A IMPOSSIBILIDADE DO FATO ILÍCITO SER HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA

Resumo:


  • O tributo incide apenas sobre situações lícitas, conforme determina o art. 3º do CTN.

  • A expressão "pecúnia non olet" não se confunde com o conceito de tributo, sendo uma interpretação objetiva da hipótese de incidência.

  • A disponibilidade de renda, mesmo que proveniente de atos ilícitos, é passível de tributação, seguindo o princípio da isonomia fiscal.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O texto analisa que o tributo não incide sobre fato ilícito

Recebi e-mail de um aluno que após assistir uma videoaula minha sobre conceito de tributo questionou a informação de que “somente se tributam situações lícitas”. No questionamento, ele interrogou sobre o princípio da pecúnia non olet, afirmando que a minha frase estaria equivocada, e que poderia ser reformada.

                        Para desfazer a confusão conceitual se faz necessário (a) analisar o conceito de tributo e (b) explicar a pecúnia non olet.

                        Como eu falei no vídeo, somente se tributam situações lícitas, pois, como informa o art. 3º do CTN, o tributo é prestação "que não constitui sanção de ato ilícito". Nesse sentido, observe a opinião do doutrinador Hugo de Brito Machado[1]:

 

O tributo distingue-se de penalidade exatamente porque esta tem como hipótese de incidência um ato ilícito, enquanto a hipótese de incidência do tributo é sempre algo lícito.

 

                        Outro doutrinador que podemos nos apoiar é prof. Leandro Paulsen[2]:

 

O tributo não é sanção de ato ilícito, portanto não poderá o legislador colocar, abstratamente, o ilícito como gerador de obrigação tributária ou dimensionar o montante devido em razão da ilicitude.

 

                        Outro que também defende o mesmo ponto de vista é o prof. Paulo de Barros Carvalho[3]:

 

Traço sumamente relevante para a compreensão de 'tributo' está objetivado nessa frase, em que, determina a feição da licitude para o fato que desencadeia o nascimento da obrigação tributária. (Curso de Direito Tributário, 27ª edição, 2016, p. 52)

 

                        A expressão "nessa frase" utilizada pelo trecho acima em destaque refere-se à passagem legal de que "não constitui sanção a ato ilícito".

                        Pois bem, apoiado na melhor doutrina nacional, afirmo que a hipótese de incidência do tributo não pode ser um fato ilícito, e sendo assim, somente se tributam situações lícitas, pois tributo não é sanção a ato ilícito, conforme bem estabelecido no art. 3º do CTN.

                        Observo que a confusão que gerou o questionamento reside especialmente em conhecer o conceito do princípio pecúnia non olet e diferenciar ele do conceito legal de tributo, especialmente quanto ao mesmo não ser “sanção a ato ilícito”, ou seja, tributo não é multa.

                         A cláusula non olet é traduzida tecnicamente como A INTERPRETAÇÃO OBJETIVA DA HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA (literalmente: "tributo não tem cheiro"), encontrando respaldo legal no art. 118 do CTN quando informa:

 

Art. 118. A definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se:

 

I - da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;

 

II - dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.

 

                        Ora, a hipótese de incidência do tributo deve ser interpretada objetivamente, pouco importando se ela é produto de um fato ilícito. Para melhor explicar o tema, socorre-se mais uma vez em Paulsen[4]:

 

A aquisição de renda e a promoção de circulação de mercadoria, e. g., são, abstratamente, fatos lícitos e passíveis de serem tributados. Se a renda foi adquirida de modo ilegal, a mercadoria não poderia ser vendida no País, são fatos que desbordam da questão tributária, são ilicitudes subjacentes que não afastam a tributação.

 

                        Conforme os anos de sala de aula me ensinam, nada melhor que o exemplo para visualizarmos:

 

            i - imagine que CAIO teve renda de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) no exercício de 2018, questiona-se: ele vai pagar IR?

 

            ii - Mas, e se eu disser que CAIO teve renda de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) porque vendeu droga (traficante de droga), questiona-se novamente: ainda assim ele vai pagar IR?

 

            iii - A resposta é SIM!

 

                        Vejamos no art. 43 do CTN a hipótese de incidência do IR:

 

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

 

I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

 

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

 

                        Em resumo, a hipótese de incidência do IR é a DISPONIBILIDADE DE RENDA OU PROVENTOS DE QUALQUER NATUREZA. Entenda, ter renda não é ilícito, ilícito é traficar droga. A interpretação é objetiva: se Caio teve renda ele paga IR.           

                        Em passagem esclarecedora, o Prof. Ricardo Alexandre[5] assim elucida o tema:

 

O dever de pagar tributo – conforme será detalhado em momento oportuno – surge com a ocorrência, no mundo concreto, de uma hipótese abstratamente prevista em lei (o fato gerador). Portanto, se alguém obtém disponibilidade econômica ou jurídica de rendimentos, passa a ser devedor do imposto de renda (CTN, art. 43), mesmo se esses rendimentos forem oriundos de um ato ilícito, ou até criminoso, como a corrupção, o tráfico ilícito de entorpecente etc.

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A justificativa pera o entendimento é que, nesses casos, não se está punindo o ato com o tributo (a punição ocorrerá na esfera penal e, se for o caso, na administrativa e civil). A cobrança ocorre porque o fato gerador (obtenção de rendimentos) aconteceu e deve ser interpretado abstraindo a validade jurídica dos atos praticados (CTN, art. 118, I).

 

Alguns entendem que o Estado, ao tributar rendimentos oriundos de atividades criminosas, estaria associado ao crime e obtendo, imoralmente recursos de uma atividade que ele mesmo proíbe. Entretanto, seria injusto cobra imposto daquele que trabalha honestamente e conceder uma verdadeira “imunidade” ao criminoso. Nessa linha de raciocínio, o Supremo Tribunal Federal, ao julgar um caso sobre tráfico ilícito de entorpecente, entendeu que, antes de ser agressiva à moralidade, a tributação do resultado econômico de tais atividades é decorrência do princípio da isonomia fiscal, de manifesta inspiração ética (HC 77.530-4/RS).                      

           

                        Pois bem, infere-se então pelo exemplo dado que não se está tributando o tráfico de droga (fato ilícito), mas, está se tributando a disponibilidade de renda (algo lícito).

                        Desta forma, esclarece-se que o tributo somente incide sobre fato lícito, pois, na forma do art. 3º do CTN, tributo é prestação pecuniária que não constitui sanção de ato ilícito, e que o conceito de tributo não se confunde com a cláusula pecúnia non olet.

                        Espera-se nestas breves palavras ter bem esclarecido o tema e identificado corretamente os institutos, extremando um do outro.

 


 

[1] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 38 ed. – São Paulo: Malheiros Editores, 2017, p. 59

 

[2] PAULSEN, Leandro. Constituição e código tributário comentados à luz da doutrina e jurisprudência. 18 ed. – São Paulo: Saraiva, 2017, p. 676

 

[3] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 27 ed. – São Paulo: Saraiva, 2016, p. 52

[4] Op. cit., p. 676-677.

[5] ALEXANDRES, Ricardo. Direito tributário. 13 ed. rev., atual. e ampl. – Salvador – Ed. Jus Podivm, 2019, p.46.

Sobre o autor
Ricardo Simões Xavier dos Santos

Advogado. Fundador do escritório Ricardo Xavier Advogados Associados. Graduado em Direito pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Mestre e Doutorando em Políticas Sociais e Cidadania pela Universidade Católica do Salvador - UCSal; Especialista em Direito do Estado pelo Jus Podivm/Unnyahna e em Direito Tributário pelo IBET. Professor da Universidade do Estado da Bahia - UNEB , da Universidade Católica do Salvador - UCSal e da Escola Superior da Advocacia - ESA - Seccional da OAB/BA; Coordenador Curso de Pós-graduação em Direito Empresarial da Universidade Católica do Salvador - UCSal. Pesquisador do Núcleo de Estudos em Tributação e Finanças Públicas - NEF da Universidade Católica do Salvador - UCSal

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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