Liberdade Econômica -Parte 4

25/06/2019 às 15:46
Leia nesta página:

Esse é um artigo parte de uma série de outros que analisarão a MP 881/2019 e seus reflexos e inovações de forma crítca

Seguindo a proposta de comentar as mudanças mais relevantes trazidas pela MP 881/2019, vamos tratar de assunto polêmico: a extensão da falência a outras sociedades. Não era incomum a falência de uma sociedade determinar a extensão de seus efeitos a outras, seja por integrarem o mesmo grupo econômico, seja pela aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica. Sobre o tema:

“A Turma entendeu ser possível estender os efeitos da falência de uma empresa a outra, por decisão incidentalmente proferida, sem a oitiva da interessada, na hipótese em que não há vínculo societário direto entre as empresas, mas em que há suspeitas de realização de operações societárias para desvio de patrimônio da falida nos anos anteriores à quebra, inclusive com a constituição de sociedades empresárias conjuntas para esse fim. A análise da regularidade desse procedimento não pode desprender-se das peculiaridades do caso. Assim, não é possível, no processo civil moderno, apreciar uma causa baseando-se exclusivamente nas regras processuais, sem considerar, em cada hipótese, as suas especificidades e, muitas vezes, a evidência com que se descortina o direito material por detrás do processo.

“Hoje, tanto na doutrina como na jurisprudência, está claro que as regras processuais devem estar a serviço do direito material, nunca o contrário. A cadeia societária descrita no caso demonstra a existência de um modus operandi que evidencia a influência de um grupo de sociedades sobre o outro, seja ele ou não integrante do mais amplo. Logo, é possível coibir esse modo de atuação mediante o emprego da técnica da desconsideração da personalidade jurídica, ainda que para isso lhe deva dar nova roupagem. A jurisprudência tem que dar resposta a um anseio social, encontrando novos mecanismos para a atuação do direito, tendo a desconsideração da personalidade jurídica que se encontrar em constante evolução para acompanhar todas as mudanças do tecido social e coibir, de maneira eficaz, todas as novas formas de fraude mediante abuso da personalidade jurídica. A Turma reafirmou ainda que se pode estender o efeito do decreto de falência a sociedades coligadas do falido sem a necessidade de ação autônoma. REsp 1.259.020-SP, relatora ministra Nancy Andrighi, julgado em 9/8/2011”.

 

“DIREITO EMPRESARIAL E PROCESSUAL CIVIL. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. EXTENSÃO, NO ÂMBITO DE PROCEDIMENTO INCIDENTAL, DOS EFEITOS DA FALÊNCIA À SOCIEDADE DO MESMO GRUPO.

“É possível, no âmbito de procedimento incidental, a extensão dos efeitos da falência às sociedades do mesmo grupo, sempre que houver evidências de utilização da personalidade jurídica da falida com abuso de direito, para fraudar a lei ou prejudicar terceiros, e desde que, demonstrada a existência de vínculo societário no âmbito do grupo econômico, seja oportunizado o contraditório à sociedade empresária a ser afetada. Nessa hipótese, a extensão dos efeitos da falência às sociedades integrantes do mesmo grupo da falida encontra respaldo na teoria da desconsideração da personalidade jurídica, sendo admitida pela jurisprudência firmada no STJ. AgRg no REsp 1.229.579-MG, relator ministro Raul Araújo, julgado em 18/12/2012”

 

“(...)

4. A desconsideração da personalidade jurídica para fins de extensão dos efeitos da quebra objetiva ampliar a responsabilização civil dos sócios e empresas de um mesmo grupo empresarial, incluindo no procedimento falimentar o patrimônio existente no momento do decreto de falência e impondo a eles a suspeição decorrente da fixação judicial do termo legal de falência.

5. O levantamento temporário e momentâneo do véu da autonomia empresarial não acarreta alteração dos atos praticados, tampouco resulta na imposição retroativa de requisitos essenciais à validade de atos e negócios concluídos pelas regras vigentes a seu tempo, salvo nas hipóteses de alegada fraude.

6. Recurso especial provido. Recurso adesivo prejudicado.” (REsp 1455636 / GO; relator ministro Marco Aurélio Bellizze)

 

A aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica na falência é medida aplicada há muito tempo, independentemente do ajuizamento da ação do art. 82 da Lei 11.101/05. A maioria dos julgados exige a comprovação da fraude. A MP 881/2019 inseriu o art. 82-A na Lei 11.101/05: “Art. 82-A. A extensão dos efeitos da falência somente será admitida quando estiverem presentes os requisitos da desconsideração da personalidade jurídica de que trata o art. 50 da Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil.”

Entendo que a utilidade jurídica do art. 82-A foi para determinar que somente a teoria maior tem aplicação na falência, ou seja, o artigo afasta a teoria menor, aplicada no direito do consumidor e trabalho. É de uma clareza evidente que, ao se admitir a aplicação da teoria da desconsideração na falência, somente pode ser aplicada se presente os requisitos do art. 50 do Código Civil, que positiva a teoria. Acho que o mais importante não foi dito. Além da observância dos requisitos do art. 50 citado, os requisitos processuais do Código de Processo Civil também terão que ser observados, ou seja, não basta um mero pedido de desconsideração da personalidade jurídica da sociedade ou pessoa jurídica que teve sua falência decretada. O pedido tem que observar o rito adequado, ou seja, através do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos arts. 133/137 do Código de Processo Civil.

Questão que entendo relevante é a possibilidade do pedido de desconsideração inversa (Art. 133, §2º do CPC), ou seja, decretada a falência de um dos sócios, desde que empresário, comprovada a transferência fraudulenta de bens para sociedade, com objetivo de negativar patrimônio para justificar o descumprimento de obrigações contraídas, o juiz pode desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade para atingir o patrimônio da própria sociedade ou pessoa jurídica (ex. Eireli).

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Termino esse artigo como o anterior. Pergunta que não quer calar: toda essa discussão sobre o artigo 82-A da Lei de Falências, para não ser aprovado no Senado. Pode isso?

Sobre a autora
Monica Gusmão

Professora de Direito Civil, Empresarial e Trabalho de várias instituições, entre elas a FGV; membro do Fórum Permanente em Direito Empresarial da Escola da Magistratura do Rio de Janeiro; autora de várias obras; articulista...

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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