Cadeia e negação de Direitos Humanos:Novos Paradigmas (tradução)

28/06/2019 às 14:32
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Tradução do artigo “CÁRCEL Y NEGACIÓN DE LOS DDHH – NUEVOS PARADIGMAS” de autoria de Martha Bardaro. Link do texto original: http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2018/12/doctrina47238.pdf

cADEIA E NEGAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS : NOVOS PARADIGMAS

*tradução por Matheus Maciel

Não precisamos nos estender no horror das prisões. Esta instituição, tão questionada dentre outros autores por Foucault, responde a um paradigma obsoleto que já provou não ser eficiente. Esse paradigma poderia ser resumido no título de uma das obras de Foucault: "Vigiar e Punir", que, para dizer brevemente, seria algo assim: a função das penitenciárias é vigiar, controlar os internos para que tenham bom comportamento e se não, castigá-los, o que pode ser feito através da violência com espancamentos, ou mandá-los para o isolamento pelo tempo que considerarem necessário. Isso não é apenas contraproducente porque provoca raiva e frustração do preso, mas também o isolamento é algo que vai contra o natureza humana. O humano é um ser social, um ser-com-outro, diz o filósofo, e se você cortar esse laço com os outros e submetê-lo ao confinamento solitário isso causará danos que, em alguns casos, podem ser irreversíveis. Por outra parte, como diz o ex-juiz da Suprema Corte Raúl Eugenio Zaffaroni, Direitos Humanos são interdependentes e se UM dos direitos estiver danificado, inevitavelmente os outros estarão sofrendo. Vamos continuar com o exemplo de isolamento solitário: além de negar o direito à condição humana,estará privando-o de atenção para a saúde físico-psíquica, para uma boa alimentação, para respirar ao ar livre nos pátios da cadeia.

 Nós dissemos no início que este paradigma, este modelo de prisão que é o que todos nós conhecemos provou ser ineficiente. Felizmente existem outros paradigmas, outros modelos de prisões aos quais, intencionalmente ou não, não são divulgados. Vamos ver alguns:

 PUNTA DE RIELES, FORA DE MONTEVIDEO. O CHEFE DA UNIDADE NÃO É UM AGENTE PENITENCIÁRIO, MAS UM PROFESSOR ESPECIALIZADO EM PSICOLOGIA E SOCIOLOGIA.TEM UM OLHAR MUITO CRÍTICO SOBRE SISTEMA PENITENCIÁRIO.

 Punta de Rieles abriga cerca de seiscentos homens; aqui não há tentativas de evasão, não há isolamento para punir quem transgride as regras de convivência e não se fazem buscas sem autorização expressa, quando há dados específicos e concretos de alguma irregularidade, é proibido realizar buscas durante a noite. Em um futuro próximo, esses procedimentos serão filmados para evitar qualquer tipo de abuso. Embora eles não tenham dados específicos, o nível de reincidência das pessoas que se formam nessa área é muito baixo. Dentro do estabelecimento não há funcionários da segurança, apenas civis responsáveis ​​por tarefas administrativas e da atenção de algumas das necessidades dos presos.

Quando esteve na Resistencia, o diretor executivo da Asociación Pensamiento Penal (APP) contou alguns detalhes sobre essa prisão diferenciada. Disse Mario Juliano:  Ela está localizado nos arredores de Montevidéu. Quando entra você sente como se estivesse viajando por um bairro de subúrbio. Punta de Rieles é um lugar humilde. À primeira vista, percebe-se que não há recursos suficientes, que o pouco ou muito que existe é feito pelo pulmão, com sacrifício. Os primeiros presos começam a aparecer e nos surpreendemos novamente: Se aproximam do diretor,cumprimentam com um beijo,batem no seu ombro, eles são chamados pelo primeiro nome.Nos acolhem com grande bondade, mas invariavelmente nos procuram, talvez como sinal de respeito. Não posso deixar de notar que um celular está pendurado na cintura de cada preso. Como se fosse um bairro, quando você passa pela prisão, você pode encontrar os negócios administrados pelos internos, alguns deles estão com suas famílias. Nossa primeira parada é em um bloco (uma fábrica de tijolos de cimento).

 O empresário é Julio, um dos presos. Ele tem 43 anos, corpo tatuado e ostensivamente atravessado por cicatrizes. Ele foi condenado por vários anos em Devoto. Julio montou o bloco que ocupa vários detentos que vêm e vão fazendo o dever de casa. Ele tem orgulho de nos mostrar seu começo: um molde manual com o qual eles começaram a fazer tijolos. Hoje ele tem um par de máquinas industriais que ele pagou em dólares e com o qual ele aumentou a produção: ele assumiu compromissos comerciais com várias empresas que estão construindo bairros sociais.

 Ao sair de Punta de Rieles, ele quer criar uma empresa semelhante fora, mas continuará a manter o empreendimento dentro da prisão. Continuamos nossa viagem e encontramos uma confeitaria que mostra a bandeira uruguaia no teto e uma pintura do coelho Pernalonga. É uma padaria onde vários homens trabalham preparando o serviço para uma festa de família que vai acontecer no dia seguinte. Salgadinhos, doces e bolos perfeitamente embandejados nos frigoríficos do lugar comercial. Lá nós conhecemos um dos meninos. Ele nos diz que "inventou" o dinheiro que circula em Punta de Rieles: é um bônus, por um determinado valor, que os detentos recebem na tesouraria em troca de seu trabalho, podem adquirir produtos diferentes ou entregar diretamente o dinheiro para seus familiares.

 Juliano segue dizendo: Apressamo-nos porque eles nos esperam no rádio para nos entrevistar. O acolhimento é mais carinhoso, talvez um pouco exagerado. As primeiras palavras são de Pablo, um militante latino-americano (assim se define) de nacionalidade colombiana, sem disfarçar seu sotaque característico. Eles nos perguntam sobre a Argentina, sobre o Código Penal, sobre Nisman e sobre a APP. Não imaginamos que um dos momentos com maior intensidade emocional iria acontecer. Darío, que se define cantor, nos homenageia com a "Milonga de cabelo largo", que em nosso país encontramos na voz de Adriana Varela. Ele canta muito bem, olhando para a esposa que segura a filhinha de ambos nos braços. Ela fica emocionada e lágrimas caem pela sua bochecha. E nós também. Deixamos o rádio, desta vez com beijos e abraços, e prometemos voltar assim que pudermos.

  De lá nos mudamos para um dos prédios de três andares que serviam para abrigar os prisioneiros políticos da ditadura civil-militar. O diretor jura que nunca mais as instalações vão abrigar a morte. Todo mundo recebe Rolando com beijos e abraços. Alguns garotos que estão atrás de uma cerca estendem a mão para ele e Rolando lembra que ele não saúda com barras no meio. Ele abre e só assim pode dizer “Olá”. Uma grande cena.

Haveria muito a dizer sobre esse paradigma tão diferente da prisão que conhecemos. Mas acho que é mais importante nos perguntarmos: por que não existem essas prisões na Argentina? Nós já dissemos que o dinheiro não é abundante lá, isto é, não é uma questão de orçamento. Aqui os sociólogos teriam que nos dar a resposta, mas eu arrisco um: é uma decisão política que envolve modificar totalmente nosso sistema prisional, não apenas em termos da estrutura do prédio, mas, acima de tudo, em termos de mentalidade. O que implica modificar totalmente o nosso sistema prisional, não só em nesta mentalidade.

 CADEIA DE WHATTON (INGLATERRA):

A prisão, conhecida pelos moradores como "o palácio dos pedófilos", foi constuída nos anos 60, em Nottinghamshire, no centro da Inglaterra, com

uma capacidade para 841 presos de todas as idades. A maioria dos detentos de Whatton reconheceram seus crimes e estão trabalhando para abordar seus problemas. A gama de crimes pelos quais estão presos varia consideravelmente. Eles incluem crimes de contato físico, como tocar, penetração, incesto, violência sexual e até assassinato. Existem ofensas consideradas sem contato, como o download ilegal de imagens sexuais de menores.

 Dave Potter, que é um dos coordenadores de programas terapêuticos mais experientes, diz que abusadores de menores e adultos são misturados para evitar cumplicidade entre eles sobre seus crimes. "Nós não tratamos estupradores melhor do que as pessoas que abusaram de menores do que os culpados de crimes na internet, porque toda ofensa sexual deixou vítimas e destruiu  vidas, não importa quem eles eram, o importante é que não há hierarquia”.

   Mike esteve na prisão durante a maior parte de sua vida adulta. Há 28 anos foi condenado por estuprar uma mulher de 38 anos em sua própria casa, diz ele. Antes de vir para Whatton, ele reconhece que vê com desdém os molestadores de crianças, que são frequentemente segregados para seções especiais em outras prisões. "Eu nunca gostei deles", diz ele. "Eu pensei que era o pior crime que poderia ser cometido, mas então, eu considerei o crime que cometi, contra um adulto, não há diferença,o processo mental é o mesmo ".

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  Mike está em Whatton há sete anos e diz que a cultura dentro dessa prisão é muito diferente: "Ninguém te julga. Nem mesmo a equipe, eles não olham para você como lixo, e isso é uma grande diferença ".

 Detentos como Mike participam de sessões individuais de terapia ou em grupos de até nove detentos, pois reconhecem como eles tomaram o "caminho para o ataque". "O que fazemos em Whatton", diz Potter, "é tentar fazê-los entender o mal que causaram aos outros, os danos a si mesmos e ver ou identificar os sinais de alerta, para que quando estiverem livres, não cometam o mesmo erro.

  "De acordo com Saunders, [Lynn Saunders, diretor da prisão] a taxa de reincidência é surpreendentemente baixa, 6% em comparação com 50% da população geral. Mas, no final, a proteção do público é fundamental, eles devem garantir a segurança das pessoas. O problema do risco é a principal preocupação da maioria do público. Potter reconhece que não há garantia de que um prisioneiro libertado não ofenderá novamente, mas observa: "Com o trabalho que fazemos, acredito profundamente que damos a eles as ferramentas para gerenciar seus riscos. Tenho certeza de que, se não fizermos nada com eles, se não lhes oferecermos algum tipo de ajuda, o que os impedirá de cometer um crime novamente? "

CADEIA EM UMA ILHA NORUEGUESA: UMA DAS MAIS AGRADÁVEIS E BEM SUCEDIDOS DO MUNDO.

Nela, 115 presos cultivam na terra, produzem lenha, vão à praia, esquiam e cumprem suas sentenças. O sistema de detenção humanitária foi recompensado e reconhecido por sua baixa reincidência. A prisão é uma maneira cara de piorar as pessoas ruins ",disse Douglas Hurd, um político britânico que trabalhou sob os governos de Margaret Thatcher e John Major, e descreveu as instituições que são caracterizadas, segundo os países, por superpopulação, abuso, morte, crime organizado, tumultos e tortura. Admitiu uma exceção de uma: a Prisão de Bastøy, premiada em 2014 por "promover valores humanos e tolerância”.

Ninguém é enviado diretamente para Bastøy: chegam aqueles que conseguem provar que podem estar em um ambiente de baixa segurança e que querem retornar à vida social de maneira positiva. É por isso que não apenas os criminosos de menor risco vão para lá: a população da ilha tem estupradores e assassinos. Com exceção das horas de descanso, das 11 horas da noite às 7 horas da manhã, os detentos podem visitar a pequena ilha à vontade. Eles também usam a praia no verão desde que eles a deixem limpa. Eles carregam martelos, machados e serras elétricas, elementos que não estão disponíveis para detentos em qualquer outra prisão. Eles os usam para cuidar da floresta e fazer lenha. Eles também cultivam hortaliças e criam gado. A prisão é organizada como uma pequena cidade, "com cerca de 80 edifícios, estradas, praias, paisagem cultural, campo de futebol, terra para agricultura e floresta", diz o site Bastøy.”Além dos espaços carcerários, há uma loja, uma biblioteca, um escritório de informações, serviços de saúde, igreja, escola, serviços sociais do governo, um cais, serviço de balsa e um farol com conforto para realizar pequenas reuniões e seminários ".

  Os momentos da contagem dos presos são talvez os lembretes de que o local é, afinal, uma prisão. Quatro vezes por dia, a segurança verifica se são todos; nunca faltou algum. Outro sinal é a proibição do celular: existem cinco telefones públicos nas instalações. Um bom tratamento permite muito mais do que punição: permite a reintegração social, acreditam os funcionários encarregados de Bastøy.

   A beleza natural ajuda as pessoas a mudar, e a equipe é muito importante: há tantos assistentes sociais como guardas.

  E para terminar uma breve reflexão endossada por minhas leituras e, especialmente pela experiência de estar 10 anos, junto com outros colegas, ensinando a filosofar aos internos de nossa Unidade Criminal 7, prisão máxima de segurança e considerada uma das mais violentas do país: Uma das causas - e não menos importante - da percentagem mínima de reincidência quando são liberados, é que são tratados como seres humanos e não como são tratados de acordo com o humor das penitenciárias.   

*Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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