Precedentes e Jurisprudência

26/06/2019 às 08:47
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O artigo analisa o conceito e a aplicação de precedentes e jurisprudência no Código de Processo Civil.

A adoção do sistema de precedentes no CPC não significa que não se poderá mais falar em jurisprudência nos tribunais do país. A expressão, que em seu significado correto é a solução reiteradamente adotada no julgamento de casos semelhantes, permanecerá existente, mas será menos frequente, em consequência da dispensa da necessidade de que um tribunal julgue centenas ou milhares de processos sobre o mesmo tema.

O papel das Cortes passou a ser o de julgar com qualidade um ou alguns processos acerca da questão, para que esse precedente seja aplicado pelos juízes e tribunais inferiores (e pelo próprio tribunal julgador) a todos os casos idênticos. Por exemplo, a criação da repercussão geral ao recurso extraordinário pela Emenda Constitucional nº 45/2004 (ao inserir o § 3º ao art. 102 da Constituição) fez cair em desuso a menção à jurisprudência no controle difuso de constitucionalidade exercido pelo STF. Ao invés de julgar diversos recursos extraordinários sobre o mesmo tema, a Suprema Corte passou a selecionar um ou alguns e a fixar um precedente para o caso, que é aplicado por todos os juízes e tribunais do país aos casos similares (conforme previa o art. 543-B, § 3º, do CPC/73, com correspondente no art. 1.040 do CPC/2015). Em consequência, ocorreu praticamente a extinção da edição de enunciados da súmula da jurisprudência dominante do STF, que, desde 26 de novembro de 2003 (quando foi aprovado no Plenário o Enunciado nº 736) não aprova nenhum novo enunciado.

Nesse cenário, a jurisprudência também pode derivar da reiterada aplicação de um precedente. Logo, um precedente pode se transformar em jurisprudência.

Assim, a interpretação da lei por um tribunal pode dar origem a um precedente. O precedente interpreta a lei por meio da ratio decidendi. Essa ratio decidendi, quando aplicada reiteradamente pelo Judiciário, torna-se uma jurisprudência. Por fim, o tribunal enuncia a jurisprudência na sua súmula, que é o texto da ratio decidendi. Logo, a súmula importa em uma volta ao início, porque constitui o enunciado que sintetiza o texto da ratio decidendi reiteradamente aplicada no tribunal.

Consequentemente, não se pode redigir o texto da súmula ignorando a sua origem: ela deve corresponder aos fundamentos determinantes (ratio decidendi) do precedente. Apesar de ser um texto normativo, o enunciado de súmula deve ser interpretado a partir do precedente que deu origem à jurisprudência que levou à sua elaboração.

Por essas razões, o art. 926 do CPC dispõe, em seus §§ 1º e 2º, que os tribunais editarão enunciados de súmula correspondentes à jurisprudência dominante, levando em conta os precedentes que deram origem a ela.

Ressalva-se, porém, que o enunciado de súmula e a jurisprudência não decorrem necessariamente da aplicação reiterada de um precedente. O CPC não afasta a possibilidade da formação da jurisprudência em decorrência da repetida identidade na solução de casos (antes ou independentemente da elaboração do precedente), especialmente nos tribunais de apelação.

Na prática, o sistema de precedentes constante do CPC dificulta a formação de uma jurisprudência e, consequentemente, de novos enunciados de súmula. O estabelecimento de um precedente fará com que os relatores dos processos nos tribunais decidam monocraticamente, evitando que o órgão colegiado rediscuta a matéria (a menos que se pretenda, por meio do processo, a superação do precedente e a elaboração de um novo).

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

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