A PERDA DA PROPRIEDADE IMOBILÁRIA PELO ABANDONO

28/06/2019 às 08:58

Resumo:


  • O abandono é uma forma voluntária de perda da propriedade imobiliária, conforme estabelecido tanto pelo Código Civil de 1916 quanto pelo de 2002.

  • A perda da propriedade pelo abandono não é automática e requer a comprovação da intenção abdicativa do proprietário, podendo o imóvel ser arrecadado pelo Estado após um período específico.

  • Diferentemente da renúncia, que é um negócio jurídico, o abandono é considerado um ato-fato jurídico, e ambos têm efeitos distintos na perda da propriedade.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O ARTIGO DISCUTE UMA DAS FORMAS DE PERDA DA PROPRIEDADE IMOBILIÁRIA.

A PERDA DA PROPRIEDADE IMOBILÁRIA PELO ABANDONO

 

Rogério Tadeu Romano

 

Ditava o artigo 589, II, do Código Civil de 1916:

Art. 589. Além das causas de extinção consideradas neste Código, também se perde a propriedade imóvel: I – pela alienação; II – pela renúncia; III – pelo abandono; IV – pelo perecimento do imóvel.§ 1o Nos dois primeiros casos deste artigo, os efeitos da perda do domínio serão subordinados à transcrição do título transmissivo, ou do ato renunciativo, no registro do lugar do imóvel.

§ 2o O imóvel abandonado arrecadar-se-á como bem vago e passará ao domínio do Estado, do Território ou do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circuns-crições: a) dez anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona urbana. b) três anos depois, quando se tratar de imóvel localizado em zona rural.

Por sua vez, tem-se a redação do artigo 1275 do Código Civil de 2002:

Art. 1.275. Além das causas consideradas neste Código, perde-se a propriedade: I – por alienação; II – pela renúncia; III – por abandono; IV – por perecimento da coisa; V – por desapropriação. Parágrafo único. Nos casos dos incisos I e II, os efeitos da perda da propriedade imóvel serão subordinados ao registro do título transmissivo ou do ato renunciativo no Registro de Imóveis.

Art. 1.276. O imóvel urbano que o proprietário abandonar, com a intenção de não mais o conservar em seu patrimônio, e que se não encontrar na posse de outrem, poderá ser arrecadado, como bem vago, e passar, três anos depois, à propriedade do Município ou à do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições.

O abandono é um ato voluntário, por isso, é preciso constatar e não presumir a intenção abdicativa. Além disso, é um ato de disposição de direitos que gera a diminuição patrimonial de um indivíduo.

Admite-se o abandono como uma das formas de se perder a propriedade imóvel.

Para uns, o titular tem a propriedade até o instante da arrecadação, podendo também reivindicá-la quando quiser. Já para outros doutrinadores, a perda se dá com a verificação do abandono.

Como expôs Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, ed. Bookseller, tomo XIX, § 1605), é possível que a perda da propriedade pela derrelicção sem aquisição por outrem tenha sido desconhecida nos primeiros tempos do direito romano, como acentuaram B. W. Leist(Die bonorum possessio, I, 271), Glück, dentre outros.

Disse ainda Pontes de Miranda(obra citada, pág. 166) que é certo que se distinguiram, pelo menos depois, os dois atos, ficando sem qualquer ligação derrelicção e ocupação, senão no que o ser sem dono era elemento, como hoje, do suporte fático da ocupação. No direito brasileiro, mantêm-se os dois conceitos de deserere e derelinquere, de desertus e derelictus, expressos nos artigos 589, II e III e 592 do Código Civil revogado.

O abandono da propriedade imobiliária é ato-fato jurídico, ao passo que a renúncia é negócio jurídico.

A renúncia à propriedade imobiliária pode efetuar-se sem tradição e sem ato de abandono da posse, como se lia do antigo artigo 520, I, do Código Civil de 1916.

Por sua vez, a ocupação é fato, ato-fato jurídico de que resulta direito, coisa diferente de ser exercido de direito e ter-se de discutir se é real ou não.

Para Pontes de Miranda seria hoje regressivo ter-se a derrelicção como causa de perda da propriedade pela ocupação, de modo que tal perda só ocorresse no segundo momento.

Tem-se que a propriedade, no direito romano, não podia, de regra, tornar-se sem dono. Se a derelictio, a derrelicção, tenha de si só, o efeito de se perder a propriedade, sem ser preciso a aquisição por outrem, não podia ser questão resolvida a priori, porque no direito italiano lavraram filosofias diferentes.

Os romanos resistiram a uma teoria do abandono ou a um princípio de suficiência da derrelicção, tal como surgiu em tempos posteriores.

Na lição de Lafaiete Rodrigues Pereira(Direito das coisas, I, 24) a derrelicção no direito brasileiro como perda, a maneira sabiniana, e ocupação posterior por alguém. “A coisa abandonada se torna res nullius e pode ser novamente adquirida pelo primeiro ocupante”.

Manuel de Almeida e Souza(Notas de uso prático, III, 139) conheceu a questão que fora tratada pelos juristas do uso moderno(se o bem imóvel derrelicto ia ao Fisco ou ao ocupante) adotou solução no sentido de ir ao Fisco. No instante imaginário seria de ninguém, e vacante para que o Fisco o recebesse. Pugnou por esta resposta, devido, segundo argumentava, às Ordenações Filipinas, Livro II, Título XXVI, § 17, que davam ao Fisco “todos os bens vagos, a que não é achado senhor certo.

Observe-se que o Código Civil de 1916, no artigo 589, III, e § 2º, estabeleceu o lapso entre a perda(o que sublinha a concepção sabiniana) e a aquisição pelo Estado Federado, Território ou Distrito Federal, dez ou três anos depois, conforme se trate de imóvel localizado em zona urbana ou rural.

A solução alemã foi a da renúncia – não abandono – perante o registro. Pode-se renunciar a propriedade sem se renunciar a posse.

Aliás, os autores fazem ainda alusão à renúncia translativa que confina com a alienação; e à renúncia preventiva, que se realiza pela recusa à aquisição de direito ainda não integrado patrimônio, como se lê da lição de Serpa Lopes.

Enneccerus, Kipp e Wolff(Derecho das cosas, volume I, § 63) o abandono, como a renúncia, constitui negócio jurídico unilateral, e como tal deve ser tratado.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Se alguém propõe ou tem a propor ação de usucapião e a propõe antes de terminar o prazo do artigo 589, § 2º do Código Civil de 1916, não se opera a passagem ao domínio do Estado.

Durante o processo de abandono, os que têm o uso do imóvel, como o locatário, permanecem na posição jurídica em que se achavam.

O direito do Estado, após o abandono é considerado como um direito expectativo. Mas se direito somente era considerado existente se houve realmente o abandono.

Mas o abandono da propriedade não tem eficácia completa, erga omnes, se não se deu baixa no registro.

Se o condômino abandona a sua parte indivisa, não a adquirem os outros condôminos. O direito brasileiro não possui a regra da decadência que a L. 4 C, de aedificis privatis, 8, 10 admitiu. O condômino devedor que não paga a dívida das despesas comuns não sofre tal decadência, nem cabe abandonar a parte indivisa abandonada passa, dez ou três anos depois da arrecadação, ao Estado. A aquisição por usucapião, se algum condômino ou estranho, vence a ação, seria outro problema, com afirmou Pontes de Miranda(obra citada, pág. 171).

O abandono da propriedade não se presume. Tem de ser afirmado e provado.

O abandono deve ser constatado com base em elementos concretos que dessem ao proprietário o direito de se defender amplamente, podendo demonstrar que não teve a vontade de se desfazer do bem.

Abandono e renúncia têm efeitos diversos.

Quem renuncia atua como agente do negócio jurídico, unilateral de disposição, pelo qual o bem se torna nullus, ao passo que pelo abandono, o bem cai sobre a situação jurídica que era prevista no artigo 589, II, do Código Civil de 1916 e artigo 1275, II, do Código Civil de 2002.

O terceiro que se apossa do prédio abandonado não está na mesma situação do que se apossa do prédio renunciado. A renúncia, antes de registrada, dá ao possuidor, contra o renunciante, a objeção. NO abandono, o possuidor encontra o Estado que ainda não é dono, porém já está autorizado a arrecadar o bem abandonado.

Se o abandonante renunciou e fez transcrever-se a renúncia – ou, em verdade, renunciou e só impropriamente chamou abandono à renúncia, ou o seu ato foi de abandono e a renúncia é tardia, apenas confirmativa do abandono, com a eficácia erga omnes do registro.

Anote-se que nem o abandono nem a renúncia admitem a bilateralidade. Não há alienação; não há alguém que abandone ou que renuncia, e alguém que adquire.

Quanto a arrecadação há a ação de Arrecadação de bens vagos movida perante a Justiça competente, visando a buscar a declaração dessa arrecadação e a execução da medida.

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Leia seus artigos favoritos sem distrações, em qualquer lugar e como quiser

Assine o JusPlus e tenha recursos exclusivos

  • Baixe arquivos PDF: imprima ou leia depois
  • Navegue sem anúncios: concentre-se mais
  • Esteja na frente: descubra novas ferramentas
Economize 17%
Logo JusPlus
JusPlus
de R$
29,50
por

R$ 2,95

No primeiro mês

Cobrança mensal, cancele quando quiser
Assinar
Já é assinante? Faça login
Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Colabore
Publique seus artigos
Fique sempre informado! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos