A Criminalização Da Pobreza (Tradução)

05/07/2019 às 18:35
Leia nesta página:

Tradução do artigo “La criminalización de la pobreza” de autoria do magistrado Kai Ambos, de língua espanhola para portuguesa. Link do texto original: http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2019/03/doctrina47425.pdf

A CRIMINALIZAÇÃO DA POBREZA

¹ Prof. Dr. Kai Ambos

² tradução por Matheus Maciel 

  1. O caso da Hungria

Com a maioria de dois terços, o governo húngaro do primeiro-ministro Viktor Orbán,Partido Fidesz, impôs uma emenda constitucional que lembra a legislação Nacional-Socialista [O autor refere-se ao partido nazista alemão – Nota do Tradutor]  contra aqueles considerados "estranhos à comunidade" (Gemeinschaftsfremde) e "Asocial". A este respeito, no novo parágrafo 3º do art. 22 da Constituição foi declarada proibida residência "habitual" em locais públicos. No entanto, ao mesmo tempo, o Estado Húngaro deve esforçar-se para encontrar alojamento para todos os cidadãos, especialmente para as pessoas em situação de rua. No que diz respeito ao direito à moradia para todos cidadãos, os novos regulamentos constitucionais sujeitaram-os a uma espécie de reserva de ordem pública.

Mas como pode um Estado proibir que as pessoas morem em lugares públicos se não puder garantir uma moradia? De acordo com organizações não-governamentais, a Hungria tem cerca de 11.200 acomodações temporárias para 30.000 pessoas em situação de rua.

  1.  Os nazistas lutaram da mesma maneira contra "insociáveis" e "estranhos à comunidade”

Com esta nova legislação, incorre em um ilícito administrativo quem reside "habitualmente" em lugares públicos. Nesse caso, a pessoa pode ser sancionada a trabalhos comunitários, à repreensão ou até mesmo à prisão, embora fiquem separados dos prisioneiros. Além disso, a propriedade da pessoa em situação de rua pode ser confiscada e destruída.

Na prática, essas pessoas recebem os primeiros avisos da polícia: no máximo três vezes em noventa dias. Se apesar disso permanecem no espaço público, são julgados em um processo sumário. De qualquer forma, o fato do juiz ter a possibilidade de impor uma pena de prisão contradiz a natureza administrativa da proibição e leva à criminalização disfarçada das pessoas em situação de rua.

  1.  O "ataque de junho" de 1938 na Alemanha

Esta legislação nos lembra da discriminação clássica de pessoas socialmente marginalizadas por um estado autoritário (Obrigkeitsstaat). Na Alemanha, o Código Penal do Império de 1871 previu a punibilidade de vagar e mendigar. Nesta base, os Nacional Socialistas [Membros do partido nazista - N.T.], em sua infame "Lei contra perigosos criminosos habituais e sobre medidas de segurança e melhora", de 24 de novembro de 1933, ordenou-se que vagabundos e mendigos condenados fossem internados em uma denominada "casa de trabalho. " Além disso, em um "Decreto Básico sobre prevenção do crime ", emitido no final de 1937, a havia a previsão da imposição da" prisão preventivo contra comportamento anti-social".

Um "insociável" era aquele que, "sem ser uma delinquente profissional ou habitual, coloca em risco a comunidade com seu comportamento anti-social". Isso também se aplica às pessoas que moram na rua. O chamado "Junco de Junho" de 1938, por meio do qual quase dez mil homens foram presos, muitos deles supostamente "Insociáveis", foi baseado nesse decreto. No final de 1944, no projeto da "Lei sobre o tratamento de estranhos à comunidade", pessoas que não conseguiam demonstrar a obtenção ordenada de seu sustento eram chamadas de "estranhas à comunidade" e podiam ser usadas na realização de trabalho forçado.

O objetivo, de acordo com a exposição de motivos, foi "a melhoria e conversão interior após a educação trabalhista mais rigorosa ". De qualquer forma, em última análise, a lei não foi adotada como resultado da capitulação da Alemanha.

Neste contexto, é justo dizer que o governo de Orbán - consciente ou inconscientemente -tomou emprestados conceitos da legislação nacional-socialista [Nazista N.T.]. Isso também é relevante para a Alemanha,pois mostra o que aconteceria se o partido populista de direita AfD (Alternative für Deutschland) (co-) governasse, se levarmos em conta que este grupo posicionou-se ao lado do governo húngaro. Conseqüentemente, seria ao menos importante saber qual é a sua posição sobre esta nova legislação húngara contra as pessoas em situações de rua.

IV. Limpar o "corpo do povo alemão" dos estudantes de Esquerda

Seja como for, a nova direita européia mostra aqui a sua face verdadeira e desumana: não se trata apenas da preservação da "homogeneidade étnico-cultural", como o "Movimento de Identidade" exige, mas também da exclusão social dos grupos marginalizados. E isso é apenas uma meia verdade. Como a homogeneidade social, étnica e cultural deixou de existir na Alemanha por algum tempo e para recuperá-la primeiro deveria haver uma "purificação do corpo do povo alemão" (Selbstreinigung des Volkskörpers), como disse o infame jurista nazista Rolan Freisler.

Uma linguagem que, a propósito, é novamente ouvida nos parlamentos alemães. Em fevereiro de 2017, o então líder do grupo da AfD no parlamento estadual da Saxônia-Anhalt, André Poggenburg, exigiu que os "tumores corporais alemães" fossem finalmente extirpados. Ele se referia aos estudantes de esquerda, supostamente preguiçosos.

¹ Profesor (titular) da Georg-August-Universität Göttingen y Diretor Geral do Centro de Estudios de Derecho Penal y Procesal Penal Latinoamericano (CEDPAL) da mesma universidade. Magistrado do Tribunal Especial de Kosovo, La Haya y amicus curiae de la JEP.

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² Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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