O artigo 2ª do Código Civil adota a teoria da personalidade condicionada, utilizando como ponto de partida o nascimento com vida. A personalidade jurídica é o reconhecimento jurídico de um sujeito de direitos.
Há, três teorias criadas doutrinariamente:
Natalista: aquela que entende o nascituro não possui qualquer titularidade, e sim uma mera expectativa de direitos.
Concepcionista: aquela que entende que a personalidade jurídica se adquire com a concepção, exceto direitos patrimoniais (herança, legado e doação).
Condicionada: aquela que permite a personalidade com a concepção, restando uma condição suspensiva para a plenitude dos direitos, qual seja o nascimento com vida.
Já DONIZETTI (2018), acrescenta, ainda, a teoria da capacidade reduzida:
(...) a teoria da capacidade reduzida, a qual, a nosso ver, resolve de pronto a polêmica. Por meio desta teoria, reconhece-se ao nascituro o potencial para ser sujeito de certos direitos, ou seja, reconhece-se sua personalidade jurídica, alertando-se, todavia, para o fato de que sua capacidade de direito é reduzida, no sentido de que o nascituro ainda não pode adquirir todos os direitos franqueados à pessoa natural, nascida com vida. (p.38)
Para contextualizar, Donizetti extrai da teoria da capacidade, três tipos:
- Capacidade jurídica → capacidade política (referente aos direitos políticos) e capacidade civil (referente aos direitos civis).
- Capacidade civil → capacidade de direito e capacidade de fato.
- Capacidade de direito → grau de aptidão para adquirir direitos ou para praticar, por si ou por outrem, atos não proibidos pela lei Decorre da capacidade civil.
Corroborando com o Enunciado n. 1 da I Jornada de Direito Civil: “A proteção que o Código defere ao nascituro alcança o natimorto no que concerne aos direitos da personalidade, tais como: nome, imagem e sepultura.”. Sendo que, alguns direitos em específico objetivam amparar o nascituro bem como o natimorto, que não nasce com vida.
Primeiramente, cabe analisar o estado em que se encontra o entendimento do STJ:
Porém, a despeito da literalidade do art. 2º do Código Civil – que condiciona a aquisição da personalidade jurídica ao nascimento –, o ordenamento jurídico pátrio aponta sinais de que não há essa indissolúvel vinculação entre o nascimento com vida e o conceito de pessoa, de personalidade jurídica e de titularização de direitos, como pode aparentar a leitura mais simplificada da lei. [...] Outro aspecto a ser observado é o de que o Código Civil de 2002, mesmo em sua literalidade, não baralha os conceitos de “existência da pessoa” e de “aquisição da personalidade jurídica”.
Nesse sentido, o art. 2º, ao afirmar que a “personalidade civil da pessoa começa com o nascimento”, logicamente abraça uma premissa insofismável: a de que “personalidade civil” e pessoa não caminham umbilicalmente juntas. Isso porque, pela construção legal, é apenas em um dado momento da existência da pessoa que se tem por iniciada sua personalidade jurídica, qual seja, o nascimento. Donde se conclui que, antes disso, se não se pode falar em personalidade jurídica – segundo o rigor da literalidade do preceito legal –, é possível, sim, falar-se em pessoa. Caso contrário, não se vislumbraria nenhum sentido lógico na fórmula “a personalidade civil da pessoa começa”, se ambas – pessoa e personalidade civil – tivessem como começo o mesmo acontecimento.
[...] Porém, segundo penso, a principal conclusão é a de que, se a existência da pessoa natural tem início antes do nascimento, nascituro deve mesmo ser considerado pessoa e, portanto, sujeito de direito, uma vez que, por força do art. 1º, “toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil”.
[...] Com efeito, ao que parece, o ordenamento jurídico como um todo – e não apenas o Código Civil de 2002 – alinhou-se mais à teoria concepcionista para a construção da situação jurídica do nascituro, conclusão enfaticamente sufragada pela majoritária doutrina contemporânea. [...] Ressalte-se, ainda, que o fato de nem todos os direitos poderem ser titularizados ou exercidos pelo nascituro não é relevante para a constatação de que o nascituro pode ser considerado uma pessoa, haja vista que nem todas as pessoas exercem de forma plena todos os direitos, como é o caso dos incapazes e presos.
[...] Por outro ângulo, cumpre frisar que as teorias mais restritivas dos direitos do nascituro – natalista e da personalidade condicional – fincam raízes na ordem jurídica superada pela Constituição Federal de 1988 e pelo Código Civil de 2002.
O paradigma no qual foram edificadas observava o cariz nitidamente patrimonialista dos direitos, razão pela qual se mostrava até mais confortável a defesa da tese de que o nascituro só detinha expectativa de direitos ou direitos condicionados a evento futuro, haja vista que se raciocinava, essencialmente, dentro da órbita dos direitos patrimoniais.
Porém, atualmente, isso não mais se sustenta, uma vez que se reconhecem, corriqueiramente, amplos catálogos de direitos não patrimoniais ou de bens imateriais da pessoa – como a honra, o nome, imagem, integridade moral e psíquica, entre outros.
Hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais. (STJ, REsp 1.415.727/SC, 4ª Turma, relator: Min. Luis Felipe Salomão, data do julgamento: 4/9/2014, data da publicação: 29/9/2014.)
Assim, o nascituro adentra a “categoria especial de direitos” como o direito à vida e ao bom desenvolvimento intrauterino, que não estão especificados no ordenamento jurídico. Deve então, ocorrer o estabelecimento delimitados de critérios.
Alguns entendimentos jurisprudenciais direcionam para determinados direitos, como na REsp 1.415.727, que destaca a possibilidade de recebimento de doação, curatela e assistência pré-natal. Ainda, quanto aos direitos, entende que pelo crime de aborto estar em capítulo pertencente ao “crime contra vida”, o nascituro ganha o direito mais importante, qual seja a vida.
(...) Entre outros, registram-se como indicativos de que o direito brasileiro confere ao nascituro a condição de pessoa, titular de direitos: exegese sistemática dos arts. 1º, 2º, 6º e 45, caput, do Código Civil; direito do nascituro de receber doação, herança e de ser curatelado (arts. 542, 1.779 e 1.798 do Código Civil); a especial proteção conferida à gestante, assegurando-se-lhe atendimento pré-natal (art. 8º do ECA, o qual, ao fim e ao cabo, visa a garantir o direito à vida e à saúde do nascituro); alimentos gravídicos, cuja titularidade é, na verdade, do nascituro e não da mãe (Lei n. 11.804/2008); no direito penal a condição de pessoa viva do nascituro – embora não nascida – é afirmada sem a menor cerimônia, pois o crime de aborto (arts. 124 a 127 do CP) sempre esteve alocado no título referente a "crimes contra a pessoa" e especificamente no capítulo "dos crimes contra a vida" – tutela da vida humana em formação, a chamada vida intrauterina (MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual de direito penal, volume II. 25 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 62-63; NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 8 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012, p. 658). (...) Ademais, hoje, mesmo que se adote qualquer das outras duas teorias restritivas, há de se reconhecer a titularidade de direitos da personalidade ao nascituro, dos quais o direito à vida é o mais importante. Garantir ao nascituro expectativas de direitos, ou mesmo direitos condicionados ao nascimento, só faz sentido se lhe for garantido também o direito de nascer, o direito à vida, que é direito pressuposto a todos os demais.
O caso era da possibilidade ou não de seguro DPVAT (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre). O entendimento foi no sentido de que independente da teoria a ser adotada, a expectativa de direitos abrange a garantia o direito de nascer, ainda mais pessoa já formada intrauterinamente e apta para a vida extrauterina (conforme voto vencedor REsp 1.120.676).
Conforme visto na Corte Superior, o utilizar o termo “pessoa” não se confunde com personalidade jurídica. Desta forma, ainda que não tenha personalidade jurídica, pode-se considerar pessoa, pois “caso contrário, não se vislumbraria nenhum sentido lógico na fórmula ‘a personalidade civil da pessoa começa’ se ambas – pessoa e personalidade civil – tivessem como começo o mesmo acontecimento.”.
A decisão ampliou a aplicabilidade do dano-morte, alcançando pessoa já formada que não nasceu “por uma fatalidade, acabara vendo a sua existência abreviada em acidente automobilístico”. No caso em concreto, o seguro foi concedido em decorrência de aborto sofrido quatro dias após um acidente de trânsito, aos 8 meses de gestação, por seu vindouro nascimento que, por meio do nexo causal – dano e resultado – interrompeu tal acontecimento.
REFERÊNCIAS
DONIZETTI, Elpídio. Curso didático de direito civil. Elpídio Donizetti; Felipe Quintella. 7. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2018.