Reduzir a maioridade penal. De que falamos?
¹ tradução por Matheus Maciel
O Direito é Poder. Sim, é o exercício do poder regulado. E é claro que é uma manifestação da vontade do Estado (e, no melhor dos casos, dos cidadãos) de conter os impulsos humanos e conduzi-los de modo que, de algum modo, haja paz. Tudo bem, mas ainda é uma ferramenta pela qual se exerce o poder. Agora, a concepção mais simples do Direito Penal é a manifestação mais primitiva do Poder: ação, reação. Crime, pena. Infrator, prisão.
Estes são conceitos reiterados até a saciedade por qualquer professor de Direito de nosso país. Mas a questão que raramente tem sido levantada em ambientes que vão desde a universidade, a mídia, a política e até nossos encontros com amigos e familiares é: o que esperamos do Direito Penal? Não pretendo iniciar um debate filosófico, nem realizar uma pesquisa para ver o que cada um dos cidadãos pensa, porque seria uma discussão inerte.
Vamos pensar um pouco sobre essa ideia, sobre o que esperamos do Direito Penal. Em termos gerais, qualquer sociedade busca a paz. A diminuição da violência nos níveis mais baixos possíveis. Bem, não é uma má resposta fingir que a Justiça (entendida como um sistema composto de seres humanos e não como uma entidade inalcançável) tente buscar alguma paz, uma diminuição da violência. O que tudo isso tem a ver com as crianças e a idade em que elas podem ser penalizadas? Bem, vamos esclarecer alguns conceitos sobre o que está sendo falado sobre a possibilidade de um projeto que "reduz a idade de punibilidade" aos 14 anos:
1)"O Estado não responde". Absolutamente de acordo. Hoje, o sistema judicial não sabe o que fazer com as crianças que cometem crimes, nem com as vítimas que as sofrem. Em geral, há muito poucas províncias que criaram uma regulamentação processual de acordo com a normativa internacional (Entre Rios, por exemplo). Mas, a nível nacional, não há resposta legal para essas situações. E então, por que é importante que haja uma resposta legal a uma situação? Porque voltamos ao que dissemos no começo: as vidas dos cidadãos são governadas pelo acaso. O sistema judicial acontece em uma roleta russa da qual depende o juiz que o toca será a resposta que terá (uma roleta russa regida por um decreto-lei ditatorial).
(2) “Aplicar pena aos jovens de 14 e 15 anos funciona". Não para nada. E eu não digo isso por uma convicção de garantia, muito menos. É uma situação meramente pragmática. Deixemos para depois o debate sobre a legitimidade que tem um Estado para prender um jovem que lhe negou todos os direitos básicos (saúde, educação, que o Estado proteja sua integridade física, mental e emocional, etc.). Quero que sejamos práticos simplesmente. Se queremos que o indivíduo não cometa mais crimes, então a pena aplicada a ele não pode ser a prisão,ele não pode ser um prisioneiro. E eu corro o risco de dizer que o conceito de “pena" também não funciona. O que é necessário é uma resposta do Estado que seja um pouco mais criativa e mais útil. Porque se atirarmos gasolina no fogo e ninguém ganha, nem a Direita, nem a Esquerda, nem a garantia, nem o punitivismo, etc. (as crianças nunca ganham).
3) “A regulamentação e a legislação sobre delinquência juvenil afectam a insegurança criminal em geral". Não, porque a porcentagem de menores que cometem crimes não irá modificar significativamente a quantidade de crimes cometidos. Sabemos muito bem que na população de pessoas que cometem crimes, os menores são uma porcentagem extremamente pequena. Portanto, não nos deixemos enganar. Deixe-nos saber o que podemos esperar de uma reforma para não cair em desconforto, o que não significa que não devamos discutir e trabalhar na regulamentação porque, como eu disse, a necessidade é outra: dar uma resposta estatal (legal, humana, digna) uma situação de acaso judicial.
O debate parece ter uma falsidade no raciocínio lógico: crianças de 13 anos não cometem crimes? Se a resposta é diminuir a maioridade, o que fazemos com as de 13? E com as de 12? E com as de 9? Por isso, sempre vai ver um corte na idade absolutamente discricionário pelo legislador do momento. Mas se essa resposta for uma punição para o confinamento, essa condição será devastadora. Afogará um ser humano em um sistema prisional em que o que ele menos precisa é ser rotulado como um fluxo de maneira institucional.
Finalmente, quero deixar esta reflexão. Além do que está sendo discutido agora (fins eleitorais, políticos, vendas de mídia, etc.), é necessário o debate. Eu celebro isso. Mas não me deixo enganar, qualquer resposta que encontrarmos não resolverá o problema em suas raízes: a violência sofrida por aquela pessoa por parte da ausência do Estado. Isso não é para evitar o foco da discussão, mas para entender o problema como um todo. Mas se falamos de Direito Penal, diminuir a idade da punibilidade é uma resposta que não é prática e que agrava a situação (além de ser contrária aos regulamentos internacionais). Se vamos exercer poder na forma de lei para as crianças, não esmaguemos-os. Sejamos criativos, já que falhamos em todos os itens acima, não falharemos novamente neste estágio. Que não nos devore a violência.
¹ Matheus Maciel é Advogado, Especialista em Direito Processual Civil e Assessor Especial da Prefeitura Municipal de Lauro de Freitas.