REALIDADE JURÍDICA

Decisões mecanizadas ou descaso do Judiciário?

11/07/2019 às 12:48
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De maio à dezembro do ano passado foram 31.861 processos que tiveram seus recursos negados perante o STJ, com base em um único e perigoso precedente (AgRg no AREsp. n° 1.193.328/GO) que aplica norma regimental da Corte Superior, delimitando Lei Federal.

Justiça Automática?

Sou advogado inscrito na OAB/TO há 14 anos (maio/2005). E nesse tempo passei por várias situações que mesmo uma pessoa alheia aos méritos dos processos e sem conhecimento jurídico questionaria os fatídicos desfechos das causas.

Muitos desses episódios estão encartados em um compêndio coletado para uma possível publicação futura. Mas, o que ocorreu recentemente, além de desnortear gravemente a psique deste cidadão e abalar extremamente o empenho jurisdicional deste profissional, me motivou a repensar essa decisão de adiar essas publicações.

Então vamos ao caso.

Em uma disputa que iniciou administrativamente em agosto/2008 e tornou-se judicial em abril/2009, ou seja, mais de 11 anos de trabalho deste advogado em representar uma viúva que busca receber o valor da apólice do seguro de vida que foi mantido pelo seu falecido marido por quase 10 anos, em vida.

Iniciada em abril/2009, a Ação de Execução de Seguros n. 5001027-32.2011.827.2713/TO, ficou parada por um bom tempo na comarca de primeira instância até que em maio/2015 as defesas da Seguradora e do Banco foram negadas, com a publicação simultânea das sentenças judiciais nos Embargos à Execução ns. 5000463-24.2009.827.2713/TO e   5001026-47.2011.827.2713/TO).

E assim, somente a Seguradora apelou da sentença (AP n. 0016094-74.2015.827.0000/TJTO). E, tendo este recurso sido negado pelo Tribunal de Justiça (TO) e, posteriormente, pelo Superior Tribunal de Justiça, o Acórdão do STJ transitou em julgado em maio/2017, confirmando a obrigação da Seguradora e do Banco em pagar a integralidade do valor da apólice, além dos custos do processo e os honorários advocatícios, que foram majorados para 12% do “valor da causa” (Vide: Acórdão do AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 1056438/TO - 2017/0032639-2).

Em meio a isto, havendo vastos elementos para a resolução da demanda e quitação dos valores que já estavam penhorados e, após considerável tempo de espera por despachos e decisões tanto nos Autos de Execução dos Honorários n. 0003610-02.2016.827.2713/TO (8 meses aguardando um despacho inicial) e no processo de Execução do seguro n. 5001027-32.2011.827.2713/TO (1 ano e 6 meses de espera por uma decisão), estes foram decididos apenas após protocolo de representação na Corregedoria do TJ/TO, por excesso de prazo (Vide: Processos Administrativos, SEI-Reclamações nºs 17.0.000012174-6 e 17.0.000012166-5).

Contudo, inusitadamente, a Magistrada que respondeu essa representação na corregedoria, proferiu decisões nos processos impondo novas formas de calcular o valor do seguro e dos honorários (este o qual, inclusive, já havia perícia contábil da contadoria, confirmando o valor exato cobrado por este causídico - evento 32).

Com isto houve iminente risco de diminuição drástica tanto da verba dos honorários (Sendo recalculado para valores abaixo até do que foi apresentado pela devedora), como também determinou a diminuição do valor do seguro pela metade, aplicando interpretações coerentes e contrárias às práticas firmadas pelo STJ e STF. Dando a entender que estaria agindo em retaliação às representações e sanções que sofrera, com o fito de prejudicar os reclamantes.

Por isto, estas decisões foram recorridas através dos Agravos ns. 0021534-80.2017.827.0000/TJTO e 0010361-59.2017.827.0000/TJTO, onde se acreditou na reforma pelo Tribunal de Justiça que repararia tais equívocos. Porém, os Acórdãos do TJ/TO, claramente, se mostram alheios às matérias recursais. Firmando argumentos incoerentes e destoados das razões recursais, com base em verossimilhanças ilusórias e, claramente, negando vigência aos textos das leis federais, bem como indo de encontro às jurisprudências pacificadas nos tribunais superiores.

Destarte, estes acórdãos foram rebatidos através dos devidos Recursos Especiais. E, após vários meses de espera, infelizmente, como de praxe, estes tiveram seus seguimentos negados por decisões ainda mais desconexas aos argumentos expostos nos recursos. Onde, inclusive, chega a alegar sobre matérias constitucionais que nem foram argumentadas nas petições de recursos.

Com isto, foi proposto os Agravos em Recurso Especial perante o Superior Tribunal de Justiça (AREsp. n. 1.381.763 - TO (2018/0269517-3) e AREsp. n. 1.406.763 - TO (2018/0314792-5)) que, mais uma vez, de forma inusitada, foram negados pelo Presidente do STJ, sob o argumento de que, porque as matérias constitucionais alegadas na decisão do Presidente do TJ/TO não foram impugnadas, estes recursos não podiam ser conhecidos pelo STJ. Fundamentando essa decisão no art. 21-E, inciso V, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça que, a nosso ver, se mostra totalmente ilógico e desconcertante desconsiderar completamente todas as razões de méritos, todos os argumentos legítimos e os anseios recursais que realmente interessam ao caso, apenas com base numa imposição regimental que não traduz a realidade dos elementos trazidos aos recursos propostos.

Acontece que, a decisão monocrática deixou de reconhecer o agravo em recurso especial sob fundamento de que os “...termos do art. 932, III, CPC de 2015, art. 253, parágrafo único, I, do RISTJ e da Súmula 182 do STJ, aplicável por analogia.”, impõem a penalidade processual ao Recorrente quando o “...agravo em recurso especial que não tenha impugnado especificamente todos os fundamentos da decisão recorrida.”.

Contudo, tal afirmação desconsidera por completo a dialética da Lei Federal que, tanto a letra seca do art. 932, III, CPC de 2015, quanto no teor da Súmula 182 do STJ citados, não fazem menção a essa exigência de que se deve impugnar TODOS os fundamentos da decisão recorrida. Veja a letra desses dispositivos:

Lei n. 13.105/15 (NCPC)

“Art. 932.  Incumbe ao relator:

(...)

III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida;”

Súmula 182 – “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada.” (Súmula 182, CORTE ESPECIAL, DJ 17/02/1997)

Ou seja, note-se que os textos não implicam que TODOS os fundamentos devam ser impugnados. Bastando que os reais fundamentos que condizem com a causa sejam especificamente impugnados. (Se eu quero abacaxi e me negam abacaxi e abacate. Porque devo contestar a negativa de abacate também? Se eu quero abacaxi.)

Ademais, uma Resolução ou Regimento Interno, tipo a invocada pela Corte Superior de Justiça, não tem força hierárquica suficiente para impor uma delimitação do alcance do texto da Lei Federal supratranscrita. Pois, frente ao Princípio da Legalidade e Hierarquia das Normas, deve sempre prevalecer o texto da Lei.

Neste sentido foi citado o brilhante e completo julgado paulista:

APELAÇÃO CÍVEL - Ação Anulatória - ISS - Construção Civil. 1) Alegada nulidade da notificação do lançamento - Inexistência de defeitos no Edital de Notificação a inviabilizar o exercício do direito de defesa - Presunção de liquidez e certeza. 2) Exigência de recolhimento de ISS - Imposto que deve ser recolhido com base no preço do serviço - Alteração da base de cálculo pela Resolução SMF nº 001/08, através de pauta mínima - Impossibilidade - Afronta ao princípio da legalidade e hierarquia das normas - Alteração dos fundamentos da sentença - Recurso improvido.” (TJ-SP - APL 0052109-23.2012.8.26.0114, 15ª CDP, Relator: Eltálio Porto, DJe: 25/04/2017)

Julgado este que valeu a pena transcrever um dos trechos do voto contido neste esplêndido Acórdão:

Ademais, mesmo que conste na referida Resolução os “valores mínimos”, alterando, assim, a base de cálculo para recolhimento do tributo, aludida situação implica numa alteração de lei por Resolução, o que não é possível no ordenamento jurídico, em face do princípio da hierarquia das normas, pelo qual norma inferior não pode modificar, alterar, revogar norma superior, sendo certo que, do confronto entre essas duas regras, deve prevalecer a lei.”

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Todavia, pela simples leitura das razões dos Agravos em Recurso Especial e nos próprios Recursos Especiais dos processos citados, percebe-se que, desde o início, há uma coerência de direcionamento das impugnações apenas às matérias perseguidas. O que, infelizmente, não acontece com as decisões e acórdãos impugnados que divagam sobre questões constitucionais que não são o cerne dos recursos e nem se mostram questionados. Pois, nesses recursos apenas se anotam bem especificadas todas as infringências e desconsiderações dos julgados quanto a aplicação das Leis Federais. Assim como se demonstra as evidentes dissonâncias desses julgados frente às jurisprudenciais pacificadas em nossos tribunais brasileiros. E, mesmo que as decisões logo anteriores devaneiam-se sobre matérias ordinárias impugnadas e chegam a se postar alheias aos méritos das causas, não há como o STJ exigir que o Recorrente insista em impugnar partes da decisão que não focam na matéria discutida e em nada influenciam nas resoluções das lides.

O mais absurdo de tudo isso, é anotar que de maio/2018 até dezembro/2018, essa mesma razão denegatória de seguimento de Agravos em Recursos Especial, fundamentada em um julgado PENAL de 11/05/2018 (AgRg no AREsp n. 1.193.328/GO), foi disseminada em mais de 30.000 processos que aportaram no Superior Tribunal de Justiça, como se fosse uma máquina agindo insensível e indiscriminada, proferindo decisões com aparente identicidade de fundamentos e escrita, concidentemente, sob a mesma base do art. 21-E, inciso V, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça, o qual, equivocadamente, insere o termo delimitativo “TODOS” para sobrepor a própria Súmula 182 do STJ e ao texto da Lei Federal (Art. 932, III, CPC).

Tais fatos estão devidamente anotados e citados no bojo dos recursos que ainda perduram nos processos em questão (Agravos Internos em Agr.Resp). Onde, no feito relacionado aos honorários deste causídico (AgInt no AREsp. n. 1.381.763 - TO (2018/0269517-3)), inesperada e infelizmente já houve a publicação de um Acórdão da 4ª TURMA do STJ denegando, por unanimidade, este Agravo Interno. Onde o voto do Exmo. Min. RAUL ARAÚJO, que foi seguido pelos demais, corrobora que a aplicação do Regimento Interno da Corte tem supremacia sobre a Lei Federal e que, por isto, prefere desconsiderar todos os elementos que desde o início foram combatidos de forma clara, específica e direta com a impugnação das decisões em suas reais infringências legais e dissonâncias jurisprudenciais, através dos recursos próprios, coesos e tempestivos.

Com isto, este processo encontra-se atualmente à espera do julgamento do ultimo recurso possível (Embargos de Declaração) e, caso este também seja negado, toda a peleja jurídica de reverter a decisão retaliativa da Juíza de primeiro grau será ignorada, convalidando um evidente prejuízo de grande monta no recebimento dos valores justos de um seguro de vida e dos honorários advocatícios acumulados em uma demanda que já se delonga por mais de 11 anos.

Vale ressaltar que esses fatos relacionados às decisões tidas por mecanizadas e baseadas no dispositivo do regimento interno do STJ que sobrepõe o termo TODOS em contraponto ao contexto da Lei Adjetiva Civil (art. 932, CPC/15) também foi informado à Seccional e ao Conselho Federal dos Advogados (e-mails, de 26/11/2018 e 19/12/2018), os quais somente se limitaram a responder que não verificaram qualquer afronta a “prerrogativas” do advogado (como se este fosse o único ofício da entidade de classe e “defensora da cidadania”).

Portanto, eis que nos resta apenas torcer para que este relato ecoe no meio social e sirva como alerta para que vem ocorrendo no meio jurídico brasileiro. Onde, infelizmente, casos como este não são tão raros e vem sendo pacificamente engolidos pelo esquecimento.

E assim, deixo apenas meu triste lamentar por toda essa situação desgastante que ainda não terminou e, aparentemente, se nada for feito, não terá um “final feliz”. Mas, mesmo assim, tento confiar que “...o Senhor é o nosso Juiz; o Senhor é o nosso legislador; o Senhor é o nosso rei, ele nos salvará.” (Isaías 33:22).

PS: Deixo à disposição dos leitores suas conclusões sobre tudo que foi exposto. E peço que se coloquem no lugar daqueles vários cidadãos que anseiam por Justiça, nos mais variados processos que envolvem as mais variadas questões (Ex: Fornecimento de remédios, internações hospitalares, matrículas em creches, indenizações, reparações, recebimento de seguros e outros créditos, etc.).E, como os processos citados são públicos, tanto estes como os outros relacionados ao caso p podem ser acessados pelo sistema e-proc_tjto, para conferência do que foi relatado. Convidando a todos para unirmos esforços a fim de evitar que tais situações de evidente constrangimento e injustiça continuem ocorrendo nos órgãos julgadores, de modo a garantir ao cidadão de bem, uma real e apurada análise e defesa de seus direitos e anseios pela justa aplicação da LEI, do DIREITO e, acima de tudo, da JUSTIÇA.

Sobre o autor
CESANIO ROCHA BEZERRA

Advogado desde 2005, ex-presidente da 13ª Subseção OAB/PA, ex-Serventuário da Justiça (1996-2005), atualmente Advogado especificado em Direito Civil, Comercial e Industrial, Publico e Administrativo, Penal, Agrário, Registral e Sucessões.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Todas as informações contidas no texto podem ser aferidas com acesso ao sistema da consulta dos feitos citados. E as exposições contidas no texto representam a garantia de liberdade de expressão e implicam em específico sentimento pessoal deste profissional sobre a demanda em tela com base na experiência de seus longos anos de lida e não refletem afronta às instituições representativas, às partes contrárias e aos julgadores dos processos.

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