ASPECTOS HISTÓRICOS DA PEDOFILIA

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O artigo apresentou a historicidade dos crimes sexuais, passando pela Grécia Antiga e Império Romano, além de apresentar a importância do cristianismo no combate a pedofilia e apresentou os primeiros casos de pedofilia no Brasil.

INTRODUÇAO

O presente artigo buscou apresentar os aspectos históricos dos crimes sexuais, como era essa prática na Grécia e Império Romano, a relação da pedofilia com o complexo de Édipo, a importância do Cristianismo no combate a essa prática, o que falava o direito romano e, por fim, a relação do Brasil e a pedofilia. 

 

1 ASPECTOS HISTÓRICOS

1.1 A história dos crimes sexuais

 

É de suma importância em um trabalho científico considerar a história de seu objeto de pesquisa, no caso em exame, da violência sexual em crianças. Assim, a princípio é necessário falar que há inúmeras culturas que permitem a relação sexual entre adultos e crianças. No universo Árabe, por exemplo, é comum o casamento entre meninas menores de 13 (treze) anos com homens na faixa de 50 (cinquenta) anos.

Há, ainda, por parte da religião islâmica uma certa exigência em relação a moralidade sexual. Entretanto, não são raros os casos de meninas e meninos que tem sido vítima de estupro. O livro de Seierstad revela:

 

Uma menina entra na livraria. Talvez tenha 12, ou 14 anos. Ela estende a mão suja olhando-os com ar suplicante. Um xale branco e sujo com flores vermelhas cobre-lhe a cabeça e os ombros. É pequena demais para usar a burca, que é reservada para depois da puberdade. Sempre há pedintes entrando nas lojas. Mansur normalmente os põe para fora. Mas Rahimullah continua olhando o rosto infantil em forma de coração e tira dez notas do bolso. A menina arregala os olhos, querendo agarrá-las com avidez. Antes de pegá-las, a mão de Rahimullah foge. Ele faz um círculo grande no ar com a mão, olhando-a nos olhos. - Nada nesta vida é de graça – ele diz A mão da menina gela. Rahimullah dá duas notas para ela. - Vá para um hammam, se lave, volte depois e aí te dou o resto. Ela rapidamente enfia o dinheiro no bolso do vestido e obre metade do rosto como o xale sujo de flores vermelhas. Ela o fita com um dos olhos. Uma bochecha tem cicatrizes de feridas antigas de varíola. Moscas da areia deixaram-lhe marcas na testa. Ela se vira e sai, o corpo magro desaparecendo nas ruas de Cabul. Poucas horas depois está de volta, limpa. Mansur fica constrangido enquanto espera. A criança e Rahimullah demoram a voltar. Quando o vendedor acaba, ele se veste e pede para ela ficar deitada no papelão. Vai até a frente da loja. -Ela é sua – ele diz a Mansur. (SEIERSTADE, 2006, p. 152-153).

 

Desta feita, como o tema apresenta muito interesse por parte da população, principalmente pelos pais que possuem filhos menores ou mesmo pessoas que sofreram e sofrem caladas a violência que foram submetidas na infância, estudar a evolução histórica dos crimes sexuais traz mais luz acerca da inteligência dos princípios que forma o sistema punitivo contemporâneo.

A propósito, o Direito Penal nasce juntamente com a história humana, pois é inegável que desde o princípio o ser humano pratica o mal e necessita ser corrigido, bem como ter normas para garantir uma convivência, no mínimo, saudável entre viventes.

Romeu Falconi detalha com propriedade:

 

A história humana não pode ser desvinculada do direito penal, pois desde o princípio o crime vem acontecendo. Era necessário um ordenamento coercitivo que garantisse a paz e a tranquilidade para convivência harmoniosa nas sociedades”. Como bem disse pranteado EDGAR MAGAÇHES NORONHA “a história do direito penal é a história da humanidade”. Pode-se dizer, com absoluta segurança, que o nascimento do Direito se deu precisamente através do ramo penal. (FALCONI, 1997, p. 21-23).

 

Portanto, sendo consideradas objetos de satisfação e mercadoria por muitos grupos da sociedade, as crianças e adolescentes sofreram muito com agressões sexuais e maus tratos. Com isso, tutelar esse grupo de pequenas pessoas acabou por se tornar uma obrigação para a sociedade civilizada.

 

1.2 Na Grécia e Império Romano

 

Hisgail (2007) diz que na Grécia antiga, a linha que separava a infância da adolescência era marcada por aventuras eróticas com os adultos. Não eram poucos os casos das filhas que eram estupradas por seus pais e, consequentemente a esses atos, a maioria das mulheres de Roma e da Grécia não possuíam o hímen integro. Todavia, não eram só as garotas que sofriam tal abuso, mas, também, os filhos homens eram submetidos a abusos sexuais constantes, uma vez que eram entregues a homens mais velhos a partir de 7 (sete) anos, sendo violentados sexualmente até os 21 anos (puberdade daquela época).

Portanto, na Grécia e no Império Romano, usar os menores como objeto de satisfação pessoal dos adultos era algo bastante comum, sendo prezado e tolerado. Era comum, ainda, o coito anal entre professores e alunos. Sobre o tema, Renato Posterli ensina:

 

Inclusive havia a aprovação da comunidade para a manutenção de prostíbulos em que meninos escravos eram usados para a satisfação sexual de adultos, entretanto, com o surgimento do cristianismo iniciou-se um ciclo de condenação da prática sexual entre adultos e criança por volta do séxulo XVII. (POSTERLI, 1996, p. 207).

 

As crianças que eram vendidas para escravidão sexual sendo vistas como impuras, ou seja, portavam algum mal, por isso era mantida distantes dos pais e apanhavam, e ficavam abandonadas e completamente entregues a seus pensamentos de rejeição e exclusão da sociedade. Assim, fica evidente como era prejudicial a cultura da época a qual não entendia o valor do ser humano, e, ainda pior, tratavam as crianças e adolescentes como verdadeiros objetos sexuais.

 

 

1.3 Pedofilia e complexo de édipo

 

Freud ensina que uma criança desempenha seu papel masculino na sociedade quando ele passa pelo processo edipiano. Com isso, na idade entre 3 e 6 anos, o menino senti desejos sexuais pela própria mãe e, portanto, fica em uma disputa inconsciente com seu pai, sendo que deseja, inclusive, eliminá-lo. Contudo, a criança tem medo de ser castigada pelo pai, e, consequentemente, ser castrada e é tal temor que impedi o menino de continuar nessa busca exclusiva pela mãe. Assim, Freud chamou esse processo de complexo de Édipo.

Desta forma, no complexo de Édipo, a criança abandona, gradualmente, os desejos pela mãe e fica mais próximo de seu pai. Em seguida, aquele enorme desejo que era direcionado pela mãe, agora e desviado para outras pessoas do sexo aposto. Assim, Freud acredita que o homem adulto saudável em sua sexualidade passava por esse processo, mas, quando este procedimento não ocorria de maneira certa, a consequência seria desvios de comportamentos sexuais, como por exemplo, a homossexualidade, neuroses sexuais e pedofilia.

Com o passar do tempo Freud melhorou sua teoria, sendo muito influenciado por outros pensadores, como Jung. Com isso, Freud começou a incluir meninas na sua teoria sobre o complexo de Édito, de forma que as meninas teriam desejos sexuais em relação ao pai e desejos de repulsa em relação a mãe.

Na Grécia, havia determinadas situações que relatavam os desvios de condutas, e outras que valorizavam a conotação sexual. Uma bastante desenvolvida é a de Édipo, que foi trabalhada por Freud para diagnosticar um comportamento sexual equivocado.

 

O advinho de Delfos anunciou ao rei de Tebas, Laios, que o seu filho Édipo o mataria para se casar com a mãe, a rainha Jocasta (...) Na cidade, os habitantes choravam a morte do seu rei que nunca mais regressara da caça e aclamava Édipo, rei de Tebas, porque os livraria da esfinge sanguinária, dando-lhe como esposa a rainha Jocasta (sua mãe). (FREUD, 1974, p. 215-226).

 

 

Pois bem, essa história de Sófocles remete a mais de 2.300 anos, demonstra o psiquismo em relação a pessoa que se ama, com suas atitudes e comportamentos, fantasias e desejos. Em face disso, Sigmound Freud chamou de Complexo de Édipo a situação de conflito afetivo entre pais e filhos, adultos e crianças. Tal história tornou-se uma grande referência para a compreensão da sexualidade humana.

De uma maneira geral, portanto, a pedofilia trata-se de um transtorno da sexualidade em relacionar-se com o outro, e, pela sua desproporção em relação aos parceiros e sua natureza arcaica, constata-se que o abuso sexual em crianças é edipiano.

Olavo de Carvalho (2002) diz que amar meninos era moda no século II a. C. Entretanto, era necessário o adulto mostrar toda sua virilidade. Dentre os casos, destaca-se o grande amor de um adulto, o Imperador Adriano, por um menor, seu ex-escravo, Antínuo, interessante que chegou a construir uma cidade para ele e, ainda, espalhou inúmeras estátuas por todo seu império.

Olavo de Carvalho completa que:

 

O exército de Alexandre, o Grande era tão temível porque era incentivada a amizade entre os seus soldados. Já (..) nos países muçulmanos, ainda hoje é bastante comum a pedofilia. A mulher islâmica solteira precisa se resguardar, por isso é muito difícil que mantenha relações sexuais antes do casamento. (...) Por isso, com a falta generalizada de mulher, muitos homens islâmicos “fazem uso” de rapazes e meninos para sua iniciação sexual (CARVALHO, 2002).

 

Evidencia-se, portanto, a ligação entre a pedofilia e o complexo de Édipo, uma vez que ambas têm como autores uma criança e um adulto, em uma relação sexual completamente desproporcional e invariavelmente doentia. Por isso, é necessário percorrer a mente humana atrás desse misterioso comportamento.

 

1.4 Primeira desaprovação da pedofilia

 

A primeira vez que a pedofilia foi desaprovada ocorreu entre os séculos IV ou XIII, conforme ensina Azambuja:

 

Uma prática comum durante o período (do séxulo IV ao século XVIII) era vender a criança para monastérios e conventos, em que jovens garotos ficavam sujeitos a abusos sexuais, como sodomia. As crianças eram também frequentemente surradas com instrumentos, como chicotes açoites, pás, varas de madeira e de metal, deixes de varetas, “disciplinas” (correias com as quais açoitavam as crianças por castigo), aguilhão (ponta de ferro de uma vara comprida utilizada para ferir a cabeça ou as mãos de uma criança) e flapper (um instrumento em forma de pera com um buraco para causar bolhas). As surras em geral provocavam alguma excitação sexual na pessoa que a administrava. Há também evidenciais de gangues de adolescentes que atacavam crianças mais novas para cometerem estupro – prática que desapareceu no final do séxulo XVIII, que presenciou a primeira desaprovação da pedofilia (AZAMBUJA, 2004, p. 6-7).

 

Com a influência da religião a prática sexual entre crianças e adultos foi ganhando contornos de desaprovação, uma vez que o cristianismo começou a se opor de maneira contundente a essas práticas.

 

1.5 Cristianismo e sua oposição à pedofilia

 

Com o cristianismo e a oposição clara a essas práticas, a Igreja conseguiu com o passar dos tempos que essa desaprovação fosse criminalizada e incorporada no sistema jurídico do Estado.

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Aries (1981, p. 195) ressalta que foi por volta do século XV que o sentimento de família ganhou espaço, porém, até o século XVII os menores ainda eram submetidos a violência sexual. Na colonização do Brasil por Portugal, as ordens e as leis para as crianças e adolescentes eram aplicadas pelos representantes da Igreja Católica, uma vez que o Estado e a Igreja caminhavam juntos, unindo as conquistas armadas e a religião.

Desta maneira, havia um cuidado com os menores indígenas pelos padres jesuítas, pois estes tinham o objetivo de batizar e posteriormente colocá-las para trabalhar. Assim, os movimentos religiosos não aceitavam as formas de violência que as crianças e adolescentes eram submetidas e, por isso, fundaram casas de recolhimento para protegê-las. Após serem separados de sua tribo, esses pequenos índios eram ensinados as verdades do cristianismo, como por exemplo o casamento religioso, bem como outros dogmas com a finalidade de ensiná-los o modo de vida de um cristão no mundo.

Mudanças significativas ocorreram a partir do século XVIII, em consequência da reforma protestante e da contrarreforma católica. Com isso, a família tornou-se a pedra angular da moralidade cristã. Ladro outro, a sodomia passou a ser vista com maus olhos, sendo considerada depravada e vil. Contudo, alguns filósofos resistiram a essa ideia, dentre os quais se destaca Jeremy Bentham que defendia como lícito qualquer ato sexual que deixasse a pessoa feliz.

Segundo Falconi (1997, p. 24) O direito penal passou a sofrer muitas influências com o surgimento das religiões, ganhando com isso um viés mais “Divino”, sendo que a punição era praticamente em nome de Deus. Foi o Código de Manu, isto é, Mânara Dhama Sutra, o primeiro a trazer esses regramentos. Segundo esse código a pena tinha a finalidade da purificação. Assim, o direito penal era considerado teocrático em seus fundamentos, e confundia-se com a religião.

 

1.6 Lei deTalião

 

Era necessário a criação de um regramento para evitar a desordem geral e, assim, criou-se a primeira conquista no âmbito punitivo e repressivo: A lei de Talião, isto é, jus talionis. A palavra é de origem latina, e tem como significado o castigo na mesma proporção da culpa. No antigo testamento da Bíblia sagrada, no livro de Êxodo, 21,12 encontramos a seguinte redação: “Aquele que ferir mortalmente um homem, será morto. ”

Desta forma, ocorreu a primeira delimitação da pena ao criminoso, sendo que o autor deveria ser punido na medida do mal causado a vítima. Tal fundamento foi acolhido por alguns códigos como, por exemplo, o de Hammurabi e pela Lei das XII Tábuas. No mais, no antigo testamento, especificamente no livro de deuteronômio, em outro ponto que mostra a punição para quem praticar outro mal:

 

“23Se uma virgem se tiver casado, e um homem, encontrando-a na cidade, dormir com ela,24conduzireis um e outro à porta da cidade e os apedrejareis até que morram: a donzela, porque, estando na cidade, não gritou, e o homem por ter violado a mulher do seu próximo. Assim, tirarás o mal do meio de ti.25Mas se foi no campo que o homem encontrou a jovem e lhe fez violência para dormir com ela, nesse caso só ele deverá morrer,26e nada fareis à jovem, que não cometeu uma falta digna de morte, porque é um caso similar ao do homem que se atira sobre o seu próximo e o mata:27foi no campo que o homem a encontrou; a jovem gritou, mas não havia ninguém que a socorresse.28Se um homem encontrar uma jovem virgem, que não seja casada, e, tomando-a, dormir com ela, e forem apanhados,29esse homem dará ao pai da jovem cinqüenta siclos de prata, e ela tornar-se-á sua mulher. Como a deflorou, não poderá repudiá-la em todos os dias de sua vida.30Ninguém desposará a mulher de seu pai, nem levantará a cobertura do leito paterno.” (BÍBLIA, Deuteronômio, 22: 23-30).

 

Um fato interessante é que as virgens na antiguidade eram vistas como possuidoras de poderes religiosos, em razão de sua castidade. Desta forma, o estupro de uma mulher virgem poderia causar a ira dos deuses e ser muito prejudicial ao autor da prática.

 

1.7 Direito romano

 

No direito Romano Falconi (1997, p. 29) explica que também havia os Juízos de Deus e as ordálias, e, por incrível que pareça, no sistema investigatório a prática da tortura era muito comum. As “ordálias” eram práticas extremamente cruéis de tortura. Como por exemplo, havia casos de colocar as mãos e os pês de suspeitos em um caldeirão quente com azeite, aplicação de ferro em braza, água fervendo e outros meios cruéis.

Assim, o suspeito que mais resistisse as torturas demonstraria sua inocência, uma vez que Deus havia de protegê-lo dando-lhe a força necessária. Tais práticas foram utilizadas no Direito Germânico e no Direito Canônico. Contudo, nos dias atuais, a tortura é um crime grave e possui previsão expressa na Constituição.

 

1.8 O Brasil e a pedofilia

 

Como em outras partes do mundo, os abusos sexuais que ocorreram e ocorrem têm uma consequência da visão sobre criança. Na época do descobrimento do Brasil, muitas crianças foram enviadas para acompanhar o rei e também se casarem com os súditos da Coroa. Azambuja ressalta:

 

A chegada das primeiras crianças portuguesas no Brasil, mesmo antes do descobrimento oficial, foi marcada por situações de desproteção. Na condição de órfãs do Rei, como grumetes ou pajens, eram enviadas com a incumbência de se casarem com os súditos da Coroa. Poucas mulheres vinham nas embarcações e as crianças eram “obrigadas a aceitar abusos sexuais de marujos rudes e violentos”. Por ocasião dos naufrágios, comuns na época, eram deixadas de lado pelos adultos, entregues à fúria do mar (Azambuja, 2004, p. 35).

 

Há dois casos de pedofilia que são datados de 1746 e 1752, que demonstram como as crianças não eram vistas como pessoas que possuíssem direitos, mas, em muitos casos, como objetos de prazer. Interessante é que muitos casos não eram considerados crimes pela Inquisição:

 

Em nossa tradição luso-brasileira, parece que as relações sexuais entre adultos e adolescentes, além de frequentes, não eram conduta das mais condenadas pela Teologia Moral, pois mesmo quando realizada com violência, a pedofilia em si nunca chegou a ser considerada um crime específico por parte da Inquisição. Estes dois episódios exemplificam nossa asserção: em 1746, chega ao Tribunal do Santo Ofício de Lisboa a seguinte denúncia: Maria Teresa de Jesus, mulher casada, moradora na Vila de Santarém, “saindo de sua casa com seu filho, Manoel, de 5 anos, foi levado por um moço, Pedro, criado, para um porão, e usou o menino por trás, vindo o menino para casa todo ensanguentado”. Em 1752, outro caso semelhante chega à Inquisição: no povoado de Belém, junto a Lisboa, um moço de 25 anos, José, marinheiro, agarrou um menino de 3 anos incompletos, João, o levou para um armazém, do qual saiu a criança chorando muito, todo ensanguentado e rasgado seu orifício com a pica do moço (Mott, 1989, p. 33).

 

O autor revela que tais casos geraram muita revolta na população da época, mas, apesar de os criminosos serem conhecidos, eles não sofreram nenhum tipo de pena, sendo que a Inquisição não demonstrou muita importância para com o fato, bem como arquivou a denúncia como se fosse um caso sem importância.

No mais, sobreleva notar um caso de um sacerdote que havia confessado ao Visitador do Santo Ofício que teria praticado um abuso sexual em face de duas meninas, sexo anal, e sua principal preocupação era apenas se tinha cometido um pecado, chamado cópula anal, conforme é narrado a seguir:

 

Trata-se de um sacerdote brasileiro, residente em Salvador, o cônego Jácomo de Queiros, 46 anos. Confesso perante o visitador do Santo Ofício, em 1591, que uma noite levou à sua casa uma moça mameluca de 6 ou 7 anos, escrava que andava vendendo peixe pela rua, e depois de cear e se encher de vinho, cuidando que corrompia a dita moça pelo vaso natural, a penetrou pelo vaso trazeiro (sic) e nele teve penetração sem poluição. E outra vez querendo corromper outra moça, Esperança, sua escrava, idade de 7 anos, pouco mais ou menos, a penetrou também pelo trazeiro (sic) (Mott, 1989, p. 33).

 

Ainda, interessante ressaltar que segundo Diniz e Coutinho (2009), determinadas comunidades da Amazônia, ribeirinhas, tinha o costume do pai iniciar as suas filhas na sexualidade, ocorrendo, assim, em pedofilia e incesto. Tal ato fez criar uma lenda muito comum na região, a lenda do boto cor de rosa, o qual em noites de lua cheia, transformava-se um belo homem e engravidava as virgens ingênuas.

Conforme Leciona Azambuja (2004, p. 37) o termo “criança” aparece pela primeira vez em 1823, devido a necessidade de se ter mais cuidado com as crianças. Lado outro, apenas com o funcionamento das primeiras instituições que possuíam o nível superior é que o tema infância ganha mais alcance, principalmente na medicina.

Entre os anos de 1836 e 1870 foram demonstradas na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro 81 (oitenta e uma) teses que tinha como foco principal a criança, sendo que várias dessas teses tratava-se da prostituição infantil, a morte de crianças nas escolas e o infanticídio. No início do século XX, foram criadas várias políticas de proteção à criança:

 

A política de proteção à criança, nos primeiros anos do século XX, foi marcada por ações particulares, de cunho filantrópico ou assistencial, aliadas a iniciativas do Estado. Surgiram discussões acerca da forma de atendimento, a conceituação da Infância e a definição de uma condição social para esta cama da população. As crianças pobres se tornaram alvo, não só de cuidados e de atenção, como também de receios, em face da precária educação que recebiam (Azambuja, 2004, p. 38).

 

Conforme a autora, (2004) com a criação da Declaração dos Direitos da Criança, no ano de 1959, foi ressaltado as condições degradantes que as crianças brasileiras viviam. Estava prevista na referida declaração que toda criança tem direito à igualdade, sem distinção de raça, religião ou nacionalidade, especial proteção para o seu desenvolvimento físico, mental e social, entrou outros direitos. Contudo, foi apenas em 1962, depois da publicação de Kempe, que chamava “Síndrome da criança espancada”, que se passou a investigar as agressões que as crianças eram submetidas, chamando, assim, a atenção de profissionais da saúde e da sociedade, principalmente para sua proteção.

Com a publicação da Constituição da República, em 1988, aconteceu grande mobilização social que pedia por mudanças, tendo se desdobrado em duas principais correntes, a primeira que tinha como finalidade revogar a legislação ordinária existente, e a segunda corrente que queria apenas uma revisão e adequação. Vejamos:

 

Com a nova Carta, o segundo Código de Menores, filiado à Doutrina da Situação Irregular, tornou-se ultrapassado, iniciando-se um período de discussão e de mobilização social em busca de uma nova legislação que pprivilegiasse as conquistas constitucionais de proteção integral e de atendimento prioritário à infância. Formaram-se naquele momento duas correntes opostas; uma defendia a revogação da legislação ordinária existente, e a outra postulava apenas uma revisão, preservando a possibilidade de coexistência do Código de Menores com a Constituição Federal de 1988 (Azambuja, 2004, p. 52).

 

Todavia, Azambuja relata que a intensa mobilização influenciou para a revogação do Código de Menores e, em consequência, a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, trazendo inúmeras condições para as crianças e adolescentes, estando alinhado com as normas constitucionais:

 

Várias iniciativas, em nível nacional, foram decisivas para o sucesso da nova corrente, cabendo destacar a carta de Natal (19.08.89); o Encontro Nacional de Promotores de Justiça, realizado na cidade de São Paulo, em agosto de 1989, o posicionamento da Ordem dos advogados do Brasil, através de documento elaborado em Brasília (12.10.1989); a Carta-Compromisso de Belo Horizonte, extraída do XXVI Congresso Brasileiro de Pediatria (12.10.1989), além da moção apresentada pelo Conselho Nacional de Secretários de Educação, apresentada na cidade de Belém, Pará (20.10.1989) (Azambuja, 2004, p. 52-53).

 

Entretanto, faz necessário ressaltar que o Estatuto da Criança e do Adolescente, antes de descrever os direitos e deveres, implementou a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, tendo definido como criança a pessoa de até doze anos de idade incompletos; e como adolescente, a de doze a dezoito anos de idade.

Para Felipe (2006), a violência sexual contra menores a partir dos anos 90 passou a preocupar a sociedade brasileira e, ainda, tornou-se política pública no Brasil. A Constituição Federal do Brasil de 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente (lei 8.069/90) e Convenção Internacional dos Direitos da Criança, em 1999 que realizaram esta grande alteração.

Assim, percebe-se que a mudança de visão acerca da criança foi em decorrência de mudanças sociais, políticas e culturais, que modificaram o conceito de infância, família, instituições educativas e, consequentemente, a forma como elas vêm sendo educadas e assistidas em suas necessidades”  (FELIPE, 2006, p. 206-207).

Assim, Felipe (2006) informa que as mudanças também são consequências das novas teconologias, mais propriamente da internet:

 

Tais mudanças se devem também à criação e ao desenvolvimento de novas tecnologias, entre elas, o computador e a internet, gerando a disponibilização de novas práticas e interesses. No campo da sexualidade, surgiram novas modalidades de exercício do prazer e de experimentação do desejo através do mundo informatizado. Dentro desse espectro, a prática da pedofilia encontrou o seu lugar de exercício, divulgação e expansão (Felipe, 2006, p. 207).

 

Por fim, segundo dados extraídos da II Jornada Estadual contra violência e a exploração sexual de Crianças e Adolescentes, ocorrida em Porto Alegre em 2005, mencionados pela autora, “(...) a cada 8 horas uma criança é vítima de violência/abuso sexual e, em 70% dos casos, tal situação se dá nas relações intrafamiliares” (FELIPE, 2006, p. 209).

Conclusão

Evidencia-se, em face de tudo que foi exposto, a importância do tema e a necessidade de ampliar o espaço para a discussão desse problema. Os aspectos históricos atestam que o mal da pedofilia não é de hoje e não pertence exclusivamente ao Brasil. Assim, fica claro que a melhor forma de entender o futuro é olhar para o passado.

 

Referências

 

A BÍBLIA. Jesus lava os pés aos discípulos. Tradução de João Ferreira Almeida. Rio de Janeiro: King Cross Publicações, 2008. 1110 p. Velho Testamento e Novo Testamento.

 

Azambuja, Maria Regina Fay. Violência sexual intrafamiliar: é possível proteger a criança? Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004.

 

CARVALHO, Olavo de. Cem anos de Pedofilia. Jornal O globo. São Paulo, 27 de abril de 2002. Disponível em: <oladodecarvalho.org/semana/04272002globo.htm>. Acesso em 13 de fevereiro de 2010.

 

FALCONI, Romeu. Lineamentos do direito penal. 2. Ed. São Paulo: Icone, 1997.

 

FELIPE, Jane. Afinal, que é mesmo pedófilo? Cad. Pagu, Campinas, n. 26, junho 2006.

Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?scripd=sci_arttext&pid=S0104-83332006000100009&Ing=en&nrm=iso. Acesso em 04 de out de 2018.

 

Freud, S. (1974). A dissolução do complexo de Édipo. (J. Salomão, Trad.). Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas (Vol. XIX, pp. 215-226). Rio de Janeiro: Imago. (Originalmente publicado em 1924).

 

HISGAIL, Fani. Pedofilia: Um estudo psicanalítico. São Paulo, Iluminuras, 2007.

 

MOTT, Luiz. Cupido na sala de aula pedofilia e pederastia no Brasil antigo. Cad. Pesq. São Paulo, nº 69, maio 1989. Disponível em: http://www.fcc.org.br/pesquisa/publicações/cp/arquivos/872.pdf. Acesso em: 05 out.de 2018.

 

SEIERSTAD, Asne. O Livreiro de Cabul. 8ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2006. p.152 e 153.

 

Sobre os autores
José de Anchieta Oliveira Júnior

Acadêmico de Direito na Faculdade Santa Rita de Cássia em Itumbiara-GO e estagiário no Ministério Público de Minas Gerais na Promotoria de Canápolis-MG.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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