NÃO SE PODE DESTRUIR PROVAS NO PROCESSO PENAL ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

26/07/2019 às 14:00
Leia nesta página:

O ARTIGO DISCUTE SOBRE FATO CONCRETO E A QUESTÃO DA DESTRUIÇÃO DE PROVAS OBTIDAS NO PROCESSO PENAL.

NÃO SE PODE DESTRUIR PROVAS NO PROCESSO PENAL ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO

Rogério Tadeu Romano

O ministro da Justiça Sergio Moro informou que vai descartar mensagens apreendidas com suspeitos presos na terça-feira, dia 23 de julho do corrente ano,  pela Polícia Federal. Eles são acusados de invadir celulares de autoridades, entre elas o próprio Moro, que se declara vítima nesse caso.

A informação teria sido dada por Moro ao presidente do Superior Tribunal de Justiça, ministro João Otávio de Noronha. Segundo nota divulgada pelo STJ, o ministro da Justiça telefonou a Noronha para informá-lo de que seu celular também foi hackeado.

O Ministro aposentado Superior Tribunal de Justiça (STJ), Gilson Dipp chamou de "autoritarismo" o ato do ministro da Justiça Sergio Moro de avisar autoridades vítimas de hackers que suas mensagens capturadas seriam destruídas.

—Isso aí é um autoritarismo em nome da proteção de autoridades. O Ministério da Justiça está atuando como investigador, como acusador e como próprio juiz ao mandar destruir provas, se é que isso é verdade. Eu não estou acreditando ainda — disse Dipp.

Se o material é produto de crime, a Justiça terá de enfrentar a questão da prova ilícita. A primeira coisa a fazer é separar o crime decorrente da subtração das informações, com invasão de privacidade, da divulgação de mensagens do The Intercept, que tem a ver com as relações entre Moro e Dallagnol, para verificar a existência ou não de promiscuidade judiciária entre juiz e acusador.

A primeira coisa que a Polícia Federal deve verificar no material apreendido com os hackers é se ele é autêntico e se não tem inserções, o que pode provar ou não se os diálogos publicados entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol são reais, se as mensagens são perfeitas.

Ao processo penal interessa, acima de tudo, a verdade real.

Como ensinou Luiz Flávio Gomes o  princípio da verdade real, informa que no processo penal deve haver uma busca da verdadeira realidade dos fatos.

Diferentemente do que pode acontecer em outros ramos do Direito, nos quais o Estado se satisfaz com os fatos trazidos nos autos pelas partes, no processo penal (que regula o andamento processual do Direito penal, orientado pelo princípio da intervenção mínima, cuidando dos bens jurídicos mais importantes), o Estado não pode se satisfazer com a realidade formal dos fatos, mas deve buscar que o ius puniendi seja concretizado com a maior eficácia possível.

A prova não pertence à parte que a produziu e sim ao processo. Se a parte deseja desistir de prova que tenha proposto a parte contrária deve obrigatoriamente ser ouvida. É o que se nota da aplicação do princípio da aquisição processual. A prova, assim, pertence ao processo, e não ao interesse das partes.

No caso aplica-se o artigo 118 do Código de Processo Penal.

O artigo 118 do Código de Processo Penal prevê que “antes de transitar em julgado a sentença final, as coisas apreendidas não poderão ser restituídas enquanto interessarem ao processo.

Como visto, todas as coisas e bens que puderem constituir matéria de prova de demonstração do fato ilícito deverão ser recolhidas e apreendidas pela autoridade policial, permanecendo à disposição dos interesses da persecução penal.

Já, então, uma distinção se deve fazer: entre as coisas apreendidas, algumas delas poderão ser objeto de apreciação na própria sentença penal, a ser proferida, no que se refere à sua origem e à sua destinação, pois, nos termos do artigo 91 do CP, um dos efeitos da sentença penal condenatória é a perda a favor da União(inciso II), “a) dos instrumentos do crime, desde que consistam em coisas cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito; b) do produto do crime ou de qualquer bem ou valor que constitua proveito auferido pelo agente com a prática do fato criminoso.

Conforme acentuado na imprensa, o deputado Paulo Pimenta, líder do PT na Câmara, anunciou na noite do dia 25 de julho do corrente ano , que o PT avalia medidas junto ao Supremo Tribunal Federal para impedir que o ministro Sérgio Moro destrua as provas obtidas pela Polícia Federal na operação Spoofing.

Certamente a destruição dessas provas antes do trânsito em julgado é medida que contraria ao princípio da verdade real.

Em sendo assim deve-se dizer que não se destrói provas antes da perícia e, finalmente, antes do trânsito em julgado.

Sobre a matéria disse bem o jurista Wálter Maierovitch, em excelente artigo para o jornal O Estado de São Paulo, no dia 26 de julho de 2019 no sentido de que “a  primeira coisa que a Polícia Federal deve verificar no material apreendido com os hackers é se ele é autêntico e se não tem inserções, o que pode provar ou não se os diálogos publicados entre o então juiz Sérgio Moro e o procurador da República Deltan Dallagnol são reais, se as mensagens são perfeitas. O que Moro e Dallagnol não reconheceram pode ser verificado, a partir de agora, por perícia.”

Se o material é produto de crime, a Justiça terá de enfrentar a questão da prova ilícita. A primeira coisa a fazer é separar o crime decorrente da subtração das informações, com invasão de privacidade, da divulgação.

Certamente destruir provas nessa altura da investigação seria adentrar na fraude processual, ilícito cujas consequências devem ser vistas no processo penal e, por certeza, no direito penal.

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Não se destrói prova antes de perícia e de trânsito em julgado. É preciso fazer esse alerta. A regra é constitucional. Quem deve prevalecer no conflito entre o direito privado e o público? Evidentemente, é o público.

Sendo assim acima da vontade do atual ministro da Justiça há o interesse público na correta apuração dos fatos

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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