Do garantismo penal

09/07/2019 às 09:40
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A teoria garantista vem para adequar o Direito Penal aos valores contidos na Constituição Federal, isto significa que se contrapõem ao jus positivismo vinculando o legislador a obedecer aos princípios constitucionais.

A teoria garantista vem para adequar o Direito Penal aos valores contidos na Constituição Federal, isto significa que se contrapõem ao jus positivismo vinculando o legislador a obedecer aos princípios constitucionais, realizando uma análise crítica em relação às garantias e não apenas a aplicação da lei propriamente dita, FERRAJOLI justifica que "o juiz não é uma máquina automática na qual por cima se introduzem fatos e por baixo se retiram as sentenças, ainda que com a ajuda de um empurrão, quando os fatos não se adaptem perfeitamente a ela".[1]

Para alguns doutrinadores, o garantismo é uma ferramenta que vem para limitar a atuação do poder público, podendo ser considerado um traço ligado diretamente à democracia, isso significa, que agora visa à proteção e garantia dos direitos fundamentais embasado na legitimidade do Estado e do direito.[2]

Por garantismo se entende:

Um modelo normativo de direito: precisamente, no que diz respeito ao direito penal, o modelo de “estrita legalidade”, próprio Estado de direito, que sob o plano epistemológico se caracteriza como um sistema cognitivo ou de poder mínimo, sob o plano político se caracteriza como uma técnica idônea a minimizar a violência e a maximizar a liberdade e, sob o plano jurídico, com um sistema de vínculos impostos á função punitiva do Estado em garantia dos direitos dos cidadãos.[3]

Portanto, é possível compreender a teoria garantista como uma teoria jurídica que visa à validade e a efetividade das normas do ordenamento jurídico, isto significa que "é uma teoria da divergência entre normatividades e realidade, entre direito válido e direito efetivo, um e outro vigentes".[4]

FERRAJOLI sendo o grande percussor dessa teoria entende que além do garantismo significar a efetividade da lei, e de trazer divergências em seu ordenamento, ele designa também uma filosofia que busca tanto do direito quanto do Estado uma resposta justificada entre a efetiva aplicação da norma e da moral, entre a validade e a justiça, "entre o ponto de vista interno (ponto de vista alto) e ponto de vista externo (ponto de vista baixo) na valoração do ordenamento",[5] sendo tais valores os responsáveis por exprimir os valores ou até mesmos os interesse se as necessidades de uma sociedade.[6]

Pode-se entender que a teoria garantista parte de três aspectos, o primeiro modelo é baseado na perspectiva de um direito normativo, no qual pelo plano político visa tutelar e minimizar a violência e maximiza a liberdade dos indivíduos e no viés do plano jurídico é a imposição de vínculos punitivos que visam à proteção dos direitos fundamentais dos indivíduos.[7]

A segunda perspectiva parte do ponto de que o “o garantismo designa uma teoria jurídica de validade e efetividade como categorias distintas não somente entre si, mas também acerca da existência e vigência das normas” [8]·, isso quer dizer que, no plano da validade, o juiz não está obrigado a realizar a aplicação de leis inválidas do sistema normativo, ou seja, aquelas normas incompatíveis com o sistema constitucional mesmo que ainda vigentes.[9]

A terceira visão do garantismo está relacionada a justificação da política criminal, onde o estado e o direito devem estar intimamente ligados aos bens jurídicos tutelados, cujos os interesses de tutelas visem a garantia de proteção dos direitos fundamentais.[10]

O modelo garantista vem para avaliar a pessoa como o foco central do ordenamento jurídico, no qual visa que a validade dessa teoria se fundamenta nos valores contidos na constituição, na aplicação em total harmonia com os direitos fundamentais contidos na constituição, ou seja, surge com o intuito de que a pena aplicada ao indivíduo seja aplicada em conformidade com o disposto na legislação federal.[11]

Portanto, o Estado foi criado com base na estrutura garantista, na qual acima de tudo o eixo central é a legitimidade baseada na igualdade, para atender as requisições da sociedade, ou seja, é uma concepção de Estado de direito ou Estado legal. [12]

Nesse sentido o estado de direito deve ser compreendido sob dois aspectos: “o sentido débil, lato ou formal, a partir da ideia de que qualquer poder deve ser conferido pela lei e exercido nas formas e procedimentos por ela estabelecidos de estado de direito, e em sentido forte, estrito ou substancial, a partir da noção de que qualquer poder deve ser limitado pela lei, que condicional não só suas formas, mas também seus conteúdos”. [13]  

Observa-se, que o primeiro modelo está ligado ao Estado de Direito ou legislativo, ao tipo de modelo estatal que está intimamente ligado à lei, em seu caráter formal, e o segundo estado pode ser interpretado como Estado de Direito Constitucional no qual toda lei aplicada versa sobre a efetividade dos direitos e garantias fundamentais, isso significa que dentro de um estado democrático há a vinculação da lei em seu sentido formal, com a efetiva aplicação dos direitos pétreos consubstanciados na Constituição Federal.[14]

Isso significa que o garantismo é “compreendido como instrumento de proteção dos direitos fundamentais tanto dos delitos quanto das penas arbitrárias, ou seja, como sistema de garantias idôneo a minimizar a violência na sociedade: a criminal, dos indivíduos singulares, e a institucional, dos aparatos repressivos”.[15]

Nesse aspecto a teoria busca a punição dos indivíduos delinquentes, mas desde que seja dentro da intervenção de um Estado Mínimo, isso é dentro dos limites de como e quando deve ser punido, sempre limitando o poder do estado tanto no modo punitivo como na aplicação da pena.[16]

Almeida explica o que são as garantias defendidas pelo FERRAJOILE são divididas em penais e processuais, são elas:

 (...) nulla poena sine crimine (A1), denominada como princípio da retributividade; nullum crimen sine lege (A2), intitulada como princípio da legalidade em sentido lato ou estrito; nulla lex (poenalis) sine necessitate (A3) chamada de princípio da necessidade ou economia do direito penal; nulla necessita sine injuria (A4), traduzida pelo princípio da lesividade ou ofensividade do ato; nulla injúria sine actione (A5), que corresponde à materialidade ou exterioridade da ação; e nulla actio sine culpa (A6), que indica o princípio da culpabilidade ou responsabilidade pessoal. As garantias processuais, por seu turno, são compostas pela nulla culpa sine iudicio (A7), que reveste o princípio da jurisdicionariedade em sentido lato ou estrito; pela nullum iudicium sine accusatione (A8), que denota o princípio acusatório ou da separação do juiz e acusação; pela nulla accusatio sine probatione (A9) que consiste no princípio ônus da prova ou da verificação e, por fim, pela nulla probatio sine defensione (A10) que enuncia o princípio do contraditório, também conhecido como da defesa ou da falseabilidade.[17]

Nada obstante, as garantias processuais em síntese somente podem ser aplicadas na existência de lei que defina como crime, caso contrário não pode ser aplicado ao indivíduo uma pena, por isso o caráter retributivo e não preventivo. Outro ponto importante é que a legalidade não deve ser entendida apenas no sentido lato, mas sim como princípio em sentido estrito, isso significa que ao ponto que é a lei que define o que é crime, portanto, os magistrados ao aplicar a lie devem realizar uma filtragem axiológica, isso significa que deve analisar se aquela lei é válida, ou se possui algum vício que enseje na sua anulação ou deixar de ser aplicada, isso porque a lei não pode vir a ser aplicada no intuito de prejudicar o indivíduo.[18]

É através dessas garantias que o estado possui instrumentos legalizadores que devem ser respeitados e aplicados aos casos concretos, ou seja, dentro do princípio da legalidade, o estado deve observar que se não houver lei que define uma conduta como crime, não se pode ser aplicado uma pena, bem como deve observar que se vier uma lei nova que prejudique o apenado, ela não pode vir a ser aplicada, uma vez que é proibida a retroatividade da norma penal se esta vier a trazer prejuízos ao apenado também conhecida como analogias in malam partem, mas se trouxer benefícios ai pode, é a chamada de analogia in bonam partem.[19]

Isso significa que a lei não pode vir a trazer desigualdades nem muito menos discriminação em sua aplicação, por força da regulamentação das normas, quer dizer que a lei deve ser realizada de forma igual, que sua aplicação seja para todos da sociedade.[20]

Nesse sentido FERRAJOLI entende que a legalidade é uma construção jurídica moderna, tendo em vista que ela serve de base para as normas jurídicas, ao mesmo tempo passa a ser enxergada como “um postulado jurídico do juspositivismo no qual se baseia a função garantista do direito contra o arbítrio” [21], isso significa que de um lado a legalidade é fonte de vigor das normas,” através da liberdade contra os poderes de outro desregulados”[22], ou seja é a legalidade no sentido forma e substancial, em outra perspectivas a legalidade é vista no sentido estrito , no qual  ela busca a estabilização dos direitos fundamentais dos cidadãos.[23]

Em continuidade, é através da junção da legalidade com o axioma da retributividade que surge o principio da proporcionalidade, outra garantia fundamental, o qual garante que ao acusado seja aplicada a pena do modo adequado, e se a pena é o meio necessário para corrigir tal ato, e se for, deve ser aplicada de maneira proporcional ao delito praticado, ou seja, “harmoniza os meios e os fins da realidade com os princípios jurídicos fundamentais.”[24]

Além desses princípios, há a aplicação e garantia do principio da lesividade, o qual aduz que o sistema penal somente considera lesivo ao sistema penal, condutas que sejam extremamente lesivas ao bem jurídico tutelado, ou seja, aqueles delitos que tragam prejuízos aos demais, por exemplo, afasta a lesividade do crime de bagatela, pois a natureza do delito não abalou a estrutura do bem jurídico tutelado, por conta da sua insignificância atrelada a conduta.[25]

Nesse diapasão, o garantismo além de seguir os princípios penais, deve estar adstrito às garantias em caráter processual. Portanto, o legislador deve  se ater as provas que lhe foram apresentadas, para ai sim poder julgas e alegar que o indivíduo é ou não culpado, pois caso contrário estaria por  aplicar a jurisdicionariedade no modo inquisitorial, ou seja, no modelo garantista agora prevalece o princípio acusatório fundado no devido processo legal, com direito a contraditório  e baseado na igualdade entre as partes, onde o juiz deverá ser imparcial em seu julgamento.[26]

Outra garantia que deve ser observada nesse contexto é a questão do ônus da prova, no qual para que se venha à condenação do réu as provas devem ser contestáveis e válidas, prevalecendo desde o início o princípio da inocência, pois tende a apenas ser considerado culpado depois de uma sentença penal transitada em julgado que o defina como tal.[27]

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Diante de todas essas garantias que a criminologia trouxe através do garantismo, o ônus da prova surge como uma das mais importantes ferramentas para o processo penal garantista, dando eixo ao convencimento motivado do magistrado a luz de que o magistrado apenas se baseia nas provas adstritas no processo para seu julgamento, não podendo julgar fora do que lhe foi apresentado.[28]

Portanto, desume-se que o garantismo surgiu para trazer maior segurança aos cidadãos, isso porque buscou a aplicação dos direitos fundamentais contidos na Constituição Federal, minimizando o poder do Estado, ou seja, retirou do estado o poder total que obtinha sobre a liberdade dos indivíduos, passando a ter que atuar dentro do princípio da legalidade.

Hoje o nosso sistema jurídico é embasado principalmente na Constituição Federal, sendo a “norma máxima do ordenamento jurídico, devendo todas as demais espécies legislativas submeter-se a esta”, isso é, todas as normas são subordinadas a Constituição Federal. [29]


[1] FERRAJOLI, Luigi. Op. cit, p.33.

[2] CALDAS, Alessandra. Constituição e garantismo jurídico: uma proposta de refundação do contrato social. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 35,2001, p.135-142. Disponível em: < https://revistas.ufpr.br/direito/article/viewFile/1813/1509> acesso em:01  set. 2018.

[3] FERRAJOLI, Luigi Op. cit, p.684.

[4] Idem.

[5] Ibidem, p.685

[6] Idem.

[7] FISCHER, Douglas. O que é garantismo penal (integral)? Disponível em:< https://scholar.google.com.br/scholar?hl=ptBR&as_sdt=0%2C5&q=garantismo+penal&btnG=> Acesso em: 02 set. 2018

[8] Idem.

[9] Idem.

[10] Idem.

[11] CALDAS, Alessandra. Op. cit,137.

[12] Idem.

[13]Idem.

[14]Idem.

[15]IPPOLITO, Dario. O garantismo de Luigi Ferrajoli. Revista de Estudos Constitucionais, Hermenêutica e Teoria do Direito (RECHTD). n.3. p.34-41, jan/jun.2011. file:///C:/Users/PC/Documents/o%20garantismo%20jur%C3%ADdico%20de%20luigi%20ferrajoile.pdf> Acesso em: 02 set. 2018.

[16] ALMEIDA, Débora de Souza de. A teoria do garantismo penal em questão: o olhar anti-inquisitorial da axiologia de Luigi Ferrajoli. RIDB. n.7. p. 6147-6168, 2013. <https://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2013/07/2013_07_06147_06168.pdf>acesso em: 02 set. 2018.

[17] Idem.

[18] Ibidem. p. 6156.

[19] SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual. p.11.

[20] ALMEIDA, Débora de Souza de. A teoria do garantismo penal em questão: o olhar anti-inquisitorial da axiologia de Luigi Ferrajoli. RIDB. n.7. p. 6147-6168, 2013. https://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2013/07/2013_07_06147_06168.pdf Acesso em: 02 set. 2018.

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[21] FERRAJOLI, Luigi. Op cit. p. 697

[22] Ibidem, p. 698.

[23] Idem.

[24] SANTOS, Juarez Cirino dos. Manual... p.16

[25] ALMEIDA, Débora de Souza de. A teoria do garantismo penal em questão: o olhar anti-inquisitorial da axiologia de Luigi Ferrajoli. RIDB. n.7. p. 6147-6168, 2013. https://www.cidp.pt/publicacoes/revistas/ridb/2013/07/2013_07_06147_06168.pdf Acesso em: 02 set. 2018.

[26] Ibidem, p. 6160.

[27] Idem.

[28] Idem.

[29]NOVELLI, Rodrigo Fernando. A teoria do garantismo penal e o princípio da legalidade. <http://www.unigran.br/revista_juridica/ed_anteriores/31/artigos/artigo06.pdf> Acesso em: 02 set. 2018.

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