Para desempenhar-se a primor de seu nobre ofício — que se resume num verbo: persuadir —, há de conhecer o advogado os preceitos da Retórica, ou “arte de bem dizer”([1]), dos quais um é conciliar a benevolência do juiz([2]). Exórdio é o nome da parte do discurso ou arrazoado forense destinada a congraçar o orador com os ouvintes e a excitar-lhes a atenção. De ordinário, toma-se de frase ou pensamento de autor célebre, que se ajuste à espécie da causa. Não só no discurso oratório, também nas composições literárias escritas (conforme se deixa entender de um lugar de Cícero([3])), cabe o exórdio, de que damos a seguir alguns exemplos. O advogado diligente, com suas leituras, poderá acrescentá-los ao infinito:
1. “Não hei de pedir pedindo, senão protestando e argumentando; pois esta é a licença e liberdade que tem quem não pede favor senão justiça” (Vieira, Sermões, 1959, t. XIV, p. 302);
2. “A suspeita é a justiça das paixões. O crime é a presunção juris et de jure, a presunção contra a qual não se tolera defesa, nas sociedades oprimidas e acovardadas. Nas sociedades regidas segundo a lei, a presunção universal é, ao revés, a de inocência” (Rui, Obras Completas, vol. XXIV, t. III, p. 87);
3. “A verossimilhança, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 65);
4. “A causa da justiça porém é a verdade; a condenação do inocente constitui maior desgraça para a sociedade do que para o condenado, sendo preferível, segundo a velha sentença de Berryer, ficarem impunes muitos culpados, do que punido quem devera ser absolvido” (Firmino Whitaker, Júri, 5a. ed., p. 89);
5. “Se ao juiz fosse facultado julgar e cominar pena ao indigitado autor de um delito, de cuja existência ou realidade não haja plena certeza e sobre cuja autoria paira dúvida (…), o arbítrio sentar-se-ia no trono da Justiça, e esta não mais seria a garantia das pessoas honestas e dos fracos” (Moacir Amaral dos Santos, Prova Judiciária no Cível e Comercial, vol. I, 3a. ed., p. 18);
6. “Não é a absolvição do culpado, mas a condenação do inocente que afeta os fundamentos jurídicos, desacredita a Justiça, alarma a sociedade, ameaça os indivíduos, sensibiliza a solidariedade humana” (Roberto Lyra, Introdução ao Estudo do Direito Penal Adjetivo e do Direito Penal Executivo, p. 12);
7. “Não sigais os que argumentam com o grave das acusações, para se armarem de suspeita e execração contra os acusados; como se, pelo contrário, quanto mais odiosa a acusação, não houvesse o juiz de se precaver mais contra os acusadores, e menos perder de vista a presunção de inocência, comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito” (Rui, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42);
8. “No processo acusatório, o juiz só tem a decidir qual das alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II, p. 285; trad. Alberto Antônio Soares);
9. “Sobre o confuso tumultuar das paixões só a Justiça resplende, como guia seguro: e é tal a pureza de seu esplendor que, segundo a imagem aristotélica, não é tão maravilhosa Vésper, a estrela vespertina, nem Lúcifer, a matutina” (Giorgio del Vecchio, A Justiça, p. 161; trad. Antônio Pinto de Carvalho);
10. “Todas as vezes que a culpabilidade não esteja completamente estabelecida, uma condenação seria injustificada” (R. Garraud, Compêndio de Direito Criminal, 1915, vol. II, p. 170; trad. A.T. de Menezes);
11. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que a magistratura orna os seus brasões, desde que a Justiça Criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res sacra reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui, Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 113);
12. “A mais dura cousa que tem a vida é chegar a pedir e, depois de chegar a pedir, ouvir um não: vede o que será!” (Vieira, Sermões, 1682, t. II, p. 87);
13. “A defesa não quer o panegírico da culpa, ou do culpado. Sua função consiste em ser, ao lado do acusado, inocente ou criminoso, a voz dos seus direitos legais” (Rui, Obras Completas, vol. XXXVIII, t. II, p. 10);
14. “Jamais devemos apagar de nossa memória três princípios centrais da processualística tradicional: Reus res sacra; nemo tenetur se detegere; satius esse imponitum relinqui facinus nocentis quam innocentem damnare. (O réu é coisa sagrada; ninguém é obrigado a depor contra si mesmo; é preferível deixar impune um culpado a condenar um inocente)” (Nélson Hungria, in Revista Forense, vol. 138, p. 339);
15. “Quanto mais abominável é o crime, tanto mais imperiosa, para os guardas da ordem social, a obrigação de não aventurar inferências, de não revelar prevenções, de não se extraviar em conjecturas, de seguir passo a passo as circunstâncias, deixando a elas a palavra, abstendo-se rigorosamente de impressões subjetivas, e não antecipando nada” (Rui, Novos Discursos e Conferências, 1933, p. 75);
16. “A possibilidade de ocorrência de erro judiciário justifica supremos cuidados” (Roberto Lyra, Como Julgar, como Defender, como Acusar, p. 11);
17. “É melhor absolver um culpado do que condenar um inocente” (Idem, ibidem, p. 14);
18. “Os delitos mais horrendos, os crimes mais obscuros e mais fantásticos e, portanto, os mais incríveis são exatamente os que são tidos como comprovados por simples hipóteses e indícios fracos e muito equívocos” (Beccaria, Dos Delitos e das Penas, XIII; trad. Torrieri Guimarães);
19. “A sentença mais penosa, ou que mais fundo possa ferir a parte, pode sempre ser suavizada, sem prejuízo de sua eficácia, por um acento discreto de solidariedade humana” (Cândido Naves, Páginas Processuais, 1950, p. 68);
20. “A prova para uma condenação, principalmente quando se trata de penas extremadas, há de ser como o véu d’água, que se escoa ao longo de um paredão granítico: cristalina, pura, constante. Ela deve ser una, indivisível, convincente por si mesma, para, ungida pelos óleos sagrados, ficar a salvo de quaisquer influências que não sejam a da verdade verdadeira” (Revista de Direito Penal, vol. 11, p. 113).
Notas
([1]) Caldas Aulete, Oratória, 1875, p. III.
([2]) Quintiliano, Instituições Oratórias, 1788, t. I, p. 230; trad. Jerônimo Soares Barbosa.
([3]) “(…) tenho um volume de proêmios, donde costumo colher algum, quando começo algum tratado” (apud Quintiliano, op. cit., p. 262).