A prisão não resolve tudo (Tradução)

28/06/2019 às 13:59
Leia nesta página:

Tradução do artigo “La cárcel no lo arregla todo” de autoria de Marta Horno Hidalgo . Link do texto original: https://www.apdha.org/cadiz/?p=3187

A prisão não conserta tudo

*tradução por Matheus Maciel 

A prisão como um sistema não reabilita, e 70 anos depois da Declaração Universal dos Direitos Humanos, não se nota sua presença em nossas prisões onde os internos estão limitados a assistir o tempo passar.

A sentença de custódia nem resocializa nem reeduca, apesar do mandado constitucional do artigo 25. Essa conclusão partiu da observação derivada da experiência, profissional e técnica do APDHA, bem como do social e do ativismo. Por isso é necessário, especialmente com a recente adição da prisão perpetua em nosso Código Penal,repensar coletivamente na prisão e nas suas consequências, e se é a  prisão (prisão apenas)a  resposta social que todos os crimes devem ter.  “A prisão prende, mas não corrige. Cumpre um fim que não é o seu ". Uma pessoa que passou pela prisão retorna à sociedade destruída e mal adaptada a um ambiente que não faz mais parte, onde se sente um estranho. Família e laços sociais são quebrados, a dependência química, que tem sido caminho de fuga durante os anos de prisão, tornou-se forte. O processo de prisionalização entrou em vigor. E para sobreviver na prisão deve-se adaptar ao anormal e violento. E não só adaptar-se à instituição (de submissão ou confronto), mas a um sistema social alternativo com suas regras de funcionamento contidas em um "código interno" que acaba se tornando uma outra forma de dominação.

 Na prisão, nunca há nada para fazer. Com sorte, se você está em um módulo "bom" você concorda em realizar alguma atividade (geralmente ocupacional) já que o trabalho é um luxo que poucos conseguem acessar, exceto para os privilegiado. O prisioneiro comum passa horas, dias e meses passeando pelo pátio; um lugar inóspito, um espaço pequeno, sujo e sem equipamentos de qualquer tipo. Um espaço para matar o tempo. E quem não conhece um vizinho ou vizinha que suspeita estar perto de entrar na prisão? No recente filme "Entre duas águas", Isaki Lacuesta mostra a realidade enfrentada por uma pessoa que acabou de sair da prisão. O protagonista, que nasceu em um ambiente sem oportunidades, tenta retomar sua vida de onde parou. No entanto, para aqueles de fora, a vida acontece, para aqueles que estão dentro, o tempo não existe e quando sai, tem que começar a construir novamente.

 Na prisão, encontramos pessoas que vêm de ambientes conflitantes, de vidas sem oportunidades. Vêm de ambientes onde as drogas são seus meios de vida (consumo e tráfico). Muitos dos que agora entram na prisão já estiveram em algum reformatório. A prisão foi projetada como a resposta mais apropriada? Na prisão não se aprende um ofício, não aumenta os níveis de educação e cultura, não resolve o problema que levaram a cometer o crime. Nem mesmo em todas as prisões existem programas específicos para o tratamento do crime cometido. A reintegração não pode ser reduzida a ir ao ginásio, ir à escola e fazer oficinas de artesanato. Para ser real e eficaz, é necessário colocar a ênfase na pessoa, em suas necessidades; prevalecem os critérios de tratamento e não-regimental e de segurança. Quantos oficiais de regime e vigilância existem em uma prisão e quantos estão lá para tratamento? Eu compartilho a idéia de Jesus Valverde Molina que "Enquanto não construirmos prisões alternativas como um prelúdio para alternativas às prisões, a prisão continuará sendo um fracasso”

 A prisão tem o seu preço que são as consequências somáticas e psicossociais. A prisão limita não apenas a mente, mas também o próprio corpo. Recentemente aprendi que existe o que é chamado de "cegueira de prisão", que se torna crônico, o uso de óculos é necessário e que o design do espaço impede a visão à distância. As cores também estão perdidas. Lá tudo é cinza. Lembro-me de uma conversa com um prisioneiro que passou sete anos em um regime fechado em Puerto I; Quando ele foi liberado, ele me ligou para me dizer que o céu estava azul.  Por isso é necessário para expandir e promover penas alternativas à prisão, para reduzir tais efeitos devastadores e consequências destrutivas que quem cometeu um crime está exposto. Não nos esqueçamos que 60%  das pessoas presas no nosso país são por crimes que não são violêntos (roubo, roubo e tráfico de droga); crimes dos quais não há alarme social. Se não abordarmos a raiz do problema, dificilmente construiremos uma sociedade justa. O Direito Penal deve ter seu papel, mas não conserta tudo, porque nada pode ser consertado que não passe pela aplicação dos Direitos Humanos.

*Marta Horno Hidalgo é advogada e pertence ao grupo de presídios da APDHA

*Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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