Notas da Corte Interamericana de Direitos Humanas sobre o tribunal do júri – Sentença de data 08/03/2018 no Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua (Tradução)

05/07/2019 às 18:57
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Tradução do artigo “Puntualizaciones de la Corte Interamericana de Derechos Humanos sobre el juicio por jurados” de autoria de Raúl Fernando Elhart.Link do texto original: http://www.pensamientopenal.com.ar/system/files/2018/06/doctrina46658.pdf

Notas da Corte Interamericana de Direitos Humanas sobre o tribunal do júri – Sentença de data 08/03/2018 no Caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua

¹ Raúl Fernando Elhart

² Tradução por Matheus Maciel

Introdução

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 8 de março de 2018, proferiu sentença no caso V.R.P., V.P.C. e outros vs. Nicarágua,na qual se reconheceu basicamente duas violações por parte desse Estado: (a) uma, relacionada à falta de proteção normativas e às medidas concretas incorridas no processamento de uma demanda judicial, apresentado pela acusação, em relação à a imputação por atos de violência sexual contra uma criança de treze anos de idade . 

 A Corte observou que a legislação da Nicarágua, na época do processo, particularmente sobre como o tribunal do júri se regia, não estabelecia proteção no tratamento cuidadoso ou na prevenção da revitimização de menores de dezoito anos de idade, Diante de tais hipóteses, não se previu um protocolo para as diferentes etapas do processo judicial nesta matéria, tanto no que se refere aos operadores puramente jurídicos como os interdisciplinares (médicos, psicólogos, etc.).

No caso específico, descobriu que a dignidade, a reserva, a privacidade, a vulnerabilidade de um menor e sua mãe foram afetadas, certamente por causa do tratamento judicial prestado.

 Além disso, nesse contexto, a Corte fez observações sobre um possível suborno que ocorreu durante o julgamento. Em segundo lugar, (b) o que está acordado aqui, e sem prejuízo da transcendência da questão central da decisão citada no eixo anotado anterior, disse que o procedimento e julgamento por júri na Nicarágua (como conduziu na época do julgamento no caso examinado),em razão de sua instrumentação legal defeituosa,não cumpriu com o devido processo.

 A fim de dar tratamento a este aspecto, a Corte introduziu uma série de questões sobre o julgamento por júri, alguns essenciais que relatarei, mas, como ponto central e importância sem hesitação expressou que o julgamento do júri, desde que respeite o devido processo e as garantias implícitas neste conceito (com referência explícita ao sistema clássico), não se opõe à Convenção Americana sobre Direitos Humanos.

 Ele argumentou, nesta ordem, então, que esta normativa superior (Pacto de San José de Costa Rica) não impõe uma obrigação para os Estados de implementar em suas jurisdições um determinado sistema, ou um julgamento perante juízes profissionais ou um julgamento por júri, mas que o prescinde são o resguardo e a correta implementação das garantias que fazem o devido processo e as garantias fundamentais.

O tribunal do juri como administração da justiça para imputado, vítimas e sociedade

No julgamento relatado aqui, a Corte recorda que as "devidas garantias" do Artigo 8.1 da Convenção protegem o direito a um devido processo do acusado e também salvaguarda os direitos de acesso à justiça, da vítima de um crime ou de seus familiares.

 Tem sido eixo até agora - e geralmente - no processo criminal, e em particular no julgamento por júris, em uma visão preocupada especialmente pelo acusado assim como nos veredictos de culpado, mas não com igual interesse pelos direitos da vítima, nem no que diz respeito aos veredictos de culpa no contexto do tribunal do júri.

  A CIDH deixa claro, segundo meu entendimento (e essa interpretação é evidente e justa), que: o julgamento, seja pelo sistema de juízes profissionais, seja pelo sistema de julgamento por júri, é antes de tudo uma forma de administrar a justiça. E eu noto que isso é claramente desta maneira sob consideração dos regulamentos envolvidos no caso, a Convenção Americana, bem como para o nosso Estado sob todo o olhar da Constituição Nacional (bloco federal). Isso implica que o devido processo deve ser respeitado, tanto em termos das garantias do acusado quanto do direito de acesso à justiça para as vítimas.

Qual é o sistema que deve prevalecer? E, no seu caso, deveria ser

Excludente?

O Tribunal interpretou que os Estados têm liberdade de escolha sobre qual sistema considerado preferível, desde que respeitem as garantias estabelecidas na própria Convenção (Pacto de San José de Costa Rica), no direito interno, de outros tratados internacionais aplicáveis, normas consuetudinárias e nas disposições imperativas do Direito Internacional.

 O sistema de julgamento por júri, além de sua contemplação normativa constitucional na Argentina, goza de um respeito, a fim de ser aceito como uma forma válida em operação, de acordo com a minha avaliação, com uma história de ter sido aceitável empregado pelo universo jurídico anglo-saxão durante séculos.

 Mas assim como o sistema de tribunal do juri teve sua evolução, o sistema de julgamentos também passou a ser julgado por juízes profissionais, e o segundo opera em quase todos os Estados do mundo. Também deve ser notado que o sistema de juízes profissionais também é usado nos Estados Unidos. Porque praticamente não existe modo que funcione o sistema jurídico por jurados de maneira excluente : A renúncia do acusado ao tribunal do júri é admitida nos Estados Unidos da América do Norte, com diferentes requisitos de acordo com a legislação de cada Estado. Existem aqueles que entendem que o julgamento do júri é superior em qualidade ao de juízes profissionais, e há aqueles que pensam o contrário.

 Os dois sistemas têm pontos fortes e fracos, são sistemas de justiça humana. O Tribunal admite ambas e não emitiu parecer sobre qual delas é preferível, mas deixa claro que, seja qual for a dominante ou a aplicável, de acordo com a livre escolha de cada Estado, deve sempre respeitar as garantias implícitas no devido processo legal, na Convenção Americana, na legislação nacional, nos tratados internacionais aplicáveis, nas normas consuetudinárias e nas disposições imperativas do direito internacional. Por exemplo, no caso tratado pela CIDH, foi feita ampla referência à Convenção de Belém do Pará,no sentido das proteções e resguardos de direitos para as vítimas.

IV. Sobre a falta de externalização das razões para o veredicto

no tribunal do júri (veredicto desmotivado)

É um ponto central do título (a questão do veredicto desmotivado) sobre o qual os críticos do julgamento por júri se debruçam. Crítica que eu não acho que está certa. A CIDH considera, como fez o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, que a falta de externalização da fundamentação do veredicto em si não prejudica a garantia de motivação. Com efeito, todo veredicto sempre tem motivação, embora como corresponde à essência do júri, não se expressa (exatamente nestes termos a CIDH emitiu). A Corte também argumentou que o veredicto deveria permitir, à luz das provas e do debate na audiência, a pessoa que o valorizasse para reconstruir o curso lógico da decisão dos júris, que teria incorrido arbitrariamente no caso em que esta reconstrução não fosse viável de acordo com diretrizes racionais.

 Na decisão que apresento, foi levantado que o Tribunal de Justiça Europeu de Direitos Humanos determinou que o sistema de decisão por convicção íntima não viola o direito a um julgamento justo, desde que, a partir de todo o processo realizado no processo, a pessoa em causa - nesse caso, o condenado - possa compreender as razões a decisão.

 Desta forma, o Tribunal Europeu especificou que, tendo em conta o fato de que o cumprimento dos requisitos do processo justo é avaliado com base em todo o processo e no contexto específico do sistema jurídico em questão, a tarefa do Tribunal, Em face de um veredicto fundamentado, consiste em examinar se, à luz de todas as circunstâncias do caso, o procedimento seguido oferecia garantias suficientes contra a arbitrariedade e permitia ao acusado entender sua condenação.

 O Tribunal salientou que a convicção íntima não é um critério arbitrário. A avaliação gratuita do júri não é substancialmente diferente do que um juiz técnico pode fazer, apenas não o expressa. Em suma, o Tribunal explicitamente, qualquer tribunal (técnico ou popular) deve reconstruir um evento passado, para o qual utiliza a lógica metodológica que é comum a qualquer um, pois prescinde de treinamento ou formação jurídica.

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 Qualquer pessoa que deve reconstruir um fato do passado, consciente ou inconscientemente, usa o método histórico, isto é, em um primeiro passo delimita a evidência que será levada em conta (heurística); a constituição avalia se estas provas não são materialmente falsas (crítica externa); então, logo avalia a probabilidade do conteúdo dos testes (crítica interna) e, finalmente, alcança a síntese. Quem valoriza o veredicto de um júri, necessariamente, deve reconstruir este caminho, não o suficiente para descartar qualquer critério diferente sobre crítica. Para descartar o veredicto de um júri, deve-se verificar que a síntese parte diretamente da lógica metodológica histórica referida acima.

V. Tribunal do júri e crimes de violência sexual

A Corte ressalta que os processos criminais por casos de violência sexual têm uma série de dificuldades técnicas que dificultam seu julgamento (no caso, a Nicarágua informou que, no momento de contestar a demanda, excluiu crimes de violência sexual do sistema de tribunal do juri).

 A CIDH disse, literalmente, que é comum haver pouca evidência do que aconteceu nesse processo, que o acusado afirme sua inocência e que a discussão seja limitada à palavra de uma pessoa contra outra. Para isso, devemos acrescentar os preconceitos e idéias pré-concebidos e estereotipados próprios do sistema patriarcal que existe no imaginário social em torno da violência sexual.

A Corte continuou apontando que os júris são suscetíveis a transferir ao procedimento tais preconceitos e idéias e serem influenciados por eles ao avaliar a credibilidade da vítima e a culpa do acusado, especialmente condicionando aqueles que não têm treinamento especial, neste tipo de delito.

 Em razão do anterior, a Corte indicou que, no caso de julgamento por júri, alguns sistemas fornecem, como boas práticas, medidas para mitigar o impacto de tais condições. Assim, estabelecem, por exemplo, a oferta de provas periciais, denominadas testes contra intuitivos, destinadas a fornecer informações aos jurados sobre as particularidades dos fatos que serão processados, para que possam fazer uma avaliação das evidências o mais possível objetivamente possível.

 Da mesma forma, a Corte ressaltou que o juiz técnico é designado como função de fornecer instruções aos júris sobre como analisar determinados provas no procedimento ou estabelecer questões que o júri deve responder através do veredicto. Por outro lado, continuou afirmando a Corte, em alguns sistemas está prevista uma etapa especial, conhecida no sistema Anglo-saxão como voir dire (estabelecido na província de Buenos Aires como parte do procedimento de tribunal do júri), para a seleção de jurados com antecedência para julgamento, no qual as partes têm o poder de vetar aqueles que podem lhes significa parcial ou não adequado para julgar o caso.

¹ Juiz de Direito Penal, Doutor em Ciências Jurídicas, Especialista em Direito Penal e Criminologia

² Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.

Sobre o autor
Matheus Queiroz Maciel

Advogado, Assessor da Prefeitura Muncipal de Lauro de Freitas, Especialista em Direito Processual Civil e Mestrando em Saúde, Ambiente e Trabalho pela UFBA

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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