Pena Natural
*Tradução por Matheus Maciel
O Direito Penal destina-se à punição de crimes e delitos, além de cuidar da reintegração do agressor à sociedade. É notório ainda que uma das principais questões de preocupação dos cidadãos é a falta de maior repressão ao crime e o aumento da criminalidade.
Portanto,,analisar um caso em que a justiça não aplique uma sanção diante um ato tipificado como crime, é no mínimo estranho e até soa contraproducente. Porém, há situações excepcionais, como a que foi resolvida recentemente em uma Câmara Criminal em Arica, na qual se justifica o que se chama cumprimento de uma pena natural e, conseqüentemente, uma decisão de absolvição.
O caso, em relevo, é sobre uma mulher que bebeu muito em uma comemoração de futebol. Ao amanhecer, ela recebe o telefonema de sua filha para buscá-la em uma boate. De inicio ela recusa, mas acaba cedendo. No caminho de volta, elas sofrem um acidente e sua filha morre. O casamento acaba e a guarda do outro filho é discutida. Os antecedentes mostram que a mãe estava dirigindo alcoolizada e o crime foi definido com o resultado da morte em grau de desenvolvimento consumado, razão pela qual o Ministério Público solicitou uma pena de 10 anos de prisão.
Os juízes, no entanto, enfrentaram um dilema jurídico e humano. O problema é que, como conseqüência do crime, a autora sofreu a morte de sua própria filha, circunstância que, como diz a sentença, "significou um sofrimento constante". Sendo assim, rememorando o conceito de penalidade natural, raciocina-se sobre o mal auto-infligido pelo autor por ocasião do crime, e a ideia da pena que vai além da punição que o Estado prevê.
Quando se fala em penalidade natural, queremos nos referir a casos extremamente chocantes, nos quais o Direito Penal tem pouco ou nada a acrescentar para resolver o conflito social causado pelo crime.
Por outro lado, deve haver equivalência entre a penalidade por ter causado a morte de uma pessoa e o sofrimento por ser criança, a fim de entender qual é mais grave para o acusado.
O professor Sergio Politoff, citado na sentença, destacou: "diante do motorista imprudente que, na colisão com uma árvore, causa a morte de sua esposa e filhos, o que a lei criminal pode acrescentar?"
O autor Enrique Bacigalupo coloca a pena natural nos ensinamentos de Hobbes, que afirma que certas ações têm conseqüências tão danosas contra o autor do crime que não integram o conceito de punição infringido pela autoridade legisladora. A penalidade natural seria uma "penalidade divina".
Diante desta ilustrada sentença, permanece-se pensativo. Realidade cruel e imperecível para esta mulher. Talvez o professor Francesco Carnelutti tivesse acrescentado algo ao seu trabalho "As misérias do processo criminal" e sua famosa frase: "a pena se não for propriamente sempre, em nove de dez casos, nunca termina... Quem pecou está perdido, Cristo perdoa, mas os homens não... " Neste caso, houve perdão e humanidade.
*Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.