e da sua admissão no Brasil em caráter permanente, ainda que ocorrida na véspera. Deferido o benefício, terá ele no setor privado prerrogativas inacessíveis aos demais estrangeiros, como a de ser proprietário de empresas jornalísticas, ou de terras na faixa de fronteiras. Acaso objetivando à cobertura do estatuto do estatuto em sua forma plena, o interessado fará ainda prova do gozo dos direitos políticos em Portugal, do domínio do idioma comum escrito, e enfim de sua residência no Brasil”.

Ainda observou Francisco Rezek(obra citada, pág. 194):

“Ao excetuar do regime de equiparação “os direitos reservados exclusivamente, pela Constituição de cada um dos Estados, aos que tenham nacionalidade originária”, a convenção bilateral deixa claro do estatuto pleno, ressalvadas as peculiaridades previstas pelo próprio texto constitucional. Não é certo, pois, que a situação do português admitido no regime de igualdade seja idêntica à do brasileiro naturalizado. Ao contrário deste último, não pode aquele prestar aqui o serviço militar, encontrando-se ademais sujeito à expulsão, e mesmo à extradição, quando requerida pelo governo de Portugal. Pode, todavia, votar e ser votado, como “ingressar no serviço público do mesmo modo que o brasileiro”. Como o estatuto não se circunscreve no plano dos direitos, abrangendo também o dos deveres, não há dúvida de que seu titular fica sujeito, como os eleitores brasileiros, à obrigatoriedade do voto e às sanções correspondentes à omissão. Por isso, percucientemente, a convenção fez obstáculo ao duplo gozo de direitos políticos; obtido este no Estado de residência, quedará suspenso no Estado de origem. No terreno das funções públicas, eletivas ou não, tudo quanto se mostra inacessível ao titular do estatuto pleno é o rol de cargos que a Constituição reserva aos brasileiros natos. Nada o impede, assim, de ascender a cargos com os de deputado estadual, secretário de Estado, desembargador, vereador, prefeito ou juiz singular de qualquer órbita”.

Mas a Convenção sobre Igualdade de Direitos e Deveres entre brasileiros e portugueses foi inteiramente ab-rogada pelo Tratado da Amizade, Cooperação e Consulta entre a República Federativa do Brasil e a República Portuguesa, celebrado em Porto Seguro em 22 de abril de 2000, instrumento este que foi aprovado no Brasil pelo Decreto Legislativo nº 165, de 30 de maio de 2001 e promulgado pelo Decreto nº 3.927, de 19 de setembro de 2001.

O Estatuto da Igualdade entre brasileiros e portugueses, agora consta do Título II, item nº 2, deste novo Tratado(artigos 12 a 22).

Observemos o artigo 12 daquele Decreto 3.927:

Os brasileiros em Portugal e os portugueses no Brasil, beneficiários do estatuto de igualdade, gozarão dos mesmos direitos e estarão sujeitos aos mesmos deveres dos nacionais desses Estados, nos termos e condições dos Artigos seguintes.

Tem-se no artigo 13:

1. A titularidade do estatuto de igualdade por brasileiros em Portugal e por portugueses no Brasil não implicará em perda das respectivas nacionalidades.

        2. Com a ressalva do disposto no parágrafo 3o do Artigo 17, os brasileiros e portugueses referidos no parágrafo 1o continuarão no exercício de todos os direitos e deveres inerentes às respectivas nacionalidades, salvo aqueles que ofenderem a soberania nacional e a ordem pública do Estado de residência.

Contudo, não pertencem ao regime de equiparação, como não poderia deixar de ser, os direitos que a Constituição de cada um dos Estados reserva aos seus titulares aos seus indivíduos de nacionalidade originária, a teor do artigo 14.

Tem-se nos termos do artigo 12, parágrafo primeiro:

§ 1º Aos portugueses com residência permanente no País, se houver reciprocidade em favor de brasileiros, serão atribuídos os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos nesta Constituição.

Em tais hipóteses,  que a própria Constituição excepciona, não vigora o estatuto da igualdade. 

A Constituição ainda estabelece a igualdade entre natos e naturalizados, mas excepciona:

§ 2º A lei não poderá estabelecer distinção entre brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos nesta Constituição.

    § 3º São privativos de brasileiro nato os cargos:

        I -  de Presidente e Vice-Presidente da República;

        II -  de Presidente da Câmara dos Deputados;

        III -  de Presidente do Senado Federal;

        IV -  de Ministro do Supremo Tribunal Federal;

        V -  da carreira diplomática;

        VI -  de oficial das Forças Armadas;

        VII -  de Ministro de Estado da Defesa.

O acesso a esses cargos e funções públicos está vedado aos portugueses aqui residentes, porque a Constituição de Portugal não permite que brasileiros lá residentes ascendam a cargos e funções correspondentes, como se lê do artigo 15, parágrafo terceiro, da Constituição de Portugal.

O princípio da reciprocidade aparece, no caso, aplicado em sua vertente negativa, facultando o texto português apenas a atribuição de direitos aos brasileiros. A Constituição do Brasil já garante aos portugueses, naturalmente, os direitos dela decorrentes, atendidos os seus dois pressupostos: residência permanente no Brasil e reciprocidade em favor dos brasileiros. Ao passo que em Portugal, segundo se entende, há uma larga margem de manobra para o governo de Portugal atribuir ou não tais direitos aos nossos nacionais.

A igualdade de direitos e deveres deverá ser reconhecida por um ato administrativo, a portaria, que deverá ser publicada no Diário Oficial da União, do Ministério da Justiça, no Brasil, e do Ministério da Administração, em Portugal, objetivando o cumprimento do princípio da publicidade(artigo 15 do tratado).

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O Brasil, nessa linha de entendimento, deferiu, em 1996, a solicitação da França, extraditando português que aqui se encontrava e que não demonstrara estar no gozo do benefício mediante prova de que o requerera e obtivera(Extradição 674, in RTJ 167/11). Em outro caso, o STF negou pedido de extradição requerido pela Itália, pelo fato de estar o requerente “juridicamente amparada pelo Tratado firmado entre Brasil e Portugal conforme certificado expedido pelo Ministério da Justiça que concede nos termos dos artigos 2,3 e 5 do Decreto nº 70.436, de 18 de abril de 1972, os direitos da cidadã brasileira a requerente, como se lê da Extradição nº 302, RTJ 167/742.

Na lição de José Francisco Rezek(Direito Internacional Público, pág. 183), concedido o benefício, os portugueses terão no Brasil, prerrogativas que os estrangeiros aqui não têm, como o direito de abrir empresa jornalística, independentemente do prazo de residência no Brasil, ou de ser proprietário de terras ou faixas de fronteiras. O benefício será extinto com a perda “da sua nacionalidade ou com a cessação de autorização de permanência no território do Estado de residência, como se lê do artigo 16 da Convenção.

Em relação ao gozo dos direitos políticos por portugueses no Brasil e por brasileiros em Portugal, estabelece a Convenção que este só será reconhecido aos que tiverem três anos(ao contrário dos 5 anos da Convenção de 1971) de residência permanente e depende do requerimento à autoridade competente(artigo 17, § 1º). Mas a igualdade quanto aos direitos políticos não abrange as pessoas que, no Estado na nacionalidade, houverem sido privadas de direitos equivalentes, como se lê do artigo 17, parágrafo segundo, do tratado. Por fim, a Convenção proibiu o duplo gozo de direitos políticos, estabelecendo que o gozo destes no Estado de residência importa na suspensão do exercício dos mesmos direitos no Estado da nacionalidade(artigo 17, parágrafo terceiro).

Nos termos do artigo 18 da Convenção os portugueses e brasileiros amparados pelo estatuto da igualdade ficam sujeitos a lei penal do Estado de residência nas mesmas circunstâncias em que os respectivos nacionais e não estão sujeitos à extradição, salvo se requerida pelo Estado de sua nacionalidade. É o que se aplica do princípio da reciprocidade.

Dispõe o tratado que “não poderão prestar serviço militar no Estado de residência os brasileiros nas condições do artigo 12”, ou seja: “ou seja, os brasileiros que estão em Portugal e os portugueses que estiverem no Brasil, devendo a lei interna de cada Estado regular, para esse efeito, a situação dos respectivos nacionais, como se lê no artigo 19.

O brasileiro ou português, beneficiário do estatuto da igualdade, que se ausentar do território do Estado de residência terá direito à proteção diplomática apenas do Estado de nacionalidade(artigo 20). Os governos do Brasil e de Portugal comunicarão reciprocamente, por via diplomática, a aquisição e perda do estatuto de igualdade regulado no tratado(artigo 21).

Aos brasileiros em Portugal e aos portugueses no Brasil, beneficiários do estatuto da igualdade, serão fornecidos, para uso interno, documentos de identidade de modelos iguais aos dos respectivos nacionais com a menção da nacionalidade do portador e a referência do tratado(artigo 22).

Dentro do estatuto da igualdade discute-se a sistemática de sua extinção.

A igualdade, quer restrita à orbita civil quanto abrangente dos direitos políticos, cairá extinta pela “cessação da autorização de permanência definitiva no Brasil”, pela “expulsão do território nacional” ou pela “perda da nacionalidade originária”. A singela suspensão de direitos políticos, em Portugal, acarretará aqui para o seu súdito a extinção dos mesmos direitos, transformando-o, de titular do estatuto pleno, em beneficiário tão-só da igualdade de cunho civil.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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