O tráfico de seres humanos não é um fato apenas do mundo contemporâneo, visto que se arrasta, silenciosamente, ao longo dos séculos, anunciando ser um fenômeno de extrema dificuldade em ser combatido. Trata-se de um crime que ultrapassa fronteiras, espalhando-se por diversos países, em especial naqueles onde as dificuldades econômicas se sobressaem. Entretanto, as discussões sobre o tema não condizem com a sua dimensão, muito menos com as implicações, pessoais e sociais, que a impunidade dos criminosos, que veem vantagens na fragilidade e inocência das vítimas, acarreta.
Em um país onde a luta pela liberdade coletiva e individual, pela autodeterminação dos povos e pela afirmação dos direitos humanos é constante, o tráfico de pessoas cresce gradativamente. Com a facilidade de acesso e interação entre as pessoas do mundo inteiro através da internet, fato este que, embora seja indubitável o seu auxílio positivo à humanidade, por outro lado, pode ser usado de maneira perversa, abrindo uma janela vasta para que criminosos possam ludibriar vítimas e cometer a terceira atividade criminosa mais lucrativa do mundo: o tráfico de pessoas, sendo estimado que esta prática clandestina fature até US$ 31.600.000.000, 00 (trinta e um bilhões e seiscentos milhões de dólares) por ano (BBC BRASIL, 2016), facilitado a sua execução online.
O crime de tráfico de pessoas para fins de exploração sexual faz-se ainda mais preocupante se comparado aos demais crimes sexuais, visto que se trata de uma prática transnacional, ou seja, ultrapassa os limites da fronteira do Estado. Este delito pode ser interno, isto é, dentro do território nacional, ou em âmbito internacional, que é caracterizado pelo ato de se transportar uma pessoa para outro país no intuito de tirar proveito dela por meio da exploração sexual.
O conceito de tráfico de pessoas está descrito no Decreto n.º 5.017/04 (BRASIL, 2004) como sendo:
[...] o recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.
Esta prática delituosa acarreta grave violação à dignidade da pessoa humana, envolvendo a privação da liberdade, a exploração sexual, a tortura, o sequestro, entre outros abusos, o que fere profundamente os direitos e garantias constitucionais assegurados pela Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988):
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante; (grifo nosso)
A demasiada importância no resguardo de tais direitos atingiu níveis internacionais. Fundada neste princípio, a Organização das Nações Unidas (ONU) elaborou, em 1948, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, que objetiva a proteção do indivíduo independente de fronteiras entre os Estados, atingindo todos os povos e nações, desenvolvendo o respeito à dignidade do ser humano. Oportuno destacar dois dos trinta artigos que a compõem (ORGANIZAÇÃO..., 1948), a começar pelo artigo III: ‘’Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal’’, bem como o artigo IV: ‘’ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas’’.
Da redação destes dois artigos, pode-se identificar que, na prática do crime em comento, ocorre justamente o contrário, considerando que não há respeito algum pela integridade física, psicológica e até pela própria vida do traficado, ou seja, não são asseguradas as mínimas condições humanas.
Acerca deste ponto, Paulo César Corrêa Borges (2013, p. 18) explica:
[...] coisificando as pessoas e, principalmente, as mulheres e as crianças, maiores vítimas do tráfico, que perdem a autonomia característica de seres humanos para definir seus próprios caminhos e meios de vida, ficando reduzidos à condição análoga de escravas. (grifo nosso)
Ainda que seja de extrema importância o país incluir leis no ordenamento jurídico brasileiro objetivando coibir este crime, bem como aplicar o necessário reproche penal aos agentes, tais medidas devem atingir patamares maiores. Considerando que tal prática, em grande parte dos casos, ocorre de maneira transacional, ou seja, a pessoa é retirada de seu país de origem e deslocada a outro, é fundamental que haja a conexão entre as legislações dos diversos locais do mundo e que se fortaleça a cooperação internacional, a fim de que, de maneira harmônica e conjunta, se busque a repressão e penalização.
REFERÊNCIAS
BBC BRASIL. As cinco atividades do crime organizado que rendem mais dinheiro no mundo. 2016. Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2016/04/160331_atividades_crime_organizado_fn. Acesso em: 06 jun. 2018.
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm. Acesso em: 18 ago. 2018.
______. Decreto n.º 5.015, de 12 de março de 2004. Promulga a Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5015.htm. Acesso em: 16 out. 2018.
______. Decreto n.º 5.017, de 12 de março de 2004. Promulga o Protocolo Adicional à Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional Relativo à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em Especial Mulheres e Crianças. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5017.htm. Acesso em: 07 jun. 2018.
BORGES, Paulo César Corrêa. Tráfico de Pessoas: Exploração Sexual versus Trabalho Escravo. In: ______ (organizador). Tráfico de Pessoas para Exploração Sexual: Prostituição e Trabalho Sexual Escravo. São Paulo: NETPDH; Cultura Acadêmica Editora, 2013, p. 15-42.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Assembleia Geral das Nações Unidas. Disponível em: http://www.onu.org.br/img/2014/09/DUDH.pdf. Acesso em: 22 ago. 2018.