A ‘’COISIFICAÇÃO’’ DOS ANIMAIS NO CÓDIGO CIVIL BRASILEIRO E A FOME: A ATUAL CONDIÇÃO JURÍDICA DOS ANIMAIS COMO ÓBICE PARA O DIREITO À ALIMENTAÇÃO

17/07/2019 às 15:00
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Este trabalho apresenta uma alternativa para garantir o direito à alimentação, através dos direitos animais, por meio de pesquisas que demonstram a íntima relação entre a fome e o consumo de carne.

RESUMO

Este trabalho apresenta uma alternativa para garantir o direito ao meio ambiente saudável, através de uma reinterpretação do status dos animais no ordenamento jurídico brasileiro, tendo em vista que há inúmeras pesquisas e relatórios demonstrando que a exploração animal, em especial no consumo e abate de animais, gera obstáculos ao direito mencionado. Desta forma, apresenta um panorama sobre o direito ao meio ambiente, e uma perspectiva histórica deste em nosso ordenamento jurídico. Apresenta pesquisas que demonstram como a indústria da carne obstaculiza o direito ao meio ambiente. Além disso, explica a atual interpretação constitucional do status dos animais e de que forma uma mudança poderia proteger os seres humanos, o meio ambiente e os animais.

Palavras-chave: direito ambiental, direitos humanos, direitos animais

Abstract:

This paper presents an alternative to guarantee the right to a healthy environment, through a reinterpretation of the status of animals in the Brazilian legal system, considering that there are numerous researches and reports demonstrating that animal exploitation, especially in the consumption and slaughter of animals , creates obstacles to the aforementioned right. In this way, it presents a panorama about the right to the environment, and a historical perspective of this in our legal system. It presents research that demonstrates how the meat industry hinders the right to the environment. In addition, it explains the current constitutional interpretation of animal status and how a change could protect humans, the environment and animals.

Keywords: environmental law, human rights, anima rights

Sumário: Introdução. 1. Evolução do direito ambiental brasileiro: Uma perspectiva histórica. 1.1 Fase legislativa do direito ambiental como direito fundamental. 2. Os impactos negativos da produção de carne ao meio ambiente 3. Os animais como sujeitos de direito: Uma alternativa para efetivar o direito ao meio ambiente saudável. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objetivo demonstrar que o abate e consumo de animais dificulta a distribuição de alimentos, e gera impactos negativos ao meio ambiente. O primeiro capítulo apresenta uma perspectiva sobre o direito ao meio ambiente saudável, demonstrando que embora seja de grande importância, nem sempre recebeu a atenção necessária em nosso ordenamento jurídico. Além disso, analisa a evolução histórica do tema, o motivo de ser discutido, e a possibilidade de estar relacionado com a produção, abate e consumo de animais. O segundo capítulo, apresenta relatórios de pesquisas que demonstram a intima relação da devastação do meio ambiente. Como consequência disso, demonstra que conferir proteção aos animais como seres sencientes é uma alternativa para garantir os direitos humanos fundamentais, à alimentação, no terceiro capítulo. O método utilizado no trabalho é o abdutivo, pois utiliza dados de pesquisas que demonstram a senciência animal e a relação da exploração animal com a degradação do meio ambiente, deduzindo que o direito animal pode ser uma alternativa viável para garantir os direitos humanos. Quanto a abordagem, é tanto qualitativa, como quantitativa. É qualitativa, ao abordar as teorias de direitos animais e com ideias utilizadas para tentar efetivar os direitos humanos. É quantitativa também, pois utiliza dados numéricos obtidos em relatórios que mensuram os danos ambientais causados pelos setores de produção animal, no abate e consumo. O tipo de referência bibliográfica utilizado é o de autor-data, sendo utilizados livros de direito constitucional, direitos humanos, direito ambiental, direito civil, legislação penal especial na lei de crimes ambientais, direitos animais.. Para encontrar as teorias de direitos animais, foram realizadas pesquisas com as palavras-chave: direito animal, abolicionismo e senciência.

1. Evolução do direito ambiental brasileiro: Uma perspectiva histórica

A proteção ambiental passou por diversas mudanças ao longo da história, até finalmente integrar a Constituição Federal, em 1988. O professor Ingo Sarlet (2015, p. 27-30), realizou uma tabela cronológica sobre essa evolução histórica, dividindo-a em três fases: A primeira, foi chamada de ‘’Fragmentário-Instrumental’’, compreendendo o período de 1916, até 1981. A segunda, foi chamada de ‘’Sistemático-Valorativa’’, compreendendo o período de 1981, até 1988. E, a terceira, foi chamada de fase da Constitucionalização, iniciando a partir de 1988.

A partir do ano de 1916 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 27), ocorreram importantes mudanças no cenário da proteção ambiental. Como exemplo disto, algumas mudanças podem ser citadas. Na fase Fragmentário-Instrumental, o código civil de 1916 tinha um incipiente viés ecológico, já que implementou os direitos de vizinhança. Em 1921, foi criado o Serviço Florestal do Brasil. Em 1934 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 27) , a nova constituição criou competências legislativas para a União, em decorrência disso, ocorreu a criação do código florestal, decreto 23.793/1934, com a imposição de limitações ao direito de propriedade, e do código das águas, decreto 24.643/134, demonstrando preocupação com a poluição e o abastecimento hídrico.

Em 1934 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 27), foi criada a lei de proteção aos animais, com a adoção de um novo status jurídico aos animais, com deveres do Estado e da sociedade na tutela e promoção do bem-estar dos animais. Em 1937 , surgiu a lei de proteção do patrimônio histórico e artístico nacional. Já em 1938 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 27), surgiu o código de pesca, decreto 23.672, demonstrando preocupação hídrica, pois proibia algumas formas de pescas, inclusive sendo vedado lançar resíduos tóxicos na água.

Em 1964 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 28), foi criado o Estatuto da Terra, e, em 1967 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 28), o Código de caça, na lei 5.197, proibia a caça aos animais silvestres, e caça profissional. Porém, determina que o órgão público deve atualizar a relação de espécies que podem ser caçadas, e, inclusive, que o poder público deve estimular clubes de caça. Em 1977 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 28), se consagrou a responsabilidade civil objetiva na hipótese de danos nucleares, sendo um passo inicial na responsabilidade civil ambiental.

Encaminhando-se para o encerramento dessa fase, em 1981 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 29), surgiu a Lei da Política nacional do meio ambiente, lei 6.938/1981, sendo um marco normativo inaugural de direito ambiental moderno. Em 1985 (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 29), a Lei da Ação Civil Pública, lei 7.347/1985, consagrou o direito ao ambiente como interesse difuso e instituiu mecanismos específicos para garantir a proteção ao patrimônio ambiental.

A terceira fase (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 29) inicia-se a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, de forma que o direito ao meio ambiente saudável se torna um direito fundamental. Nesta terceira fase, inúmeras evoluções legislativas em relação a proteção ao meio ambiente ocorreram, merecendo destaque a ampliação do objeto da ação popular, consagrando-se a ação popular ambiental em 1988. Em 1989, houve a criação do IBAMA, e, em 1990, criações do Código de defesa do consumidor e a Lei do SUS, ambas tendo impactos positivos na proteção ambiental. (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 29-30)

1.1. Fase legislativa do direito ambiental como direito fundamental

A chamada fase legislativa de constitucionalização do meio ambiente demonstra a importância de um direito ao meio ambiente equilibrado em perspectiva holística, isto é, não fragmentada, considerando todas as relações e interações entre os diferentes aspectos físicos, químicos, biológicos, culturais e sócias, que o compõem o reconhecimento do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, segundo Antônio Cançado Trindade, configura-se como extensão do direito à vida, em relação à existência física e saúde, e na dignidade dessa existência. (TRINDADE, 1993, p. 76)

Nesta fase, a Constituição Federal, em seu capítulo VI, artigo 225, prevê o direito ao meio ambiente saudável como direito fundamental e cláusula pétrea, demonstrando a grande relevância do tema para o ordenamento jurídico. De acordo com Ingo Sarlet, os valores ecológicos foram colocados no ‘’coração’’ da ordem jurídica, influenciando os demais ramos, de forma que limitou outros direitos, fundamentais ou não. (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 31)

Como consequência disso, surgiu o estado socioambiental, de forma que o Estado tem o papel de resguardar os cidadãos contra novas formas de violação à sua dignidade e direitos fundamentais, por força da crise ecológica, diante dos novos riscos provocados pela sociedade de risco, implantando políticas públicas e promovendo, de forma integrada e interdepende, os direitos sociais e ambientais num mesmo projeto jurídico. (SARLET. FENSTERSEIFER, 2015, p. 35-37)

De acordo com o caput do artigo 225, da Constituição Federal, impõe-se ao Poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente para as futuras gerações. Anderson Furlan e William Fracalossi explicam que isto se dá pelo princípio da equidade intergeracional, em que deve haver uma solidariedade entre as gerações, de forma que não se esgotem os recursos ambientais em detrimento das futuras gerações. (SILVA. FRACALOSSI. 2011, p. 14)

A Constituição Federal prevê, nos incisos do artigo 225, que para assegurar o direito ao meio ambiente saudável, o poder público deve preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos.

Além disso, o poder público deve exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente.

Importa destacar que o poder público deve promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

O status dos animais no ordenamento jurídico é bastante debatido, e, em decorrência disso, se faz necessário analisar o tema, relacionando-o com a garantia ao meio ambiente saudável.

2. Os impactos negativos da produção de carne ao meio ambiente

Em 2015, o Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável, em parceria com a Agência Alemã para a Cooperação Internacional e Trucost, emitiu um relatório chamado ‘’Exposição do Conselho Mundial Empresarial para o desenvolvimento sustentável.’’ (BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015)

De acordo com o relatório, a pecuária é o setor com maior custo de capital natural, estima-se que 90% do impacto vem na fase agrícola, com a conversão do uso da terra, e emissões de metano. Chegou-se a essa conclusão no relatório, pois se comparou a intensidade de capital natural por setor ambiental, sendo investigados os níveis de emissão de gases de efeito estufa, poluentes do ar, desperdício, uso de terra, uso de água, e poluentes da água. (BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015, p. 6)

O relatório analisou 45 setores, e os 10 que mais produzem impactos ambientais nos critérios acima, em ordem são: pecuária para gado de corte; gorduras e óleos de refinação e mistura; aquicultura; abate e processamento de animais; agricultura de algodão; agricultura de soja; agricultura de cana-de-açúcar; fabricação de cimento; fabricação de fertilizantes; e fabricação de petroquímica. (BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015, p. 7)

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Na pesquisa, utilizou-se o termo ‘’capital natural’’, que significa o valor dos bens e serviços que os ecossistemas fornecem, tendo em vista a super exploração de capital natural escasso, que vem causando danos ambientais, pagos pela sociedade pela tributação de forma que o poluidor deve pagar pelo prejuízo que causa. (BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015, p. 11)

A pecuária, em primeiro lugar, foi analisada como a que mais gasta capital natural, por receita gerada, tendo 3.865 em níveis de emissão de gases de efeito estufa, 0.228 em poluentes do ar, 0.065 em desperdício, 16.951 em uso de terra, 0.504, em uso de água, 0.510 em poluentes da água, totalizando 22.123. ((BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015, p. 11)

Além disso, em quarto lugar, o abate e processamento dos animais gera os gastos ambientais de 1.091 em níveis de emissão de gases de efeito estufa, 0.111 em poluentes do ar, 0.052 em desperdício, 0.226 em uso de terra, 1.958 em uso de água, 0.271 em poluentes da água, totalizando 3.709. (BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015, p. 11)

Segundo a pesquisa, a criação de gado de corte e produção de soja na última década, causou mais de 50% do desmatamento e 60% da degradação florestal em regiões tropicais e subtropicais. ((BMZ. GIZ. CEBDS. TRUCOST. 2015, p. 12)

Em razão dos impactos ambientais que se tornam um obstáculo para a efetivação do direito humano ao meio ambiente saudável, e do direito à alimentação, torna-se necessário pensar em possibilidades de repensar o direito animal como meio de garantir esses direitos humanos, usando as teorias de direitos animais.

3.2 Impactos da produção de carne no direito ao meio ambiente saudável

De acordo com Sidney Guerra e Sérgio Guerra, apesar da mobilização dos vários fatores sociais, resultados não podem ser comemorados, já que são evidentes os sérios prejuízos relacionados à destruição da natureza, do patrimônio ambiental, dos bens paisagísticos, e etc, causados pelo uso desmedido dos recursos ambientais. (GUERRA, 2014, p. 3)

Segundo os autores, o marco teórico da utilização predatória de recursos naturais foi durante a revolução industrial, iniciando-se um período em que havia um consumo desenfreado. Desta forma, evidenciou-se o surgimento da crise ambiental, que se perpetua até a atualidade. (GUERRA, 2014, p. 4)

De acordo com Édis Milaré, a questão ambiental está desenhada indelevelmente nos cenários da humanidade e manifesta-se através das ações e dos seus efeitos visíveis, que podem ser facilmente consultados; porém, se pretendemos acudir a terra, não nos é possível ignorar o que se passa nos bastidores, nas ações ocultas, e no jogo de interesses camuflados que não vêm a cena. A vigilância ambiental, inclusive a consciência jurídico-ecológica, deve estar atenta ao que é patente e ao que é latente, tanto aos riscos e delitos existentes e reais como aqueles potenciais e futuros. (MILARÉ. GRINOVER. 2009, p. 58)

Diante disto, torna-se visível a degradação ambiental, e seus riscos. Desta forma, cabe aos seres humanos analisarem seus atos, afim de agirem com responsabilidade ambiental, para que se possa efetivar o direito fundamental a um meio ambiente equilibrado. E é em razão disto que surge o Direito ambiental, pois visa proteger elementos do meio ambiente natural, cultural, histórico, artificial ou humano.

Quanto a degradação ambiental, há inúmeras pesquisas que demonstram a íntima relação com a produção de carne. O Greenpeace (2009, p. 3), em seu estudo ‘’O rastro da pecuária na Amazônia – Mato Grosso: o estado da destruição’’, demonstrou que desde a década de 1970, a pecuária é a principal responsável pelo desmatamento da Amazônia. No mesmo sentido, o Banco Mundial apresentou um estudo demonstrando a relação entre desmatamento e pecuária. (MARGULIS, 2003, p. 101)

Segundo este estudo, a produção de carne significa grande aumento do potencial brasileiro no mercado global da carne, porém, se faz necessário o questionamento se este e outros benefícios justificam os custos sociais e ambientais dos desmatamentos. O autor afirma que houve 100% de aumento no rebanho nacional, principalmente no Pará Mato Grosso e Rondônia, os 3 estados com maiores percentuais de desmatamento na Amazônia. (MARGULIS, 2003, p. 82)

Margulis explica que os custos sociais do desmatamento foram estimados em cerca de US$100/ha/ano, sendo um valor maior que o da renda da pecuária. Segundo ele, o que importa são os lucros privados da pecuária, e que não existem mecanismos de transferência para efetivar uma compensação entre esses custos. (MARGULIS, 2003, p. 82)

O autor afirma que as evidências sobre desmatamento e uso do solo na Amazônia demonstram que a pecuária é a principal atividade econômica na região, e que médios e grandes pecuaristas são os responsáveis pelo desmatamento. (MARGULIS, 2003, p. 15)

Além disso, leva a reflexão quanto a ser necessário comparar os benefícios sociais líquidos das duas atividades e não admitir a pecuária pelo simples fato de ser viável do ponto de vista privado, e responde que a pecuária na Amazônia é muito rentável e alternativas sustentáveis como o manejo florestal simplesmente não são capazes de competir, sob o ponto de vista privado do produtor. O autor afirma, ainda, que as políticas públicas não deveriam apoiar a pecuária. (MARGULIS, 2003, p. 16)

Ainda que a pecuária seja extremamente rentável aos empresários que a praticam, está comprovado que essa está relacionada com o desmatamento. Não existe um resultado equilibrado, ao tentar balancear essa atividade.

Além disso, também contribui para a poluição, pois pesquisadores da Universidade de Chalmers, na Suécia, publicaram no periódico Climate Changes (HEDENUS. WIRSENIUS. JOHANSSON, 2014), afirmando que o consumo de carnes e laticínios são especialmente preocupantes, pois são os alimentos que mais contribuem com a poluição atmosférica.

O estudo aborda a importância da redução do consumo de carne e de produtos lácteos, para diminuir o efeito estufa. Segundo os autores, esses alimentos podem ocupar a maior parte ou a totalidade do espaço da emissão total de gases, a longo prazo. (HEDENUS. WIRSENIUS. JOHANSSON, 2014, p. 8)

A ONG WWF, publicou o estudo ‘’Apetite por destruição’’ (2017, p.6), afirmando que quanto mais produtos animais consumimos, mais precisamos produzir. Além disso, informa que já produzimos o suficiente para alimentar o mundo. Porém, o excesso de consumo, a desigualdade, o desperdício e os sistemas inadequados de produção e distribuição impedem a alimentação de todos e o espaço para a vida selvagem.

Ainda segundo o mesmo estudo, se todos reduzissem a quantidade de produtos de origem animal que eles comessem para atender às suas necessidades nutricionais, o total de terras agrícolas requerido diminuirá em 13%. Isso significa que cerca de 650 milhões de hectares - ou uma área de 1,5 vezes o tamanho da União Européia - serão salvos da produção agrícola. (WWF, 2017, p. 6)

O estudo demonstra que a insegurança alimentar ocorre não só pela falta de alimentos, que também é causada pela produção de carne, mas também pelo desperdício, desigualdade e excesso de consumo, práticas bastante relacionadas com o consumo de carne.

Sgundo o estudo ‘’cool farming: Climate impacts of agriculture and mitigation potential’’, do Greenpeace, de 2008, a criação de animais tem inúmeros impactos diferentes, que vão desde as emissões diretas de gado, manejo de estrume, uso de agroquímicos e mudança de uso do solo para o uso de combustível fóssil, e contribui com as emissões globais de metano. (GREENPEACE. BELLARBY. FOEREID. HASTINGS. SMITH. 2008, p. 24)

De acordo com esse estudo, a demanda por carne determina o número de animais que precisam ser mantidos, e o setor pecuário incentivou recentemente o desmatamento da floresta amazônica no Brasil, um dos principais produtores de soja utilizada na alimentação animal. Quanto a isso, é importante ressaltar que esses grãos poderiam estar sendo utilizados para alimentar humanos. (GREENPEACE. BELLARBY. FOEREID. HASTINGS. SMITH. 2008, p. 25)

O estudo demonstra que a criação de animais é a principal atividade fonte de emissões de metano, gás com vinte vezes o potencial do aquecimento global. Inclusive, o manejo de esterco líquido, que é depositado em nossas águas, emite metano. Há ainda, o grande uso de fertilizantes, já que a demanda por carne é grande e é necessário produzir ração. (GREENPEACE. BELLARBY. FOEREID. HASTINGS. SMITH. 2008, p. 25-26)

Além disso, a pecuária é a maior usuária de terra do mundo. A soja, por exemplo, que é um alimento altamente energético e tem o Brasil como um dos principais produtores. Essa é usada como ração animal, e em razão da demanda por carne aumentar, o grão não é destinado aos humanos, e ainda causa impactos ao contribuir com o desmatamento. Além disso, as fazendas consomem grande quantidade de energia, principalmente na pasteurização do leite, no queijo e leite em pó. (GREENPEACE. BELLARBY. FOEREID. HASTINGS. SMITH. 2008, p. 26)

O estudo ‘’Livestock’s Long Shadow’’, de Steinfeld, demonstra que a pecuária é a maior responsável pela emissão de gases de efeito estufa, sendo maior que o escape combinado de todos os transportes, resultando em 18% de emissão.

Em relação a competição dos humanos com o animais, no consumo de grãos, o estudo demonstrou também que 33% das terras aráveis totais são destinadas á produção de alimentos, que são destinados á produção de ração para os animais.(STEINFELD, 2006, p. 255) Desta forma, além da competição dos seres humanos pobres por esses alimentos, há o grande gasto de terra.

A produção de ração para os animais destinados ao abate também causa impactos no uso da água. A cada ano, 253 milhões de toneladas de grãos são fornecidos aos animais nos EUA, exigindo m total de 25x1013 litros de água. Desta forma, conclui-se que a produção mundial de grãos para o gado requer três vezes a quantidade água necessária para produzir grãos para os humanos.

O site ‘’Water Footprint’’ faz um cálculo sobre o gasto de água em cada atividade. A carne por exemplo, em 1kg, gasta 15500 litros de água. Em contrapartida, para 1kg de soja, são necessários 1800 litros de água.

Como consequência disto, presume-se que a soja que poderia estar alimentando humanos e não animais, em ração, para que depois eles sejam abatidos, poderia ser produzida ainda, gastando menor quantidade de água.

Quanto à contaminação da água e exploração excessiva, o estudo ‘’ Wasted Catch: Unsolved Problems in U.S. Fisheries’’ aponta que em média, 40% (28,5 mil milhões de quilos) de peixes capturados globalmente a cada ano são descartados e que até 650 mil baleias, golfinhos e focas são mortos a cada ano por navios de pesca. Além de, em média, 40-50 milhões de tubarões são mortos em linhas de pesca e redes. (OCEANA, 2004, p. 9)

Os animais, inclusive os peixes, são tidas como meras mercadorias, tem sua condição de seres sencientes e há a consequência de a água, que é destinada aos humanos, ser contaminada, e também espécies importantes para o equilíbrio da natureza são mortas.

3. Os animais como sujeitos de direito: Uma alternativa para efetivar o direito ao meio ambiente saudável

A garantia ao meio ambiente saudável é de grande relevância, pois a partir de 1988, foi previsto constitucionalmente, tendo, inclusive, um título exclusivo para tratar sobre o tema. O título VII, da ordem social, destaca que o meio ambiente é um direito fundamental.

Tendo em vista que a produção de carne impacta negativamente o meio ambiente, afetando o direito constitucionalmente previsto, é possível que a reinterpretação do atual status dos animais seja uma alternativa para mudar o panorama apresentado.

Atualmente, conforme perspectiva hermenêutica constitucional tradicional, os animais são protegidos como meros elementos do meio ambiente, no inciso VII, §1, do artigo 225, da Constituição Federal.

Dessa forma, o meio ambiente é tanto direito, quanto dever da sociedade, pois estipula que todos devem ter o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, e que é um bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Porém, o poder público e a coletividade devem defendê-lo e preservá-lo, para as presentes e futuras gerações.

O inciso VII do parágrafo primeiro, do art. 225 protege a fauna e a flora e veda práticas que ponham em risco sua função ecológica ou a extinção de espécies, ou práticas que provoquem ou submetam os animais a crueldade. Desta forma, a interpretação tradicional é de que os animais são protegidos para proteger à fauna, e não por serem seres vivos.

Em outubro de 2016, ocorreu o julgamento sobre a inconstitucionalidade da vaquejada. O procurador-geral da república buscou a declaração de inconstitucionalidade da Lei estadual 15.299/13, que regulamentava a vaquejada como atividade desportiva cultural no Ceará. (STF, ADI 4983.2016, p. 42) Nesse julgamento, foi ponderado o princípio da manifestação cultural e a proteção aos animais, sendo decidido pelos ministros que a crueldade animal discrepa da norma constitucional. (STF, ADI 4983.2016, p. 2)

O resultado da votação da ação de inconstitucionalidade da vaquejada é de extrema importância, pois foi decidido pelo tribunal que os animais são seres que sentem, e que merecem ser protegidos, tendo o interesse de não sofrer. (STF, ADI 4983.2016, p. 40).

No voto de Barroso, o ministro comentou que a cláusula proibitiva de causar sofrimento aos animais foi introduzida na constituição a partir de discussões ocorridas na assembleia constituinte, sobre prática contra animais, e não para garantir o meio ambiente equilibrado. Barroso cita que se fosse o caso de considerá-los meros elementos do meio ambiente, a cláusula seria desnecessária, pois o mesmo inciso já protege a fauna. (STF, ADI 4983.2016, p. 41)

É importante destacar que o ministro Barroso, ao julgar a vaquejada, afirmou que os animais não podem ser meros elementos do meio ambiente, e que essa vedação foi reconhecida pelo valor eminentemente moral que os constituintes conferiram em benefício dos animais sencientes. Segundo ele, o sofrimento animal importa por si só, independentemente do equilíbrio do meio ambiente. (STF, ADI 4983.2016, p. 42)

Porém, o Ministro Barroso critica a interpretação de que os animais sejam meros elementos do meio ambiente. ((STF, ADI 4983.2016, p. 41) Em razão disso, existem outras formas de melhor interpretar o inciso VII, do artigo 225, da Constituição Federal, como por exemplo, a interpretação de que os animais devem ser protegidos em razão de seres sencientes.

É importante destacar que, na votação de inconstitucionalidade da vaquejada, o ministro Barroso abordou as teorias de direitos animais, em debates filosóficos e com desenvolvimento histórico sobre o tema. Ele demonstrou que o constituinte realizou uma avançada opção ética no que diz respeito aos animais, por vedar práticas cruéis. (STF, ADI 4983.2016, p. 40)

Além disso, Barroso explica que o artigo 225, §1, VII, da Constituição não pode receber uma interpretação restritiva, tão somente para proteger o meio ambiente ou preservar espécies, pois a proteção aos animais é norma autônoma, com objeto e valor próprios. (STF, ADI 4983.2016, p. 40)

De acordo com a Declaração de Cambridge, os humanos não são os únicos a possuírem os substratos neurológicos que geram consciência, pois os animais não humanos também possuem.

Além disso, Tom Regan (2004, p. XVI) afirma que os animais não-humanos se assemelham de inúmeras formas aos humanos. Ele cita o fato de possuírem uma pluralidade de capacidade sensoriais, cognitivas, conativas e volitivas.

Regan cita ainda que eles enxergam e ouvem, acreditam e desejam, lembram e preveem, planejam e pretendem. É importante destacar que o autor, cita os prazeres e dores físicas que os animais podem sentir, sendo seres sencientes. Não só isso, compartilham o medo e contentamento, raiva e solidão, frustração e satisfação, astúcia e imprudência. Regan cita ainda que esses estados psicológicos definem o estado mental de todos os seres vivos, animais humanos ou não, que são sujeitos de uma vida.

Atualmente, nossa legislação infraconstitucional regula a situação dos animais como se fossem coisas, porém, eles são seres sencientes. Além disso, o STF, guardião de nossa Constituição, vem decidindo que práticas aviltantes contra esses animais são inconstitucionais, pois eles sofrem. Entre as práticas que o STF entendeu como inconstitucional, estão a rinha de galo, farra do boi e vaquejada, por entenderem que a sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição Federal. (STF, ADI 4983.2016, p. 41)

Na ADI 4983, em que o Supremo Tribunal Federal votou pela inconstitucionalidade da vaquejada, o tribunal votou pela proteção dos animais, de forma explícita pela senciência desses animais. Como exemplo disso, o Ministro Celso de Mello afirmou que a cláusula do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal tem valor ético-jurídico, para impedir ameaças a todas as formas de vida, inclusive a animal, contra práticas aviltantes, perversas e violentas. (STF, ADI 4983.2016, p. 82)

Além disso, o Ministro Celso De Mello explica que a concepção sobre a crueldade se mostra como a insensibilidade, que enseja indiferença ou prazer com o sofrimento alheio, e que a Constituição objetiva impedir que os animais sejam alvo de atos cruéis, de forma que sua vida deve ser respeitada. É importante ressaltar que, segundo seu entendimento, os animais protegidos da crueldade devem estar vivos, sendo a preservação de suas vidas tarefa do Poder Público. (STF, ADI 4983.2016, p. 93)

Desta forma, a interpretação de que os animais devem ser protegidos como meros elementos do meio ambiente está ultrapassada, devendo a senciência animal ser observada, inclusive na reinterpretação das leis infraconstitucionais.

A interpretação quanto ao status dos animais não deve ser apenas de elementos do meio ambiente, pois eles são seres sencientes. Com essa mudança de interpretação, podem haver mudanças nas legislações infraconstitucionais que tratam sobre o tema nas atividades humanas, para que os animais não tenham o status de coisas ou mercadorias, servindo apenas pela sua utilidade, ignorando o sofrimento ou os animais como sujeitos de uma vida.

Desta forma, além de garantir o direito à vida de animais que são seres que sentem, uma reinterpretação da constitucional federal, em seu artigo 225, inciso VII pode preservar o meio ambiente, garantindo o direito constitucionalmente previsto à sociedade.

Conclusão

O direito ao meio ambiente saudável é um direito constitucional e cláusula pétrea, de grande importância para nossa sociedade e para o futuro de nossas gerações. Historicamente, foram observadas poucas mudanças com a finalidade de protegê-lo, ao longo da história. Apenas com a promulgação da Constituição Federal, em 1988, que o meio ambiente saudável se tornou um direito fundamental. Em decorrência disso, nos dias atuais é um direito-dever que a coletividade possui de protegê-lo, devendo o poder público garantir os meios para tanto.

Ainda que se tenha conhecimento das consequências da devastação ao meio ambiente, ainda há setores que contribuem de forma negativa, afetando nosso direito fundamental. Um desses setores é o de produção de animais, para abate e consumo. Dessa forma, é possível analisar a relação do consumo de carne com a degradação do meio ambiente.

Os animais, de acordo com a interpretada dada atualmente ao seu status, são meros elementos do meio ambiente. Desta forma, a legislação infraconstitucional é regulada de forma que os animais são valorados pela sua utilidade. Porém, as teorias de direitos animais demonstram que eles são seres sencientes, ou seja, que sofrem. E, portanto, merecem ter suas vidas protegidas. O atual entendimento do Supremo Tribunal Federal é de que os animais são protegidos na Constituição Federal por serem ser vivos.

Tendo em vista a íntima relação entre a produção de animais, para sua exploração, com a não efetivação dos direitos humanos à alimentação e ao meio ambiente, torna-se necessário estudar medidas para alterar a atual situação. Desta forma, é possível afirmar que uma reinterpretação do atual status dos animais no ordenamento jurídico mostra-se como uma alternativa viável, para, indiretamente, garantir os direitos humanos ao meio ambiente saudável.

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Sobre a autora
Rafaela Isler da Costa

Pós-graduanda em Criminologia (Grancursos). Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Direito e Justiça Social da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande (FADIR/FURG/RS). Representante discente do curso de Mestrado em Direito e Justiça Social - FURG. Pesquisadora bolsista da CAPES. Pesquisadora vinculada ao Programa Educación para la Paz No Violencia y los Derechos Humanos, al Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (Centro de Investigación y Extensión en Derechos Humanos) de la Facultad de Derecho de la Universidad Nacional de Rosário (Argentina) sob coordenação do Professor Dr. Julio Cesar Llanán Nogueira, com financiamento PROPESP-FURG/CAPES. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisa e Extensão em Direitos Humanos (NUPEDH/FURG) e do Grupo de Pesquisa do CNPq: DIREITO, GÊNERO E IDENTIDADES PLURAIS (DGIPLUS/FURG). Pós-Graduação em Direito Público. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Empresarial. (LEGALE). Pós-Graduação em Direito Tributário. (Damásio). Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pelotas (UCPEL). CV Lattes: < http://lattes.cnpq.br/2927053833082820 E-mail: < [email protected]>

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